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Angela Merkel nunca tinha partido tão fragilizada para uma cimeira do Conselho Europeu. Esta quinta-feira, quando se sentar à mesa com os restantes líderes europeus para falar, entre outros temas, sobre a crise de refugiados na Europa, a chanceler alemã sabe que o seu futuro político depende do que dali conseguir tirar.
Neste mês de junho, a tensão dentro do recém-formado governo da Alemanha — depois das eleições de setembro de 2017, só em março de 2018 é que foi encontrada uma solução governativa, entre a CDU, a CSU e o SPD — chegou a um nível inédito. O tema dos refugiados, e a entrada de requerentes de asilo dentro da Alemanha, está no centro da discórdia entre Angela Merkel e membros do seu próprio governo, cuja curta existência está agora por um fio.
Além dos adversários em casa, Angela Merkel tem-nos também fora de portas, a nível europeu. Apesar de poder contar com o apoio de Emmanuel Macron (França) e de ter alguns pontos de entendimento com Pedro Sánchez (Espanha) e até com Alexis Tsipras (Grécia) , a questão dos refugiados coloca-a em maus lençóis perante um crescente número de países: Itália, Áustria, Hungria, República Checa, Polónia ou Eslováquia são apenas alguns deles.
Em teoria, estarão todos em Bruxelas para se entenderem. As propostas levadas à mesa pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, passam pela criação de “plataformas de desembarque regional fora da Europa”, onde os requerentes de asilo seriam selecionados ou rejeitados para entrar no Velho Continente; criação de um orçamento comunitário dedicado ao combate à imigração ilegal; e aumentar a cooperação e articulação entre a União Europeia (UE) e os países do Norte de África de onde partem os requerentes de asilo.
A posição frágil de Angela Merkel, a presença de vários líderes populistas e anti-imigração na mesa de negociações e o desgaste de uma crise de refugiados que já vai longa — embora o número de pedidos de asilo em 2017 tenha sido 44% menor do que em 2016, os valores ainda estão longe de voltar ao patamar de 2014, antes do início desta crise — são ingredientes que dificultam uma digestão fácil para esta cimeira.
“Esta cimeira vai ser muito difícil e, provavelmente, é agora mais complicado chegar a uma solução do que seria durante a crise de refugiados em 2015”, disse ao Observador Petra Bendel, membro do Expert Council of German Foundations for Integration and Migration. Para esta investigadora, o único ponto em que um princípio de acordo pode estar mais próximo será o tema da “segurança das fronteiras externas e a cooperação com países-terceiros e de passagem”. Por isso, deixa de fora a possibilidade de se chegar a um “consenso no que diz respeito ao que deve ser feito dentro da Europa em termos de redistribuição de requerentes de asilo ou sobre as enormes diferenças nas taxas de aceitação de cada país”.
Nas próximas linhas, damos conta de quais são os principais países a ter em conta nesta crise sem precedentes, como pretendem solucionar este problema e de que forma podem ajudar ou atrapalhar a vida a Angela Merkel.
Alemanha: fazer lá fora para mostrar em casa
Por mais que sejam os temas em discussão nesta cimeira — e são muitos, começando na moeda única, passando pela defesa da UE e culminando na política para refugiados e imigrantes —, o grande tema subjacente para a Alemanha nos dias que se seguem é sobretudo este: a sobrevivência política do governo de Angela Merkel.
Nunca a chanceler alemã tinha tido tanta pressão interna, sendo a política para refugiados de Angela Merkel o ponto que pode fazer quebrar a coligação que levou ao seu quarto mandato consecutivo na liderança do governo. A pressão parte de dentro do seu próprio executivo — mais propriamente de Horst Seehofer, ministro da Administração Interna e líder do CSU, partido-irmão da CDU de Angela Merkel na Baviera. Apesar de contar com o apoio também dos sociais-democratas do SPD, os votos dos deputados da CSU são cruciais para a manutenção do governo de Angela Merkel — e Horst Seehofer está a tentar tirar o máximo partido para tornar mais estritas as leis de admissão de refugiados na Alemanha.
O desentendimento entre Angela Merkel e Horst Seehofer tomou uma nova dimensão quando, a 12 de junho, o ministro da Administração Interna teve de cancelar uma conferência onde ia apresentar o seu “grande plano” para a imigração e refugiados — em suma, um “grande plano” onde se procura reverter o espírito e a prática da política de portas abertas que, na sequência da crise de 2015, trouxe à Alemanha cerca de 1,5 milhões de refugiados, a maior parte ali chegados da Síria.
Entre as 63 medidas elencadas no “grande plano” que Horst Seehofer nunca chegou a apresentar oficialmente, está a de rejeitar todos os requerentes de asilo que tenham entrado na UE através de outros países que não a Alemanha.
Quase em cima da hora, a conferência acabou por não acontecer — por duas razões, ambas relacionadas com Angela Merkel. Primeiro, porque não a chanceler alemã não está de acordo com aquela medida entre as 63 daquele plano, temendo que outros países da UE tomem também posições de forma unilateral. Depois, porque Angela Merkel quis garantir que houvesse um debate a nível europeu. Por isso, pediu tempo ao seu parceiro de coligação bávaro. O desentendimento levou a uma reunião entre Angela Merkel e Horst Seehofer, marcada por uma tensa troca de palavras entre dois líderes partidários preocupados com a própria destruição. Dias depois, Horst Seehofer deu duas semanas a Angela Merkel para falar com a Europa.
“Desejamos boa sorte à chanceler”, disse Horst Seehofer, em conferência de imprensa.
Desde então, Angela Merkel sentou-se à mesa com Emmanuel Macron, resultando dessa cimeira um acordo bilateral onde as duas partes firmaram um compromisso quanto às propostas que vão apresentar em Bruxelas esta quinta-feira. Entre os pontos acordados entre Berlim e Paris, está a criação de centros de triagem e de processamento de pedidos de asilo em países-terceiros, fora da UE, e o reforço do impedimento de os requerentes de asilo circularem para outros países além daqueles onde são registados.
Além disso, no domingo passado, por iniciativa de Jean-Claude Juncker, Angela Merkel participou numa mini-cimeira não-oficial com alguns dos países que vão estar presentes na cimeira desta quinta e sexta-feira. Ali, admitiu não ser possível chegar a entendimentos com a totalidade dos países da UE no que toca ao tema da imigração e dos refugiados, referindo em alternativa a necessidade de “acordos bilaterais ou trilaterais”.
Desta forma, Angela Merkel chega a Bruxelas como nunca dantes na sua carreira política. A chanceler de 13 anos da Alemanha vai encontrar-se com líderes eleitos há menos um ano — como o austríaco Sebastian Kurz e o italiano Giuseppe Conte — que sabem que têm pela frente uma líder enfraquecida a todos os níveis.
“Angela Merkel não vai negociar por convicção própria”, diz Susi Dennison. “Vai negociar conforme a CSU lhe disser que ela tem de negociar. Ou seja, vai contra a visão que ela tem, em que os países europeus devem trabalhar juntos.”
Não é por acaso que a CSU tem tamanha urgência. Se é verdade que o conflito entre o partido da Baviera e a CDU em matérias de imigração e refugiados não é de agora, também é certo que foi nos últimos meses, quando os números de entradas de requerentes de asilo na Alemanha em nada se comparam com os dos anos anteriores, que a CSU se demonstrou mais disponível para elevar o tom contra Angela Merkel. Isto porque, a 14 de outubro deste ano, a CSU tem eleições regionais na Baviera. As sondagens continuam a dar-lhe a vitória, com cerca de 40% — mas abaixo dos 47,7% de 2013, suficientes para uma maioria absoluta que agora lhes pode escapar. Por trás de tudo isto está a subida do AfD, partido anti-imigração ao qual as sondagens dão cerca de 13% dos votos naquela que é a sua estreia naquela região.
No entanto, não é só dessas eleições que se fala na Alemanha. Pouco mais de três meses de ter conseguido formar governo — o que, por si só, já foi um processo longo e tortuoso que se arrastou durante meio ano —, Angela Merkel e o atual governo podem cair caso as diferenças entre a CDU e a CSU se tornem inconciliáveis. Desta forma, a Alemanha pode ter de ir a novamente a votos para escolher um novo governo.
Neste momento, Angela Merkel está a ficar sem tempo — e os conservadores da CSU, até alguns dentro da própria CDU, estão a ficar sem paciência. “Não entendo como é possível falar sobre soluções para o futuro da Europa sem estar preparado para fazer aquilo que a Alemanha pode fazer já”, disse Alexander Dobrindt, líder da bancada parlamentar do CSU. “Precisamos de agir agora.”
Itália: o maior problema de Angela Merkel
Não foi por ser novato nestas andanças que Giuseppe Conte, o novo primeiro-ministro italiano, se deixou intimidar perante os líderes europeus que estiveram presentes na mini-cimeira do passado domingo. De acordo com o Euractiv, foi precisamente o homem escolhido pelo Movimento 5 Estrelas para dirigir o governo de Itália que falou mais sobre imigração e refugiados, numa sala onde estava Angela Merkel, Emmanuel Macron, Pedro Sánchez ou Alexis Tsipras.
Não é por acaso que isso aconteceu. Se esta cimeira acontece num clima de tensão entre os diferentes líderes europeus, deve-se muito em parte à decisão de Roma de, a 11 de junho, recusar que navio Aquarius — das ONG SOS Méditerranée e Médicos Sem Fronteira — com 629 migrantes e requerentes de asilo a bordo, atracasse num porto italiano. O gesto teve a assinatura de Matteo Salvini, líder do partido de extrema-direita Liga e novo vice-primeiro-ministro de Itália com a pasta da Administração Interna, que fez questão de sublinhar que a postura daquele governo seria diferente dos seus antecessores: “Evidentemente, levantámos educadamente a voz, coisa que o governo italiano não fazia desde tempos imemoráveis”. Sobre as ONG que resgatam os migrantes perto da costa da Líbia e os levavam depois para Itália, disse tratar-se de uma “máfia de imigração clandestina” e de “falsos socorristas” que “olham mais para a carteira do que para salvar vidas”.
Os 629 migrantes acabaram por ser recebidos em Espanha. Dias depois, Itália voltaria a recusar outro navio, desta vez da ONG alemã Mission Lifeline, com 239 pessoas a bordo. Esta quarta-feira, viria a atracar em Malta — mas só depois de o primeiro-ministro maltês, Joseph Muscat, ter garantido que 8 países estariam dispostos a acolher aqueles requerentes de asilo. Portugal está entre eles — e, segundo o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, existe a disponibilidade de receber “cerca de um décimo dessas pessoas sem qualquer dificuldade e de imediato”.
Itália parte, pois, para esta cimeira de uma maneira ímpar na atual crise migratória — apesar de, como já era hábito do anterior primeiro-ministro eleito, Matteo Renzi, querer pôr um fim ao tratado de Dublin. Este é o tratado que estabelece que todos os requerentes de asilo que chegam à Europa devem ser registados no país de chegada — e ali permanecer enquanto os seus pedidos são processados.
Para a mesa de negociações desta quinta-feira, Giuseppe Conte leva uma série de medidas para discussão. O documento leva o título “European Multilevel Strategy for Migration” (algo como Estratégia Europeia Multinível para a Migração) e prevê a criação de centros para avaliar os pedidos de asilo em países de trânsito fora da UE, referindo-se os casos da Líbia e do Níger; reforço das fronteiras externas da UE; fim do princípio de Dublin que determina que o país de chegada é responsável pelo processo do requerente de asilo, referindo que “quem desembarca em Itália desembarca na Europa”; criar centros de acolhimento em mais países europeus; ou desenvolver um sistema de quotas para distribuição de migrantes económicos em todo o continente.
É pouco provável que Itália consiga chegar a um entendimento em torno de algumas destas medidas, como a criação de centros de acolhimento de requerentes de asilo em mais países na Europa ou na distribuição de migrantes económicos por quotas — basta para isso perceber quais são as posições da Áustria, dos países do Grupo de Visegrado (Hungria, Eslováquia, Polónia e República Checa) ou até de parte do governo alemão.
Seja como for, parece que, tendo em conta o assunto e o atual momento, o Governo de Giuseppe Conte e de Matteo Salvini não vai largar facilmente o assunto, como fez notar o líder da Liga: “Se formos para Bruxelas para seguir o guião que a França e a Alemanha já escreveram, se acham que nos vão mandar mais migrantes em vez de nos ajudarem, então não devíamos sequer ir lá. Sempre poupamos o dinheiro da viagem”. Mas vão — e certamente que vão fazer-se notar.
França: a integração europeia vai ter de esperar
Emmanuel Macron não queria fazer desta cimeira um encontro para falar de imigração e de refugiados. Para o Presidente francês, a prioridade número na sua agenda é a maior integração europeia, nomeadamente a nível financeiro (com a criação de um orçamento único para os países da UE) e a nível militar (através da criação de um mecanismo de defesa comum).
Mas a verdade é que é este o tema mais forte, ou pelo menos que está a merecer mais atenção, de toda esta cimeira do Conselho da Europa. No entanto, ao contrário do que tem sido a sua ação diplomática, da qual se retira uma clara tentativa de reafirmar o papel de França no mundo, Emmanuel Macron pode pela primeira vez abster-se de tomar posições de fundo.
“Macron tem investido muito capital político na integração europeia mas até agora não conseguiu retirar muito disso, nem sequer de Angela Merkel, que olha para algumas propostas do Presidente francês com algumas reticências e só aceita uma versão diluída delas”, diz Susi Dennison. “Acho que ele vai ficar com um gosto amargo na boca por não conseguir atingir os seus objetivos nesta cimeira”, acrescenta. No tema dos migrantes e refugiados, continua a investigadora do think-tank European Council on Foreign Relations, espera-se que Emmanuel Macron “fique silenciosamente do lado de Angela Merkel”. Para já, sabe-se que os dois líderes estão de acordo quanto à criação de centros de triagem e de processamento de pedidos de asilo em países-terceiros fora da UE, entre outros.
Ainda assim, a postura de Emmanuel Macron nos dias que antecederam esta cimeira, marcados pela rejeição italiana de navios como o Aquarius ou o Lifeline, tem sido tudo menos silenciosa. Através de um porta-voz, o chefe de Estado francês classificou a decisão de Matteo Salvini como um exemplo de “cinismo e irresponsabilidade do governo italiano” e acusou Roma de não respeitar o direito internacional por não prestar ajuda a uma embarcação após esta emitir um pedido de ajuda. As palavras não caíram bem em Itália, com Matteo Salvini a responder que o Presidente francês “não tem lições nenhumas a dar a Itália” e que, apesar de os portos franceses estarem mais perto, o Aquarius só foi recebido em Valência, Espanha. Além disso, em referência ao acordo de redistribuição a nível europeu, relembrou que França não cumpriu ainda o compromisso de receber 9816 refugiados localizados em Itália — referindo que apenas 640 foram redistribuídos — e também acusou Paris de, entre janeiro e maio deste ano, ter devolvido 10 249 migrantes a Itália, por ali terem sido registados à entrada na UE.
Em 2017, França registou um aumento de 14,6% das expulsões de imigrantes em situação ilegal — um total de 14 859 pessoas retiradas do país. O número de pessoas não admitidas nas fronteiras também quase duplicou, de 45 mil em 2016 para 85 mil em 2017. Ao mesmo tempo, de um ano para o outro, deu-se conta também de um aumento de 35% de concessão de asilo político, chegando a um total de 100 412 vistos de refugiado.
Estes números mistos não incluem 2018, ano em que foi aprovada um projeto-lei para a imigração criticada à esquerda e nalguns setores do centro em França, incluindo dentro do República Em Marcha, o partido do Presidente. Entre as medidas então aprovadas, está a punição de quem ajudar um migrante a atravessar ilegalmente a fronteira com multa de 30 mil euros ou pena de prisão até cinco anos; ou a retenção de imigrantes ilegais por um período máximo de 90 dias até à sua eventual expulsão do país.
Grupo de Visegrado: uma ideia rejeitada em 2016 pode ser consensual em 2018
Os países do Grupo de Visegrado formam um grupo homogéneo, mas o certo é que há um entre eles que mais se destaca: a Hungria, de Viktor Órban. Apesar de há vários anos serem criticados por centros de poder como Berlim ou Paris pela sua política anti-imigração e anti-refugiados, os quatro países do Grupo de Visegrado — que além da Hungria, inclui a Polónia, República Checa e Eslováquia — são precisamente aqueles que pouco ou nada mudaram as suas opiniões desde o eclodir da crise de refugiados de 2015.
Num discurso de 17 de junho, Viktor Órban deixou críticas claras a Bruxelas: “Temos de fazer perceber, de forma gentil mas clara, que não vamos abdicar do nosso futuro e que não vamos permitir que ninguém obrigue a fazer nada contra a nossa vontade”.
O tema era, sem surpresa, os requerentes de asilo, dos quais a Hungria registou apenas 3390 entrada em 2017, apesar de ser um ponto fulcral numa das principais rotas de refugiados na Europa. Em 2017, foi realizado na Hungria um referendo onde era perguntado aos cidadãos se concordavam com a “redistribuição obrigatória de cidadãos não-húngaros na Hungria mesmo sem a aprovação a Assembleia Nacional”. O “Não”, opção defendida por Viktor Órban, acabou por reunir uns estrondosos 98,36% — ao quais não é alheio o facto de uma parte da população ter boicotado aquela consulta popular, que teve uma participação de somente 44%.
Se medidas como esta não têm merecido à Hungria e aos restantes países do Grupo de Visegrado a simpatia de grande parte da comunidade europeia, a verdade é que um dos pontos a ser discutidos na cimeira desta quinta-feira — a criação de centros de triagem para requerentes de asilo em países no Norte de África — é uma proposta apresentada por Viktor Órban já em 2016. “Os procedimentos de asilo devem ser completados fora da UE em pontos de afluência fechados e protegidos antes da primeira entrada em território da UE”, lia-se no plano da Hungria de há dois anos.
Esta é, agora, a medida que parece recolher mais consenso ainda antes da cimeira — nomeadamente entre a Alemanha, França, Espanha e Itália, cujo ex-primeiro-ministro também já tinha proposto algo semelhante também em 2016. Assim, é possível que Viktor Órban seja um dos líderes mais satisfeitos com o desfecho desta cimeira no que toca ao tema da crise de refugiados e migratória. Não só porque ela pode dar andamento a uma proposta sua, como pode vir a resultar no fim político de Angela Merkel, uma das vozes mais críticas das políticas de Budapeste desde que Viktor Órban decidiu unilateralmente construir uma vedação ao longo da sua fronteira a Sul para impedir a passagem de mais requerentes de asilo.
Áustria: com os olhos (e militares) na fronteira com a Alemanha
Esta terça-feira, altura em que grande parte dos líderes europeus estariam a acertar internamente a sua estratégia para a cimeira do Conselho Europeu do final desta semana, a Áustria aproveitou também para fazer outro tipo de testes. Pela manhã, mais de 500 polícias e 220 soldados fizeram parte de um simulacro na fronteira com a Eslovénia, onde o objetivo era conter a entrada em massa de requerentes de asilo.
“Vamos estar preparados e vamos fazer tudo o que for necessário para proteger as nossas fronteiras. Isso significa garantir a segurança da fronteira em Brenner [na fronteira com a Itália] e também noutros sítios”, disse Sebastian Kurz, líder dos conservadores do ÖVP e primeiro-ministro de um governo de coligação com a extrema-direita do FPÖ.
Nas palavras de Sebastian Kurz, não é impossível imaginar que esses “[outros] sítios” também incluam a Alemanha — e, para muitos, aqueles exercícios militares com mais de 700 homens eram, acima de tudo, uma mensagem para Berlim. Se, conforme quer a CSU convencer Angela Merkel, a Alemanha começar a expulsar ou rejeitar refugiados de dentro do seu país, é bem possível que tente fazê-lo através da Áustria. E isso é algo que Sebastian Kurz, conhecido pelas suas políticas anti-imigração, provavelmente as mais estritas da Europa, não deseja para o seu país.
Não deixa de ser, ainda assim, irónico que Sebastian Kurz seja próximo da CSU, chegando a participar em reuniões de alto nível com o partido que está a fazer frente a Angela Merkel ameaçando-a com retenções de requerentes de asilo e migrantes também na fronteira com a Áustria. Na Alemanha, há quem avente que tudo isto faz parte do seu objetivo de derrubar Angela Merkel e assim abrir caminho a um governo germânico com o qual tenha mais afinidades ideológicas.
Sebastian Kurz, que aos 31 anos é o líder de governo mais jovem do mundo, está de acordo com o estabelecimento de centros de seleção de requerentes de asilo nos países emissários; acredita que a Frontex, polícia fronteiriça europeia, precisa de ter um “mandato político claro” para poder atuar no Norte de África; quer aumentar o número de guardas fronteiriços europeus, dos atuais 1200 para 10 mil, até 2027.
Esta quinta e sexta-feira, fará certamente bloco com os países do Grupo de Visegrado e, em parte, com a Itália. Resta saber como Angela Merkel tratará de lidar com o facto de a Áustria, um dos aliados históricos da Alemanha, estar agora de costas viradas para Berlim.
Espanha: tempo de ir para lá do Aquarius e do “porreirismo”
Pedro Sánchez não contava ainda com duas semanas no poder quando tomou aquela que foi, nos tempos recentes, a medida mais emblemática da política externa espanhola: aceitar no porto de Valência a chegada do Aquarius, navio com 629 requerentes de asilo que tinha sido rejeitado por Itália e Malta.
“Dei instruções para que Espanha acolha o navio Aquarius no Porto de Valência. É nossa obrigação oferecer a estas 600 pessoas um porto seguro. Cumprimos os compromissos internacionais em matéria de crises humanitárias”, escreveu à altura Pedro Sánchez na sua conta de Twitter.
He dado instrucciones para que España acoja al barco #Aquarius en el Puerto de Valencia. Es nuestra obligación ofrecer a estas 600 personas un puerto seguro. Cumplimos con los compromisos internacionales en materia de crisis humanitarias.
— Pedro Sánchez (@sanchezcastejon) June 11, 2018
Pedro Sánchez, que é Presidente do Governo desde 2 de junho, é o líder com menos tempo de exercício no poder a sentar-se à mesa da Conselho da Europa esta quinta e sexta-feira. Ainda assim, o facto de a Espanha ser um dos principais pontos de entrada de migrantes e requerentes de asilo que chegam pelo mar Mediterrâneo — ao contrário dos anos mais recente, em 2018 é mesmo a rota mais usada, com 17 522 entrada, seguindo-se a Itália com 16 452 e a Grécia com 13 120 — faz deste um dos países mais importantes neste debate.
Esta quarta-feira, falou no Congresso dos Deputados sobre a necessidade de encontrar uma solução europeia, adiantando que “as respostas nacionais estão condenadas ao fracasso” perante aquilo que classifica de “um drama humanitário” e também de “desafio inadiável”.
Nesta cimeira, Espanha fará a defesa do controlo das fronteiras externas e falará também a favor da criação de centros de processamento de pedidos de asilo no Norte de África — sendo que existe a possibilidade de estes serem estabelecidos nas localidades espanholas de Ceuta ou Melilla —, medida que Pedro Sánchez pactou com Emmanuel Macron. O Presidente de Governo de Espanha apelou também ao “diálogo, à cooperação financeira com os países emissores e à luta sem quartel contra as máfias”.
Para já, com menos de um mês no poder, as intenções de Pedro Sánchez quase não passam disso mesmo — de intenções. Ainda assim, a oposição já o alerta para os riscos de uma abertura de Espanha a migrantes e refugiados, como foi o caso de Albert Rivera, líder do Ciudadanos. “Espanha precisa de pessoas que venham trabalhar, mas há que controlar isso, porque o seu porreirismo com a imigração só alimenta o populismo”, disse-lhe no Congresso dos Deputados.
Grécia: disposta a ajudar Alemanha
“De momento, não existe uma crise séria.” Não são palavras comuns de ouvir ao primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, mas foi precisamente dessa forma que ele comentou a atual crise de refugiados e migrantes ao Financial Times, no início desta semana. “Mas está a ser discutido por causa da desestabilização da política na Alemanha”, completou o líder grego.
A verdade é que os números de 2018 em nada se comparam com os dos anos anteriores — e a Grécia, que foi o principal país de entrada de requerentes de asilo no pico da crise, em 2015, é um dos países habilitados para dizê-lo com conhecimento. Ainda assim, a questão está longe de desaparecer: os campos de refugiados continuam a fazer parte da realidade grega, muitas vezes com condições sub-humanas; e a Grécia continua a ser um dos maiores pontos de entrada na Europa, com 13120 a atravessarem o mar Egeu em direção às ilhas gregas em 2018.
Seja como for, na entrevista que deu ao Financial Times, admitiu a hipótese de receber da Alemanha requerentes de asilo que se tenham registado na Grécia e dali tenham, à revelia, partido para território germânico. “Não queremos saber se tivermos alguns reenvios da Alemanha se isso ajudar a dar um sinal aos traficantes”, disse. E demonstrou a sua disponibilidade para chegar a um acordo bilateral com Angela Merkel, caso esta não o consiga fazer a nível europeu — mais uma coisa que, nos últimos anos que passaram, também não foi muito comum ouvir de Alexis Tsipras, mas que agora se pode concretizar.