O ambiente é festivo, mas não demora até que um dirigente liberal se queixe ao Observador das particularidades da Madeira: há uma regra na estação pública regional em que partidos como a IL só podem aparecer na televisão de três em três dias. Mas os liberais atiraram para cima: invadiram a BBC, com uma banda, bandeiras e chapéus de palha. Não a televisão, mas o Barreirinha Bar Café, na zona velha do Funchal, onde as contas a uma semana das eleições regionais se fazem: eleger dois deputados é cumprir o objetivo, eleger só um é o mínimo e não eleger nenhum é um desastre. A direção nacional está em peso na ação de campanha e é o próprio presidente a deixar clara a resposta à abertura do PS/Madeira para uma coligação pós-eleitoral com a IL: “Nem pensar”.
O desassossego veio do líder do PS/Madeira, Sérgio Gonçalves, que, em entrevista ao Observador, admitiu integrar a Iniciativa Liberal numa coligação pós-eleitoral se dependesse disso para liderar o governo regional. Foi um convite envenenado, que os liberais tentam afastar como se fosse uma espécie de kryptonite. O líder regional Nuno Morna foi claro: “Eles não nos excluem, mas excluímos nós o Sérgio Gonçalves e o PS de qualquer tipo de acordo. Não faz sentido absolutamente nenhum. Estamos num lugar diametralmente oposto do PS, por mais liberal que seja o seu líder”.
A resposta é uma provocação de Morna que puxa do passado de negócios de Sérgio Gonçalves para sugerir que o líder do PS/Madeira é mais liberal que socialista. E até recorre a um exemplo, que projeta a nível nacional: “Gosto muito do Sérgio Sousa Pinto, porque o considero um liberal, mas mesmo que ele liderasse o PS, eu nunca votaria no PS. Por muito liberal que ele seja, há sempre um dia em que o Estado entra por ali adentro”. Depois de Morna, Rui Rocha encerra de vez a questão: “Acordos com o PS estão afastados quer no continente, quer aqui na região”.
Não repetir os Açores. Negociar orçamento a orçamento à direita, sem acordo escrito
Mesmo que só eleja um deputado, a IL pode ter um papel determinante caso a aliança PSD/CDS perca a maioria absoluta e precise desse deputado para dar estabilidade à região. Mas há uma linha vermelha, que Rui Rocha repete ao Observador, ao dizer que “está excluída qualquer triangulação com o Chega, seja qual for a geografia”.
Sobre o posicionamento que a IL teria na Madeira com um governo minoritário PSD/CDS, Rui Rocha explica que o partido iria “avaliar medida a medida” e “orçamento a orçamento“, rejeitando “acordos globais, pois já tem a experiência dos Açores em que esses acordos não são cumpridos”. O presidente da IL até resiste a admitir um “acordo de incidência parlamentar”, já que não quer nenhuma leitura que dê formalidade a um acordo. Negociar, sim, mas só no momento em que o voto da IL for preciso. Sobre o acordo escrito, como nos Açores, a resposta vem de Nuno Morna quase em onomatopeia: “Na, na, na, não!“.
O caderno de encargos para essas negociações com a direita? “Baixar impostos, menos burocracia, mais transparência, combate à corrupção, promoção das liberdades individuais e a aprovação do voto antecipado em mobilidade”. É uma enumeração para Miguel Alburquerque tirar notas, mesmo que o atual líder do governo regional já tenha dito que se demite caso não tenha maioria absoluta.
Para a IL ser influente precisa de uma coisa: votos e, mais do que isso, representação na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira. Vamos então a contas.
Um ou dois: não é coisa pequena
A moção que levou Rui Rocha a presidente da IL era clara: o objetivo na Madeira é ter um grupo parlamentar, que significa eleger no mínimo dois deputados. Mas o líder regional e candidato Nuno Morna parecia estar a baixar as expectativas no arranque da campanha: “Eleger um deputado são os serviços mínimos”. No palco do BBC tocavam agora All the small things, dos Blink, e o Observador confrontou ambos os líderes (o nacional e o regional) sobre esta diferença de ambição que não é uma pequena coisa. É um deputado ou o dobro disso.
Rui Rocha e Nuno Morna afinam o discurso e não têm dúvidas num ponto: “Não eleger é uma derrota”. O líder da IL/Madeira explica que o objetivo continua a ser eleger dois deputados, mas que “todos os cenários estão em aberto” e, por isso, é preciso equacionar outro resultado. Na mesma linha, Rui Rocha diz que só eleger um “seria um objetivo de menor alcance”, mas “face àquilo que é a situação atual” (particularidades da região e o contexto atual) ter representação parlamentar seria uma boa conquista. Nas entrelinhas das declarações de ambos percebe-se o mood liberal: eleger um é provável, dois é difícil.
Quanto a estratégias, ambos admitem ao Observador que a grande aposta da IL acaba por ser nos “centros urbanos”, com o Funchal à cabeça. É aí que a Iniciativa Liberal conseguiu crescer e acredita que consegue captar mais votos. Os resultados das legislativas dão balanço aos liberais: foram a quinta força política na região (à frente de BE e CDU). Conseguiram também ser a ser a quarta força em três concelhos — Funchal (4,4%), São Vicente (3,8%), Porto Moniz (1,6%) — e a quinta força em outros três: Ponta do Sol (2,7%), Santa Cruz (3,3%), Porto Santo (à frente do JPP).
Rui Rocha assume os concelhos onde a IL pode ser mais forte: “Esperamos um excelente resultado no Funchal, um muito bom resultado em Santa Cruz e um muito bom resultado em Machico”. Na Madeira todos os votos contam já que o círculo é único. Quanto ao posicionamento entre as forças políticas, o presidente da IL diz que o quarto lugar é possível, mas o quinto já não seria mau, tendo em conta o fenómeno regional Juntos Pelo Povo.
Três presidentes são três candidatos? “Cotrim é excelente candidato a qualquer lugar”
A direção e o grupo parlamentar da Iniciativa Liberal foi em peso à Madeira na primeira semana de campanha e — após o regresso ao continente para votar ao lado do Chega a moção de censura ao Governo — vai voltar à região para a fase final campanha. Nas ações do fim-de-semana havia um troika de presidentes: o presidente/coordenador da IL-Madeira, Nuno Morna, o presidente da IL, Rui Rocha, e o ex-presidente João Cotrim Figueiredo. Além disso, deputados como Bernardo Blanco ou Carla Castro também participaram nas ações. A nacionalização da campanha (o Bloco também já teve a líder e a ex-líder e o PCP o líder na campanha), mostra a aposta que os partidos-mãe estão a fazer na Madeira.
No caso da IL, este é o primeiro teste à liderança de Rui Rocha, num ciclo que começa nas regionais e que terá europeias antes do fim do mandato. O líder da IL “não coloca sequer o cenário” de os liberais não elegerem na Madeira, mas diz que não coloca o lugar à disposição se isso acontecer. “É uma eleição regional, num mandato com seis/sete meses. Se o resultado for menos agradável, levar-nos-á a refletir, mas o trabalho continuará”, justifica.
Mais difícil, admite, seria sobreviver a uma hecatombe nas europeias. Quanto à segunda parte do ciclo, quando questionado pelo Observador sobre se os três presidentes podem ser três candidatos (Morna às regionais, Cotrim às europeias e ele próprio às legislativas), Rui Rocha ainda vai jogando à defesa: “Fico muito contente que o João Cotrim Figueiredo esteja disponível para o partido, porque o afirmou publicamente há pouco tempo. Obviamente que Cotrim é um excelente candidato a qualquer lugar.”
No entanto, ainda há um mas. “No que diz respeito às europeias, temos um processo interno que não foi desencadeado ainda. Estamos focados nas eleições da Madeira. A seu tempo, concluído o ciclo da Madeira, estaremos mais disponíveis para fazer essa discussão interna”, afirma o presidente da IL ao Observador.
Agora é tempo de a IL procurar assento no único parlamento do país onde ainda não esteve: a assembleia regional da Madeira.