A um mês de se saber quem será o novo líder do PS, as candidaturas fazem um sprint na recolha de apoios dentro do partido e as posições dos socialistas já estão praticamente definidas. No caso do grupo parlamentar, tal como nas federações do partido, Pedro Nuno Santos parte com vantagem: pelas contas feitas pelo Observador, que cruzou informações de ambos os lados e questionou vários deputados sobre as posições que tomarão na contenda interna, o ex-ministro das Infraestruturas contará com o apoio de pelo menos 63% dos membros da bancada socialista (74 de um total de 120).
Pelo lado de José Luís Carneiro, vão-se somando apoios, mas numa proporção bastante mais baixa: são, por agora, 24 os deputados que se colocam ao lado do candidato, o que significa que Carneiro terá consigo 21% da bancada do PS.
Mas as contas do Observador incluem uma variável que ainda poderá mexer com a matemática dos apoios no PS: existe uma fatia considerável de elementos da bancada socialista que ainda não tem uma posição fechada — é o caso de 19 dos 120 deputados, ou 16% do grupo parlamentar, sendo ainda preciso descontar os três deputados independentes eleitos pelas listas do PS, ou seja, os deputados que não são militantes e por isso não terão direito a voto nas diretas do PS, marcadas para 15 e 16 de dezembro. É o caso de um dos ex-governantes que estão integrados da bancada do PS: o ex-ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues.
Numa análise mais fina dos apoios com que cada um contará na hora de ir a votos, há apoios mais previsíveis — outros nem tanto. E dúvidas que se mantêm sobre as posições de algumas das figuras cimeiras da bancada parlamentar, assim como de algumas das caras mais conhecidas da bancada do PS, como Sérgio Sousa Pinto ou Marta Temido.
A análise círculo a círculo: distritos que fazem o pleno e divisões
Fazendo uma análise dos números círculo a círculo, há grupos de deputados que cumprem ou se aproximam do pleno e se viram todos para o mesmo candidato — e também curiosidades que mostram as divisões internas de um distrito. Sem espinhas, Pedro Nuno Santos consegue o pleno no seu distrito natal, Aveiro. É um dos círculos em que conta com apoiantes de longa data e onde se prevê que o aparelho esteja mobilizado em peso a seu lado — o presidente da federação, Jorge Sequeira, foi um dos rostos presentes na apresentação da sua candidatura, no Largo do Rato.
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Pedro Nuno também consegue o pleno no distrito mais pequeno de Portalegre e fica a um deputado de distância de o fazer num dos maiores círculos do país, Coimbra. Só lhe falta convencer um nome, e não é um nome qualquer. Trata-se da antiga ministra da Saúde, Marta Temido, que é agora deputada e líder da concelhia de Lisboa do PS e diz ao Observador que para já não assumirá o apoio a nenhum candidato, numa altura em que ainda observa pela primeira vez a “dinâmica” de umas eleições internas, uma vez que é uma militante relativamente nova: recebeu das mãos de António Costa o cartão de militante, no congresso do PS de 2021.
Em Setúbal, idem: Pedro Nuno está muito perto de conseguir o apoio pleno dos deputados, num círculo onde se senta um dos responsáveis pela sua campanha e o provável futuro líder da federação, André Pinotes Batista. A quase unanimidade só fica incompleta pelo apoio da deputada Maria Antónia Almeida Santos a José Luís Carneiro e pela posição ainda indefinida do ex-secretário de Estado Jorge Seguro Sanches (que ainda quer ler as moções estratégicas dos dois candidatos, explica ao Observador).
Casos relevantes são também os do Porto e de Braga, que além de serem dois dos maiores círculos são os distritos mais associados a José Luís Carneiro — que é natural do Porto e foi eleito como cabeça de lista por Braga. Os deputados bracarenses estão completamente divididos: pelas contas do Observador, serão cinco favoráveis a Carneiro e quatro a Pedro Nuno, fazendo deste o único círculo, para já, em que os apoios ao primeiro são maioritários.
Já no Porto os deputados viram-se, na esmagadora maioria dos casos, para o lado de Pedro Nuno: aqui, o ex-ministro das Infraestruturas pode contar com a ajuda de Tiago Barbosa Ribeiro, um dos seus apoiantes e amigos de longa data, que está a ajudar na coordenação dos contactos feitos no distrito. Mas falta-lhe o apoio dos deputados, a somar a uma das incógnitas da bancada: a posição do secretário-geral adjunto do PS e vice da bancada, João Torres, que por agora quer manter-se afastado da disputa interna.
O círculo de Lisboa é um dos mais indefinidos: por agora, há dez deputados que caem para o lado de Pedro Nuno e cinco para o de José Luís Carneiro, mas também se contam quatro indefinidos, o que pode, em teoria, ajudar a equilibrar a balança. Lisboa é um distrito que parece tendencialmente pedronunista — sendo, de resto, liderada pelo mais antigo aliado de Pedro Nuno, Duarte Cordeiro — mas Carneiro conta com bolsas de votos que podem ser conquistadas através de nomes que têm peso no aparelho lisboeta e que também se sentam na bancada, casos de Maria da Luz Rosinha ou Pedro Cegonho.
Em Faro, os apoios dividem-se no círculo e até dentro de uma família: Jamila Madeira, vice da bancada, e Luís Graça, presidente daquela federação, colocam-se em lados diferentes da contenda (a primeira é carneirista, o segundo pedronunista). Em Leiria, as divisões pintam um quadro difícil de decifrar: este é o distrito que conta com António Lacerda Sales, apoiante de Carneiro e responsável pela primeira vitória de sempre do PS neste círculo, que lhe valeu elogios públicos de António Costa. Mas, em mais um distrito cujo presidente de federação (Walter Chicharro) está com Pedro Nuno, na bancada senta-se também Salvador Formiga, homem forte do aparelho leiriense e pedronunista.
A Madeira é outro desses casos: a bancada serve para ilustrar as divisões no aparelho socialista, mostrando-se partida — Carlos Pereira e Miguel Iglésias estarão com Pedro Nuno Santos, embora na complicada luta interna do PS-Madeira se posicionem em fações diferentes, e Marta Freitas apoiará Carneiro, tal como o seu presidente de federação, Sérgio Gonçalves.
A importância e da máquina e dos eleitos locais
O peso da máquina atualmente instalada parece pender para um lado e tem importância na exata medida em que conseguir pôr em marcha a sua influência junto das bases, já que nas diretas são os militantes que votam. Nesta lógica, cada presidente de federação acaba por ter, evidentemente, um peso especial na ascendência que tem sobre os militantes na sua região — sendo certo que, antes desta crise rebentar, o PS estava prestes a avançar para um processo eleitoral interno, com alterações em algumas federações, por isso os candidatos a líderes distritais que já estavam em campanha acabam por ter também caminho feito nesse sentido. Também cada deputado, pela representatividade direta de que é responsável, tem uma capacidade de arrastar militantes reforçada.
O domínio de Pedro Nuno Santos nestas duas frentes foi um dos trunfos com que avançou para esta candidatura, tendo exibido isso mesmo quando se apresentou na passada segunda-feira. Foi o trabalho de anos junto das bases que lhe permitiu aparecer seis dias depois de o PS ter visto a sua vida virada do avesso (com a demissão do primeiro-ministro e tudo o que ela desencadeou) com a massa de apoiantes com que apareceu. Do lado oposto, o de José Luís Carneiro, o peso dos números tem vindo a ser desvalorizado e até apontando para uma memória socialista não tão distante assim.
“António José Seguro tinha todos presidentes de federação e António Costa ganhou”, recorda um dos apoiantes do ministro que vai a votos no PS. “Os militantes não votam arrebanhados por lóbis“, argumenta em conversa com o Observador a mesma fonte, convencido que a linha de “continuidade” de Carneiro conseguirá segurar militantes.
Em 2014, quando António Costa desafiou António José Seguro, então líder, fizeram-se as primárias (eleições abertas a simpatizantes) para a escolha do primeiro-ministro e depois disso as diretas (apenas para militantes) para definir o secretário-geral. Costa venceu as duas, mas antes já tinha conseguido que o partido antecipasse todos os calendários internos, incluindo os das eleições para as federações distritais, para reorganizar todo o partido e tentar colocar as suas peças. Essas eleições federativas acabaram por ser palco de confrontos diretos entre apoiantes de cada um dos lados e Costa acabou por ficar com a maioria dos presidentes do seu lado. Antes dessa reorganização, era Seguro que dominava, depois de um trabalho de anos junto das bases — feito durante o reinado de José Sócrates — que lhe permitiu ganhar o partido mal o seu antecessor saiu.
Santos Silva com Carneiro, Eurico fala mais tarde
Numa fotografia mais geral da bancada, Pedro Nuno Santos conta, desde logo, no grupo parlamentar com nomes que não só são apoiantes como fazem mesmo parte da sua estrutura de campanha. É o caso de deputados como Alexandra Leitão, que será a responsável pela coordenação da sua moção estratégica; Francisco César, diretor de campanha (e vice da bancada socialista); André Pinotes Batista, que coordenará a campanha no distrito de Setúbal; ou Maria Begonha, ex-líder da Juventude Socialista que também terá funções na estrutura de campanha.
O candidato contará também com o apoio do atual líder da JS, Miguel Costa Matos, o que sinaliza uma tendência relevante dentro da estrutura dos jovens socialistas, e dos amigos e apoiantes de longa data Tiago Barbosa Ribeiro — que vai ajudando a montar a campanha no Porto — e o ex-secretário de Estado João Paulo Rebelo.
Dentro da bancada encontram-se também alguns presidentes de federação, no caso maioritariamente ao lado de Pedro Nuno: são os casos de Hugo Costa, de Santarém, José Rui Cruz, de Viseu (apoiantes indefectíveis do representante da ala esquerda do partido) e Nelson Brito, de Beja; na bancada senta-se também Berta Nunes, líder da distrital de Bragança e uma das primeiras apoiantes públicas de José Luís Carneiro (e também a sua sucessora no cargo de secretário de Estado das Comunidades).
Pedro Nuno conta ainda com o previsível apoio da deputada Isabel Moreira — que lhe deixou elogios pelos tempos de governação e pela capacidade de “fazer e de pensar o país do abril que merecemos”, reconhecendo-lhe a “angústia de não ver feito no país o que reunia todas as condições para ter sido feito” — e também junta às suas tropas o vice da bancada Porfírio Silva, que reconhece em Pedro Nuno “a dimensão para unir os socialistas e os verdadeiros social-democratas de Portugal”.
Do lado de Carneiro, três deputados que farão mesmo parte do conselho estratégico da candidatura: são os casos de Jamila Madeira, vice da bancada; do ex-ministro Capoulas Santos; e da deputada Maria Antónia Almeida Santos.
Deste lado encontra-se, é claro, o nome do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, que esta semana declarou o seu apoio a Carneiro sublinhando qualidades do candidato como a “prudência”, a “empatia” e sobretudo a capacidade de “preservar a autonomia” do PS — a característica mais referida pelos apoiantes do candidato, numa corrida coloca, em traços gerais, indefectíveis da geringonça contra os mais cautelosos relativamente a essa solução de Governo (pelo menos olhando para o contexto de “incerteza” nacional e internacional que se vive atualmente, vão apontando os ‘carneiristas’).
Essa foi também a explicação dada pelo deputado e ex-secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, em entrevista ao Observador, para justificar o seu apoio a Carneiro: Lacerda Sales falou num candidato que “privilegia com certeza a ponderação, razoabilidade, diálogo e a capacidade de reformismo consistente” e que fala ao centro do espectro político, onde “dois terços dos eleitores” se colocam.
https://observador.pt/especiais/lacerda-sales-gostaria-que-me-explicassem-porque-e-que-o-processo-de-costa-ainda-nao-foi-arquivado/
Ainda assim, colocam-se ainda mais algumas incógnitas de relevo no grupo parlamentar. A começar pelo topo: o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, só revelará a sua posição sobre a contenda — e é certo que não ficará numa posição neutral — após a aprovação do Orçamento do Estado, de forma a manter-se “imparcial” durante as últimas negociações.
As posições da vice da Assembleia da República Edite Estrela e de Sérgio Sousa Pinto ainda estão também por revelar. Na quota dos indecisos ainda se inclui Ana Paula Bernardo, sindicalista da UGT que foi também a relatora da Comissão de Inquérito à gestão da TAP.