De Boris Johnson não se pode dizer que seja um político enfadonho. Desde os tempos como presidente da Câmara de Londres que enche os jornais de polémicas e momentos insólitos. Mas, desde que se tornou primeiro-ministro, em 2019, a lista de escândalos tem engrossado, em número e em gravidade.
O mais recente foi divulgado esta sexta-feira pela imprensa britânica: mensagens de WhatsApp entre Johnson e o financiador político David Brownlow, em novembro de 2020, revelam um acordo para o financiamento de obras na residência, em Downing Street, em troca de acesso privilegiado ao governo para realização de um evento cultural.
A divulgação destas mensagens levou o Partido Trabalhista a acusar o primeiro-ministro de “corrupção”.
“Parece que o Lorde [David] Brownlow teve acesso ao primeiro-ministro e ao ministro de Cultura porque estava a pagar pela remodelação luxuosa do seu apartamento (…) Nesse caso, é corrupção pura e simples”, afirmou Angela Rayner, vice-líder dos trabalhistas, o principal partido da oposição.
Oposição acusa Boris Johnson de “corrupção” por favorecer financiador do Partido Conservador
Johnson pediu “desculpas humildes e sinceras”, não pelo acordo que as mensagens revelam, mas por não as ter divulgado numa anterior investigação sobre quem financiou a remodelação dos seus aposentos pessoais em Downing Street. Esta informação podia potencialmente pôr em causa o testemunho anterior, que o ilibou de irregularidades.
Boris Johnson pede desculpa por omitir informação durante inquérito
Christopher Geidt, responsável por fiscalizar o cumprimento das normas de conduta dos ministros, considerou que o episódio pode pôr em causa a confiança dos cidadãos nos altos responsáveis políticos, devido às “falhas potenciais e reais” no processo de facilitação de informação pelo gabinete do primeiro-ministro. Porém, manteve que os novos factos não invalidam a conclusão do inquérito finalizado no início deste ano de que o primeiro-ministro não transgrediu os regulamentos.
Alan Wager, investigador do King’s College especializado em partidos, explica que as consequências deste caso “são mais políticas do que legais”. “O problema do primeiro-ministro é que, juntando tudo, as acusações de má conduta e ganhos financeiros resultam num padrão de comportamento que sugere não só que é corrupto, mas que é hipócrita. Para um líder que chegou a ter proximidade com a população, e que podia até ser descrito como populista, é uma posição perigosa”, diz, em entrevista ao Observador.
É uma ideia reforçada por Tim Bale, professor de Ciência Política da Queen Mary University, que considera “improvável” que o caso custe o cargo ao primeiro-ministro, mas que admite contribuir para “a contínua erosão da pouca reputação de probidade que ainda lhe resta”. “É extremamente improvável que resulte numa ação penal, mas pode ter problemas com a Comissão Parlamentar para as Normas, o que iria aumentar ainda mais o embaraço”, comenta.
Polémicas há muitas, mas é isso que conta?
Não foram só as obras na residência que levaram o primeiro-ministro britânico às primeiras dos jornais. A lista de momentos em que Johnson foge à verdade é tal que, no final ano passado, o jornal The Guardian publicou um artigo intitulado “Lies, damned lies: the full list of accusations against Boris Johnson” (“Mentiras, malditas mentiras: a lista total de acusações contra Boris Johnson”).
Em lugar de destaque neste tipo de lista está outro fantasma de 2020: festas de Natal que terão tido lugar em Downing Street, na mesma altura em que os britânicos foram aconselhados a não se reunirem. Depois, saíram fotografias do primeiro-ministro britânico a beber vinho com colegas, em maio de 2020, altura em que vigorava no Reino Unido um confinamento apertado e era recomendada uma distância de dois metros entre pessoas que não pertencessem ao mesmo agregado familiar.
Boris Johnson esteve a beber com colegas durante confinamento de 2020
NEW: Downing Street staff and Boris Johnson pictured drinking wine in the No 10 garden last May when the rest of the country was limited to meeting just one other person socially outdoors.
Via @guardian https://t.co/Am9Z0qUxo1 pic.twitter.com/T7VTL2nSwh
— Paul Brand (@PaulBrandITV) December 19, 2021
Uma das “mentiras mais duradouras” de Johnson, como descreve o Guardian, aconteceu durante a campanha do Brexit, quando o conservador, que apoiava a saída da União Europeia (UE), afirmou que o país enviava 350 milhões de libras por semana para a UE, dinheiro que podia, em vez disso, ser usado para financiar o serviço nacional de saúde — e não só o afirmou como colou, literalmente, a mensagem em grandes letras brancas, nas laterais do autocarro que usou na campanha do “leave”. A Autoridade de Estatísticas do Reino Unido veio depois garantir que o valor estava errado.
“Os fracos resultados da liderança de Boris Johnson nas sondagens, principalmente depois das festas no Número 10, tornam a sua posição no partido vulnerável. No entanto, se olharmos para os próximos seis meses, o sombrio clima económico no Reino Unido e o risco que correu com a Covid-19, ao recusar-se a impor novas restrições, vão ser mais importantes a determinar o seu futuro do que estes escândalos”, entende Alan Wager.
Sondagens reveladas em dezembro pintam um cenário pouco favorável. Uma, divulgada no início do mês, revelava que mais de metade dos eleitores defendia que Johnson devia demitir-se na sequência do escândalo das festas de Natal; outra sondagem, divulgada dias mais tarde, dava conta de uma queda recorde da taxa de aprovação do primeiro-ministro: 66% dos britânicos diziam ter uma opinião desfavorável sobre o líder do governo.
Um dos ‘empurrões’ para este mau resultado, que representa uma queda de 11 pontos na popularidade de Johnson, foi o caso Owen Paterson, um deputado que se demitiu em novembro do ano passado. Paterson deixou o cargo depois de se descobrir que prestou serviços de lobbying a empresas enquanto ocupava o cargo na Câmara dos Comuns. Antes da demissão, Johnson opôs-se à recomendação de suspensão do deputado, feita por uma comissão de inquérito parlamentar, e quis alterar as regras através de uma votação no Parlamento que foi chumbada pelos seus próprios deputados. O caso fez com que os conservadores perdessem a eleição intercalar no círculo eleitoral de North Shropshire, cujo lugar pertencia a Owen Paterson. Foi uma derrota pesada: era um círculo eleitoral que pertencia aos conservadores desde 1832 (com exceção da eleição de 1904).
Tim Bale diz que o Partido Conservador está atento às sondagens — apesar de faltarem ainda dois anos para as legislativas, há outras votações importantes até lá.
“Neste momento, a Ómicron funcionou como uma barreira de proteção. Mas os deputados dele [do Partido Conservador] estão atentos aos números, e os números do partido estão a cair. Se tiverem um mau resultado nas eleições locais na primavera, vão ficar inquietos. Tem provavelmente até ao verão para mudar o rumo das coisas. Se não, vai problemas”, diz o investigador.
O especialista no sistema partidário britânico Alan Wager explica ao Observador que a taxa de popularidade do primeiro-ministro está agora ao mesmo nível da registada pela sua antecessora, Theresa May, na altura em que se demitiu, e também quando o anterior líder trabalhista, Jeremy Corbin, deixou o cargo. “Uma recuperação depende de o primeiro-ministro ser capaz de virar a página. Pode ser demasiado tarde”, comenta. Existe o risco, diz, de o partido o substituir se achar que Johnson entrou numa espiral sem retrocesso. Mas, mesmo que isso não aconteça, “os escândalos de corrupção vão sem dúvida tornar difícil a vitória nas próximas eleições”.
Determinante para o seu futuro político parece ser a forma como o primeiro-ministro vai gerir a pandemia. Em dezembro, Andrew Gimson, biógrafo e amigo de Boris Johnson, dizia ao Observador: “Ainda agora estive a falar com um ministro que me dizia que, se o governo conseguir evitar um novo confinamento, a posição de Boris está segura. Caso contrário, poderia enfrentar uma moção de censura [interna]”.
Por agora, e apesar de um pico de contágios devido à variante Ómicron, Johnson optou por não adotar novas restrições. A BBC diz que na última semana de 2021, 3,7 milhões de pessoas no Reino Unido tinham Covid-19, mais um milhão que na semana anterior, de acordo com o gabinete nacional de estatísticas. O valor equivale a uma em cada 15 pessoas em Inglaterra, uma em cada 20 na Escócia e no País de Gales, e uma em cada 25 na Irlanda do Norte.
Vácuo moral
O episódio das mensagens de telemóvel, que agora emergiu, não é, sequer, o primeiro em que Boris Johnson é acusado de beneficiar pessoalmente de empresários endinheirados. Depois de ter vencido as eleições em 2019, foi de férias com a namorada, Carrie Symonds, para a ilha de Mustique, nas Caraíbas, e disse que a conta de 15.000 libras foi paga pelo financiador conservador David Ross.
A oposição usou o caso para descrever um governo conservador manchado por corrupção. Keir Starmer, líder dos trabalhistas, criticou Johnson pelo que considerou serem dúbios padrões morais, não só por este caso, mas mais tarde também por atribuir lucrativos contratos para produção de equipamento médico durante a pandemia a empresas bem relacionadas.
“Desprezível, desprezível, desprezível”, acusou Starmer no Parlamento.
Tudo somado, Tim Bale hesita em dizer que Boris Jonhson tem um “problema” com ética. “O melhor será mesmo falar de um vácuo ético e moral”, conclui.