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João Ribeiro-Bidaoui foi porta-voz da direção nacional do PS entre 2011 e 2013 e ocupou vários cargos internacionais nas Nações Unidas e na Conferência de Haia para o Direito Privado Internacional

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

João Ribeiro-Bidaoui foi porta-voz da direção nacional do PS entre 2011 e 2013 e ocupou vários cargos internacionais nas Nações Unidas e na Conferência de Haia para o Direito Privado Internacional

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

João Ribeiro-Bidaoui. "Se Pedro Nuno Santos federalizar o PS com o Bloco e o PCP, isso levará a uma cisão no PS"

Ex-porta-voz do PS diz que "não é inevitável" que partido caia nas mãos de Pedro Nuno Santos e avisa que futura geringonça tem de respeitar o "que a história do partido permite".

    Índice

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João Ribeiro-Bidaoui, 47 anos, conhece Pedro Nuno Santos desde a juventude. Com um ano de diferença, nasceram ambos em São João Madeira e, como Ribeiro-Bidaui diz, “cresceram juntos politicamente”. Mas não necessariamente com o mesmo pensamento.

Em entrevista ao Observador, o ex-porta-voz da direção nacional do PS entre 2011 e 2013 faz questão de avisar Pedro Nuno de que uma nova geringonça que leve a uma federalização entre o PS e o Bloco de Esquerda e o PCP poderá levar a uma cisão entre os socialistas — um risco que já existiu no passado, nomeadamente no período revolucionário e nos anos 80 com a guerra entre Mário Soares o grupo do ex-secretariado liderado por Vítor Constâncio e do qual faziam parte Salgado Zenha e Jorge Sampaio.

Será que estamos viciados na cunha e no compadrio?

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O ex-braço-direito do António José Seguro diz igualmente que o trabalho de reconstrução e do saneamento financeiro do ex-secretário-geral do PS entre 2011 e 2014 deve “ser reconhecido, sem sectarismos. Conhecedor profundo das Nações Unidas (da qual foi alto-dirigente), Ribeiro-Bidaui não acredita que António Guterres tenha condições para se demitir da ONU em nome de uma candidatura presidencial.

É um opositor claro da candidatura do almirante Gouveia e Melo por não querer ver um militar em Belém, e sem ver nenhum ouro bom nome à esquerda, para já, até admite apoiar Pedro Passos Coelho. “Se a segunda volta fosse entre o almirante Gouveia e Melo e Pedro Passos Coelho, eu votaria Passos Coelho”, diz.

“Talvez o PS se tenha aproximado de uma certa retórica do Bloco de Esquerda”

Temos assistido nos últimos anos a uma retórica muito mais agressiva do PS em que o próprio primeiro-ministro não tem qualquer problema em referir-se à oposição como “queques que guincham” e a ministra Ana Cataria Mendes acusado Cavaco Silva de ter promovido o trabalho infantil. O PS tornou-se mais próximo do Bloco de Esquerda?
Acho isso um exagero porque é difícil bater o Bloco de Esquerda na sua teatralidade narrativa.

Então vamos ser mais moderados. Há uma aproximação do PS ao Bloco de Esquerda nesse campo?
Talvez. Sem me referir a casos individuais, temos que compreender que os políticos também são pessoas e muitas vezes têm os seus momentos mais emocionais. Prefiro sempre que o PS continue a contribuir para um clima político mais calmo, mais regrado, que preserve o sistema político e que não entre nessa espiral que só serve quem é bom nesse discurso mais radical. Relativamente ao Presidente Cavaco Silva é preciso dizer que há uma geração, da qual faço parte que cresceu no cavaquismo e construiu também o seu posicionamento político em relação ao que era o cavaquismo. Portanto, há um certo trauma nessa questão.

"Cavaco Silva foi primeiro-ministro e Presidente da República com votações acima dos 50% em várias eleições. Isso tem a ver com o facto de Cavaco personificar uma certa ligação a um ser português fora de Lisboa por vários motivos que acabam por torná-lo ainda mais legítimo. Há uma ligação mais direta à população devido ao seu percurso de vida, às suas origens. Cavaco Silva representa e representou muitos portugueses e, portanto, tem que ser respeitado como tal."

Há um certo racismo social da esquerda em relação a Cavaco?
Isso é demais. É verdade que temos que respeitar Cavaco Silva porque se não o respeitarmos estamos a desrespeitar os portugueses. Não acredito nas teorias históricas de ciência política em que os líderes por si só são tudo. Salazar foi Salazar porque os portugueses quiseram que Salazar fosse Salazar naquele momento. Mussolini foi Mussolini porque os italianos quiseram que Mussolini fosse Mussolini naquele momento…

Espero que não esteja a comparar Cavaco com Salazar ou com Mussolini.
Não estou a comparar. Estou a dizer que independentemente dos sistemas políticos [ditadura ou democracia], há uma forma de legitimidade política. Cavaco Silva foi primeiro-ministro em democracia, eleito com duas maiorias absolutas, com mais de 50% de votos dos portugueses. E foi Presidente da República eleito para dois mandatos também com mais de 50% dos votos. Cavaco Silva representa e representou muitos portugueses e, portanto, tem que ser respeitado como tal. É verdade que essa representação acima dos 50% em várias eleições tem a ver com o facto de Cavaco Silva personificar uma certa ligação a um ser português fora de Lisboa por vários motivos que acabam por torná-lo ainda mais legítimo, se quiser. Há uma ligação mais direta à população devido ao seu percurso de vida, às suas origens, à sua forma de se apresentar.

Cavaco Silva é um exemplo de alguém que beneficiou do tal elevador social devido aos seus méritos profissionais.
Nesse sentido, é um exemplo do sucesso da democracia portuguesa.

O Governo tem estado envolvido em alguns episódios muito polémicos. Tivemos o caso Galamba, com as suas diferentes vertentes, seja a pancadaria no Ministério, seja a chamada do SIS; tivemos um ministro (Pedro Nuno Santos) a desafiar diretamente a autoridade do primeiro-ministro ao anunciar unilateralmente a decisão do novo aeroporto; tivemos um primeiro-ministro a convidar para seu secretário de Estado alguém que era arguido em dois processos criminais relacionado com as funções públicas. Estamos a viver um tempo de degradação moral e ética?
Não iria tão longe ao dizer que é uma degradação moral e ética.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

É uma pergunta, não é uma afirmação.
Obviamente que todos estes episódios contribuem para que haja uma menor relação de confiança e de legitimidade entre os portugueses e as instituições. Nalguns desses casos, penso que é mais por razões de gestão política, de preservar a autonomia da decisão política do primeiro-ministro e não estar sempre condicionado por pequenos casos ou por aquilo que o clamor de comentadores possa querer como resultado, então é mais tático do que outra coisa. Mas não se pode alimentar essa tática a todo o tempo, porque isso vai transmitir uma mensagem aos portugueses: a de que se beneficia o infrator, de que é possível sancionar determinados comportamentos e, portanto, um pouco mais de intransigência nalgumas dessas situações teria um efeito positivo na sociedade.

“Teremos de ver se Pedro Nuno Santos quer ir mais longe do que a história do PS lhe permite”

Pedro Nuno de Santos inaugurou recentemente o seu espaço de comentário na SIC Notícias e é um claro candidato à sucessão de António Costa. É inevitável que o PS  seja liderado por Pedro Nuno de Santos?
Em democracia não há nada de inevitável. Caso contrário, não é propriamente uma democracia. Vamos ter que ver em determinado momento… devo dizer que estou um pouco preocupado com o pós-Costa, o que é que isso significa, quando é que vem, em que contexto social, económico e político é que isso vem. António Costa tem também um legado interessante, o de ter apoiado o desenvolvimento de várias pessoas da minha geração para crescerem politicamente, ganharem experiência. Logo, o PS está em muito melhores condições do que outros partidos para fazer essa transição geracional. Também há um sentido de camaradagem muito forte. Quero acreditar que mesmo nas diferenças mais profundas vamos conseguir encontrar uma liderança que será apoiada por todos, exceto se Pedro Nuno quiser ir um pouco mais longe do que a história do PS lhe permite.

"Não é inevitável que o PS caia nas mãos de Pedro Nuno Santos. Em democracia não há inevitáveis. Se não, não é uma democracia. Estou um pouco preocupado com o pós-Costa. Quero acreditar que mesmo nas diferenças mais profundas nós vamos conseguir encontrar uma liderança que será apoiada por todos. Exceto se Pedro Nuno quiser ir um pouco mais longe do que a história do PS lhe permite."

Acredita que o primeiro-ministro vai mesmo para a Europa?
Vejo dificuldades nessa ambição, sobretudo porque penso que o centro político europeu se está a deslocar para leste. Aliás, penso que é do interesse da União Europeia que esse centro político e que a liderança da União Europeia se desloque para leste, para reforçar as ligações de legitimidade ao leste europeu.

Estamos a falar de um novo alargamento da União Europeia para 2030, por exemplo?
Sim. Essa coisa de ter um português num cargo europeu, a mim não me diz nada. O que quero é que seja a melhor pessoa, que sirva melhor os interesses da União Europeia. Portanto, vejo aí algumas dificuldades, mas não vejo que seja impossível. Normalmente os portugueses conseguem estes lugares quando não se consegue acordo para mais ninguém e Portugal é um Estado-membro relativamente consensual.

Ir mais longe é apostar numa ‘federalização’ entre o PS, o Bloco e o PCP?
Exato. E se for uma coisa tipo geringonça, vamos ter que ver no momento próprio o que é que o PCP e o Bloco de Esquerda andam a dizer sobre a Ucrânia e o conflito israelo-palestiniano e outras coisas.

Se mantiverem as posições recentes, o PS deve colocar um cordão sanitário em redor do PCP? Que é o partido que tem tomado posições mais radicais.
Não sabemos quando é que tudo isto vai acontecer e, portanto, as coisas podem evoluir. Mas, voltando à sua pergunta, se for um processo de federalização, penso que isso será ir longe demais e pode levar até à cisão do PS, que é um tema que esteve sempre presente na história do PS, que sempre foi evitado e penso que, à última da hora, será sempre evitado. Eu e o Pedro Nuno Santos somos da mesma terra [São João da Madeira]. Crescemos politicamente juntos e estou convencido que ele saberá no momento certo aquilo que é do interesse nacional.

Saberá moderar-se e recentrar-se?
Volto a dizer que estas coisas são reflexos da sociedade. Se a sociedade for moderada, um líder do PS terá que ser sempre moderado. Se a sociedade estiver muito radicalizada, e é isso que me preocupa, então é possível que as lideranças se tornem um pouco mais radicalizadas.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O PS de António Costa não tem promovido essa radicalização da própria sociedade ao puxar constantemente o Chega para o centro do debate político? Ou seja, numa forma tática de tentar condicionar o PSD, acaba por promover estrategicamente o Chega.
Admito que essas coisas possam ser feitas em campanha eleitoral. O PS é muito bom a fazer campanhas, aprendemos muito nos anos 90 e temos gente muito qualificada para fazer isso. Agora discordo que se crie sistematicamente essa bipolarização direta PS-Chega. Deve-se abordar os temas que estão na base daquilo que justifica que as pessoas apoiem o Chega, deve-se ir à origem desses problemas e falar sobre esses problemas com dados e com informação clara sobre as políticas que podem resolver esses problemas. Mas sem entrar nessa bipolarização de radicalização, porque isso, eventualmente, pode cristalizar o Chega como uma força política estruturante do sistema.

Presidenciais. “Se a 2.ª volta fosse entre Gouveia e Melo e Passos Coelho, votaria Passos”

As eleições presidenciais estão na ordem do dia. António Guterres tem sido o candidato mais bem posicionado nas sondagens. É uma candidatura viável?
António Guterres terá sempre o apoio do PS. Não sei se, depois do seu percurso pessoal e político, quer regressar à política portuguesa.

Já foi um alto dirigente das Nações Unidas e conhece bem a instituição. O mandado de António Guterres termina depois das presidenciais. É viável que Guterres abandone mais cedo o seu mandato como secretário-geral para se candidatar a Presidente da República?
Não é muito viável que isso possa acontecer. Houve uma discussão muito interessante também na Coreia do Sul, onde eu estava a viver no fim do mandato do Ban Ki-moon [ex-secretário-geral da ONU entre 2007 e 2017]. Ki-moon também era muito apoiado para ser candidato presidencial na Coreia, mas acabou por não ser. Enfim, António Guterres teria o meu apoio, mas não acredito que isso possa acontecer.

À esquerda não vê mais ninguém?
Ainda não. Estou mais preocupado com a direita.

O candidato mais destacado nas sondagens é um militar: o almirante Gouveia e Melo. 50 anos após o 25 de abril faz sentido termos um militar como Presidente da República?
Esse é o meu ponto e eu não apoiarei o almirante Gouveia e Melo em qualquer circunstância.

Há alguns camaradas seus que vêem o almirante com bons olhos.
Eu sei, eu sei. É verdade que temos também uma dívida de gratidão para com o almirante, pelo seu trabalho durante a pandemia. Mas um militar é isso mesmo: faz aquilo que o poder civil manda fazer.

"Não apoiarei o almirante Gouveia e Melo. É verdade que temos também uma dívida de gratidão para com o almirante pelo seu trabalho durante a pandemia. Mas um militar é isso mesmo: faz aquilo que o poder civil manda fazer. Não é aceitável a ideia de que Gouveia e Melo vai por na ordem os políticos. Isso aproximar-nos-ia de democracias com menor qualidade."

E a ideia subjacente a essa candidatura é a de que é um militar que vai pôr na ordem os políticos.
Exato. Isso é que não é aceitável. Isso aproximar-nos-ia de democracias com menor qualidade.

Como a América Latina.
Tenho sempre a cortesia de não estigmatizar regiões, mas isso aproximar-nos-ia de democracias com menor qualidade e seria dececionante. Deixe-me regressar à sua primeira pergunta sobre este tema. Termos um militar no ativo como candidato a Presidente da República significa que há um problema mais profundo no sistema político. Logo, temos que ter a capacidade de evoluir e de dar mais condições para que haja líderes que se possam afirmar para o serem. Preocupa-me que não haja gente suficiente com esse perfil.

Apoiou Ana Gomes e Maria de Belém nas duas últimas eleições presidenciais. Está a ver a ver alguém à esquerda capaz de protagonizar uma candidatura vencedora? Por exemplo, surgiu o nome de Alexandra Leitão.
Gostaria de ver mais mulheres como candidatas. Mas, para já, não estou a ver ninguém. Enfim, com a ressalva que tenho vivido fora do país e pode-me estar a escapar alguém. Concordo com a Alexandra Leitão: é muito nova para se candidatar a umas eleições presidenciais. E penso que deveria ter ficado no Governo.

Como parece não ter um candidato presencial à esquerda, era capaz de votar em Pedro Passos Coelho nas eleições presenciais?
Se a segunda volta fosse entre o almirante Gouveia e Melo e Pedro Passos Coelho, eu votaria Pedro Passos Coelho.

Porquê?
Precisamente pelas razões que disse. Penso que serve melhor a democracia um candidato civil. Apesar de não concordar com praticamente nada do que Pedro Passos Coelho fez, e como fez, durante o período em que foi primeiro-ministro, apesar de tudo reconheço que tem algum sentido de Estado. E, portanto, quero acreditar que isso seria suficiente para ser melhor Presidente da República do que o almirante.

“O PS deve estar grato a António José Seguro e isso deve ser reconhecido. Sem sectarismos”

Foi porta-voz da direção nacional do PS entre 2011 e 2013 e um dos braços-direitos do secretário-geral António José Seguro. Em que momento é que a direção nacional do PS percebeu que António Costa iria desafiar a liderança de Seguro? Foi só na sequência das europeias de 2014, que o Seguro venceu e Costa disse aquela célebre frase de que não vale ganhar por “poucochinho”?
António Costa foi vencedor, democraticamente vencedor, dentro do PS. Infelizmente essa vitória não se traduziu numa vitória nas legislativas que se seguiram. É importante também não reescrever a história. O que motivou essa diferença política dentro do partido foi porque se acreditava que António Costa podia apresentar um projeto mobilizador para Portugal que virasse a página ao governo que implementou as medidas da troika. Isso não aconteceu. A história é escrita pelos vencedores, mas há aspetos da história que quero reforçar. O PS tem uma dívida de gratidão para com o António José Seguro.

Compreendo as táticas e linguagens de campanhas eleitorais como o “poucochinho”, mas o resultado das eleições europeias de 2014 foi o final de um longo processo que levou a uma reconversão do eleitorado do PS. O eleitorado do PS da última eleição de José Sócrates não era o eleitorado tradicional do PS — era um eleitorado muito radicalizado, nacionalista, do “Defender Portugal”; e, portanto, o que António José Seguro estava a fazer, com o tempo que isso precisa, era recuperar o eleitorado tradicional do PS e isso foi feito. Por exemplo, quando eu saí em novembro de 2013, o PS estava perto dos 40%, com 10% de vantagem sobre a coligação governamental e com pressão de 15% do PCP. O PS estava a reconverter a sua base eleitoral e, com isso, estabilizou o sistema político português.

"Quando tomei posse como porta-voz do PS [em 2011] tive de deixar de andar de transportes públicos porque as pessoas insultavam-me porque eu era a cara do PS. E nunca fui dirigente do partido, membro do Governo ou deputado pelo PS no período de José Sócrates, nem nunca lhe dei o meu apoio. António José Seguro salvou o PS num momento crítico da história do sistema político português"

José Sócrates perdeu as legislativas de 2011 — o PSD e o CDS conseguiram reunir maioria absoluta no Parlamento — mas Sócrates fez uma campanha muito agressiva, quase como se não tivesse chamado a troika.
Estou absolutamente convencido que António José Seguro salvou o PS num momento crítico da história do sistema político português. Recordo-me que, quando tomei posse como porta-voz do PS, costumava andar em transportes públicos e nunca fui dirigente do partido, membro do Governo ou deputado pelo PS no período de José Sócrates. Nunca apoiei José Sócrates internamente. Os meus camaradas sabem disso. E quando tomei posse como porta-voz do partido tive que deixar de andar de transportes públicos porque as pessoas insultavam-me porque eu era a cara do PS.

Quando diz que o PS tem uma dívida de gratidão, pode ser que é António Costa que tem uma dívida de gratidão para com António José Seguro, devido a esse trabalho?
Não. Quer dizer que nós somos todos camaradas e, portanto, o partido é o conjunto de todos esses momentos e, se calhar, António Costa não teria tido as condições de ter um partido para disputar eleições se não tivesse sido feito esse trabalho de reconversão do eleitorado. Aliás, a situação económica e financeira do partido também não era excecional. Portanto, houve muita coisa que foi feita por António José Seguro e devemos reconhecê-lo. Sem sectarismos. Isso também é positivo para a saúde interna do partido.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Certo é que António Costa não ganhou as eleições, como disse, apesar de ter uma grande vantagem nas sondagens, até na entrada para a campanha eleitoral, mas não ganhou. Chegou ao poder com uma aliança parlamentar com o PCP e o Bloco de Esquerda. Foi opositor dessa ideia e ainda hoje pensa que aquela solução foi errada?
Sabe, isso é a velha questão entre os fins e os meios, não é? Ainda quero acreditar que nem todos os fins justificam todos os meios. Compreendo porque é que aconteceu. Havia cumplicidades que vinham da governação da Câmara de Lisboa, portanto havia um espaço de confiança de que António Costa beneficiou, mas havia também uma certa cumplicidade de Pedro Nuno Santos com dirigentes do PCP e do Bloco de Esquerda — aliás, colegas de faculdade. Portanto, havia a suficiente confiança política para construir aquela alternativa. Por outro lado, a história está a revelar que tudo o que seja dar oportunidade ao PCP e ao Bloco de Esquerda de terem acesso à governação, acesso à transformação do nosso modo de vida, que isso não se está a traduzir no melhor para o país. Por algum motivo António Costa se quis livrar da geringonça.

"Se calhar, António Costa não teria tido as condições de ter um partido para disputar eleições se não tivesse sido o trabalho de reconversão do eleitorado feito por António José Seguro. Aliás, a situação económica e financeira do partido também não era excecional. Houve muita coisa que foi feita por Seguro e devemos reconhecê-lo. Sem sectarismos. Isso também é positivo para a saúde interna do partido."

“O PS tem de mostrar o seu legado de 20 anos de governação”

António Costa está no poder há oito anos e deverá bater o recorde de 10 anos de Cavaco Silva. Como tem visto o exercício de poder por parte do PS, nomeadamente desde que o partido ganhou a maioria absoluta?
Temos que fazer um inventário. Acho que o resultado eleitoral da maioria absoluta, com todo o respeito por quem trabalhou naquela campanha eleitoral, foi mais o resultado da sondagem do dia do que o resultado de umas eleições legislativas. O voto útil funcionou muito bem.

As sondagens dizem hoje que o PS não conseguiria repetir a maioria absoluta.
Sim. Mas não sabemos o que é que uma campanha eleitoral novamente pode dar, qual é a sondagem do dia. Mas a verdade é que o PS teve uma maioria absoluta e isso foi uma oportunidade de ouro para um momento reformista. Não podemos esquecer nem relativizar os impactos pandemia e acho que o país tem uma dívida de gratidão com os seus dirigentes, com a administração pública e com governantes que lideraram o país nesse momento. Agora o PS está a entrar naquele momento em que tem que mostrar o seu legado, não só dos últimos 10 anos, mas dos mais de 20 anos de governação.

"O legado de António Costa é, para já, a dívida abaixo dos 100% do PIB e o superávit acaba de vez com aquela ideia que a direita sempre tentou alimentar, de que os socialistas não sabem gerir dinheiros públicos e que são despesistas. Tendo em conta o nosso trauma da crise financeira, isso é uma fonte de credibilidade externa e é um excelente ponto para a campanha eleitoral de Costa para qualquer cargo europeu."

Desde 1995, o PS esteve no poder 20 anos, enquanto o PSD só esteve 8 anos.
Temos o dever de fazer essa análise e mostrar o nosso legado e temos razões para ter orgulho.

Qual é o legado de Sócrates e qual é o legado de António Costa?
Identificamos legado de Sócrates nas energias renováveis, no programa “Novas Oportunidades” que mudaram a vida de muitos portugueses e noutros aspetos. Existem alguns pontos em que nós podemos reconhecer que o legado de José Sócrates teve um impacto positivo na transformação e no progresso de Portugal. Não vou falar do resto, enfim, é um legado menos bom, mas que a justiça tratará de resolver. O legado de António Costa ainda é um pouco difícil de descrever, mas há dois pontos que temos que reconhecer. O primeiro é, para já, a dívida abaixo dos 100% do PIB. Tendo em conta o nosso trauma da crise financeira, é uma fonte de credibilidade externa e é um excelente ponto para a campanha eleitoral para qualquer cargo europeu. Por outro lado, o facto de uma governação socialista ter tido um superávit acaba de vez com aquela ideia que a direita sempre tentou alimentar, que os socialistas não sabem gerir dinheiros públicos e que são despesistas. E isso oferece uma oportunidade para o PS se centrar então no desenvolvimento do Estado Social, que está em crise.

“O Estado Social que temos andado a pregar nos últimos 30 anos tem que ser uma coisa completamente diferente”

O PS autoproclama-se como o partido do Estado Social, da escola pública, do SNS e diz que a direita, ao defender a baixa de impostos,  quer destruir o Estado Social. Mas ao fim de oito anos, as escolas não têm professores e os hospitais do SNS não têm médicos. Não há uma contradição entre as autoproclamações do PS e a realidade?
Não há uma contradição. O que há é um problema mais estrutural, que não é só em Portugal, é em toda a esquerda europeia, em toda a social-democracia europeia, em que o Estado Social cumpriu a sua função num determinado momento histórico e elevou muita gente da pobreza, permitiu que fosse um elevador social para muita gente fora de Lisboa e também redistribuiu muita riqueza. Portanto, esses objetivos foram cumpridos. Agora, as sociedades evoluem e os indivíduos nas sociedades também reforçam as suas capacidades de autonomia, as novas tecnologias também introduzem uma diferente relação entre o indivíduo e o coletivo e, portanto, o Estado Social que temos andado a pregar nos últimos 30 anos já não pode ser o mesmo. Tem que ser uma coisa completamente diferente. É essa capacidade de regenerar o que é um Estado Social num país que, apesar de tudo, ainda tem pobreza crónica muito significativa — é essa a missão que o PS deve assumir.

O PS está há 8 anos no Governo. António Costa tem tido essa ambição de transformar a sociedade?
Vejo com preocupação aquilo que acontece no sistema de educação. Vemos escolas privadas, de facto, a prosperarem e  isso preocupa-me porque vai ser mais um fator de reprodução de desigualdades sociais. Não tenho nada contra as escolas privadas — aliás, eu estudei numa escola privada.

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Isto é uma questão pragmática: por que razão os pais vão colocar os seus filhos numa escola pública se os alunos não vão ter aulas porque não há professores?
É preciso que as escolas públicas tenham mais qualidade e é preciso trabalhar para essa qualidade. Sei que muito está a ser feito para resolver problemas históricos — que também têm a ver com esta gestão de microengenharia orçamental e micronegociação de direitos com os sindicatos em que, para não se aumentar salários, inventa-se este pequeno subsídio, inventa-se esta progressão, inventa-se este congelamento. Andamos há 30 anos nestas microengenharias e criámos uma situação muito difícil de gerir que quase que precisa que recomecemos do zero.

O SNS também está num momento muito crítico em que há mais investimento mas menos resultados.
O PS tem responsabilidades até mais específicas na questão do SNS. A ADSE, a determinada altura, permitiu que se pudesse ter acesso aos hospitais privados. Isso acentuou divisionismo entre funcionalismo público e resto da sociedade. Por outro lado, os salários públicos, via a ADSE, tornaram financeiramente viável o setor da saúde privada, enquanto sector público de saúde se degradou e ficou reservado aos mais pobres da sociedade portuguesa.

O Governo de António Costa cortou com o regime das parcerias público-privadas na saúde, mesmo as que estavam a correr bem. E também terminou com os acordos que existiam com as escolas privadas que recebiam apoios para receber inclusive alunos mais carenciados no interior do país, por exemplo. Houve uma radicalização ideológica do Governo nesses temas?
Não diria que é uma mera obsessão ideológica. Nesses argumentos da radicalização ideológica digo sempre que não podemos esquecer que vivemos em democracia. Logo, as políticas e a governação e as decisões são tomadas em função daquilo que é o maior consenso político e que está representado na Assembleia da República. Podemos não concordar e, olhando retrospetivamente, podemos até dizer que as medidas não foram boas, mas essas medidas representaram aquilo que era um consenso — ou, no mínimo, uma maioria de opinião política e popular que leva um Governo democrático a agir em conformidade. Penso que foram tentativas de tentar separar mais o público do privado, na expectativa de que isso pudesse ajudar o desenvolvimento da qualidade do público. O que nos falta agora é analisar essas decisões e ver se contribuíram para isso ou não e, sem radicalismos, se for necessário voltar atrás, então teremos que fazer isso, Mas, insisto, temos que analisar as consequências das decisões — é uma coisa que muitas vezes falta em Portugal.

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