O Governo está longe de conquistar a Iniciativa Liberal no que ao Orçamento do Estado diz respeito e os liberais correm numa pista tranquila, em que sabem que o seu voto não é fundamental para salvar o documento, mas tendo a consciência de que Luís Montenegro não se pode dar ao luxo de ficar ainda mais isolado num Parlamento que lhe é maioritariamente hostil. Tudo pesado, vai-se avisando no partido, a coerência será o valor a preservar: se o documento for “mais do mesmo”, não terão problemas em não se posicionarem ao lado de Luís Montenegro.
O alerta público veio de Luís Marques Mendes, que sublinhou que “o Governo devia ter atenção com a Iniciativa Liberal” porque “um dia mais tarde, daqui a um ano ou dois, para eventualmente ter uma maioria absoluta de deputados, Luís Montenegro e Aliança Democrática vão precisar de fazer um entendimento com a IL”. O Orçamento do Estado será a primeira grande prova dessa relação, designadamente pela forma como Luís Montenegro terá de procurar um equilíbrio entre o que pode dar aos liberais nesta fase e aquilo que pode esperar no futuro.
A IL, consciente de que os oito deputados não são suficientes para salvar o Orçamento do Estado de Luís Montenegro, garante que “tudo está em aberto” e aguarda com “expectativa” — com a certeza de que haverá um peso extra na negociação de Montenegro com os dois maiores partidos da oposição. Fonte do partido admite que “vai ser um jogo de nervos até ao final”, tendo em conta que, mais do que medidas, a votação do Orçamento do Estado será uma luta por um lugar na fotografia que não queime ninguém.
Por outras palavras: para os liberais, o PS dificilmente quererá abster-se ao lado do Chega e Ventura não quererá ficar sozinho a aprovar (necessariamente com um voto a favor) o Orçamento de Montenegro. No entanto, tudo somado, e se quiser de facto salvar o processo negocial, o Governo terá de ceder a Pedro Nuno Santos e/ou a André Ventura. Nesse caso, avisa-se na Iniciativa Liberal, existe o risco real de, para agradar uns, Montenegro pode hipotecar as hipóteses de satisfazer as pretensões dos liberais. “Se o PSD tentar fazer a quadratura do círculo pode correr mal”, avisa um elemento da Iniciativa Liberal em declarações ao Observador.
“Não basta ser um Orçamento do Estado da Aliança Democrática. Se for um Orçamento da AD que se possa confundir com um Orçamento do PS, só focado na redistribuição da pouca riqueza que existe em Portugal e não na sua criação, então não pode ter o nosso apoio”, avisa um conselheiro liberal. Aliás, esta sexta-feira, Rui Rocha disse-o de forma taxativa: a Iniciativa Liberal vai opor-se ao Orçamento se este aproximar o país das políticas do PS.
“A preocupação que começa a desenhar-se. Para que é que se mudou de Governo se é para implementar as mesmas políticas? Portanto, nós na Iniciativa Liberal estaremos cá para recordar a este Governo que foi eleito para mudar o país. Contará com a nossa crítica construtiva se o caminho for esse, contará com a nossa oposição se o caminho for o de aproximar o país ou de o manter mais próximo daquilo que eram as políticas do PS”, avisou Rui Rocha.
Outra fonte da IL põe as coisas nestes termos: PS e Chega votarão o Orçamento do Estado para “evitar eleições”; para a Iniciativa Liberal, ainda para mais galvanizada pelo resultados nas europeias, esse nem sequer é um problema — nas últimas legislativas, o partido até teve um resultado aquém das expectativas e nem sequer conseguiu subir em número de deputados. A estabilidade política será, naturalmente, um valor a ponderar na decisão, mas nunca o fator determinante.
A vantagem de ter ficado fora do barco
“O PSD tem obrigação de fazer muito melhor do que o PS”, avisa um dirigente liberal. Outro elemento do partido alerta para o seguinte: que se o documento for “mais do mesmo” e “semelhante” aos do PS, a Iniciativa Liberal tem de manifestar coerência no sentido de voto e opôr-se à estratégia, sobretudo em matéria de redução fiscal e do peso da Administração Pública.
De resto, os liberais não se têm cansado de denunciar a “inaceitável a discriminação fiscal etária no IRS”, referindo-se à redução IRS para os jovens até aos 35 anos. Fonte oficial do partido coloca a questão no topo das prioridades: “A IL gostaria que o Governo pudesse melhorar a sua medida para ir contemplando mais portugueses, nem que fosse progressivamente”. Um outro dirigente liberal remata: “Será muito difícil para a IL aprovar um Orçamento que discrimina por idade na descida do IRS.”
No pacote dos impostos, a IL pretende também “uma redução imediata do IRC para 15% enquanto o Governo o pretende fazer de forma progressiva” e há uma preocupação acrescida, segundo fonte oficial do partido, com “os sinais recentes dados de que o Governo pretende ceder ao PS para não reduzir o IRC ou fazê-lo de forma muito lenta”.
A IL não esconde que a questão dos impostos é a mais sensível para um partido que tem feito deste tema bandeira. Por outro lado, esta é também uma das áreas em que Governo não parece dar margem para grandes cedências. “O Governo não apresenta abertura”, lamenta um elemento do partido, reconhecendo que esse pode ser um entrave para que os liberais optem por um voto favorável.
Não é o único fator de preocupação para a Iniciativa Liberal. “Estamos muito preocupados com o peso do Estado. Não vemos nenhuma evidência que reduzir o peso do Estado seja uma preocupação do Governo e pretendemos ver também medidas do lado da despesa”, alerta a mesma fonte. Em boa verdade, há muito que a IL procura pressionar o PSD para que tenha uma visão mais reformista e possa aproximar-se de uma linha mais liberal — questão que acabou por separar os dois partidos de uma coligação mais formal.
Ora, mesmo assumindo que quer fazer parte da solução, o facto de não estar dentro do barco deu uma maior liberdade a Rui Rocha, desprendido de compromissos e a lutar por se manter diferente do PSD aos olhos dos eleitores — até para evitar o efeito do voto útil que prejudica os partidos mais pequenos e com que teve de lidar durante as últimas eleições legislativas. Se o próximo Orçamento do Estado ficar aquém das exigências da Iniciativa Liberal, é em nome dessa liberdade e dessa identidade própria que Rui Rocha vai decidir.
Apesar do ceticismo sobre o real nível de ambição de Luís Montenegro, há propostas que a Iniciativa Liberal vê como positivas, como a existência de uma “disponibilidade genérica” no que toca aos profissionais liberais, mais precisamente em casos como o fim dos pagamentos por conta, a revisão das tabelas de retenção na fonte e a flexibilização do regime de isenção do IVA.
Os liberais levarão ainda para a mesa de negociações com o Governo como o IVA da construção a 6% — que também está no programa da AD e que a IL luta para que “o Governo não esqueça” —, o cheque-creche e a “eliminação de derramas e tributações autónomas”. “Um governo que não é socialista não deve manter um sistema que pune empresas que crescem”, remata fonte do partido.