Há muito que os boletins da Direção-Geral da Saúde (DGS) deixaram de apresentar os casos importados de Covid-19. E, por isso, os dados apresentados na terça-feira, na reunião de balanço da situação epidemiológica em Portugal, foram uma novidade. Só nos primeiros 11 dias do ano, foram detetados 53 casos importados — quase tantos quanto os registados ao longo de todo o mês de novembro, com a diferença de que atualmente há mais infeções em cada voo. Em novembro foram registados 58 casos importados em 50 voos — o que dava uma média de 1,16 casos por voo. Já as 53 infeções registadas até 11 de janeiro foram detetadas em 33 voos — uma média 1,6 casos por voo, muito superior também às registadas nos meses de outubro e dezembro.
Este aumento soma-se a outra preocupação: os testes obrigatórios na chegada a Portugal não estão a ser feitos por todos. Segundo os dados avançados pelo investigador Duarte Tavares, do departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), “diariamente, em média, mais de 100 cidadãos portugueses ou com residência em Portugal recusam fazer teste à chegada”, só no aeroporto de Lisboa.
Desde o dia 21 de dezembro até ao dia 13 de janeiro, chegaram ao aeroporto de Lisboa 59.066 passageiros, em 559 voos, que eram obrigados a apresentar um comprovativo de realização de teste com resultado negativo: passageiros que, independentemente da sua nacionalidade, vinham de voos de e para países fora da União Europeia e do Espaço Schengen, incluindo o Reino Unido, devido à nova estirpe. Do total, 3.080 não tinham esse comprovativo. E, destes, mais de metade recusou fazer o teste no aeroporto: só 1.465 foram testados de imediato, de acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Administração Interna (MAI) ao Observador. Os restantes 1.615 não o fizeram e, por isso, foram notificados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para cumprir essa obrigação no prazo de 48 horas. Mesmo assim, pelo menos 16 desses passageiros não cumpriram a ordem.
Este pode, no entanto, deixar de ser um problema, já que entre as medidas aprovadas esta quinta-feira em Conselho de Ministros está uma que visa evitar que todos os passageiros recusem fazer o rastreio “antes de entrar em território nacional”: ou fazem teste, ou pagam uma coima entre 300 a 800 euros, de acordo com o publicado o decreto-lei n.º 6-A/2021.
Para Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, o facto de os passageiros recusarem fazer teste é um “indicador preocupante”. “Não sabemos qual é a proporção desses 100 que pode eventualmente estar infetado”, especialmente numa altura em que “a realidade nos outros países também está a degradar-se”. “Há o risco que pode representar para eles próprios, mas também para os outros. Muitas dessas pessoas regressam para as suas casas, para as suas famílias. E podem potencialmente estar a colocá-las em risco”, afirmou Ricardo Mexia em declarações ao Observador. Ainda assim, para o especialista “era útil tentar perceber por que é que as pessoas não querem fazer o teste, qual é a motivação por detrás disto”.
Cidadãos que recusavam fazer testes eram notificados para rastreio nas 48 seguintes: 16 não o fizeram
Até agora, os cidadãos portugueses ou os estrangeiros com residência legal em Portugal podiam recusar fazer teste ao novo coronavírus à chegada ao aeroporto. Para estes casos, a lei previa que fossem notificados pelo SEF para fazerem o teste “no prazo de 48 horas”. Durante esse tempo, deviam “permanecer na residência ou em alojamento” que tivessem indicado ao SEF aquando da notificação, até terem um teste com resultado negativo. Depois disso, cabia às forças de segurança da área de residência de cada um dos passageiros que recusou o teste fiscalizar se já o tinham feito no prazo estipulado. Caso contrário, poderiam “incorrer nos crimes de desobediência e propagação de doença contagiosa”.
Se, nessas 48 horas, não tivessem feito o teste, o caso era comunicado ao Ministério Público. Desde 21 de dezembro, foram elaborados 16 autos de notícia a pessoas que, apesar de notificadas pelo SEF, recusaram fazer o teste de rastreio ao novo coronavírus, segundo adiantou o Ministério da Adminitração Interna ao Observador.
Agora, as regras mudaram. Ainda estão por definir — “por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da administração interna, da saúde e da aviação civil” — exatamente que passageiros que “têm de apresentar, no momento da partida, um comprovativo de realização de teste” que tenha resultado negativo e que tenha sido “realizado nas 72 horas anteriores à hora do embarque, sob pena de lhes ser recusado o embarque na aeronave e a entrada em território continental”.
Mas já se sabe que, no caso dos cidadãos nacionais, estrangeiros com residência em Portugal e pessoal diplomático colocado em Portugal que chegarem ao aeroporto sem este comprovativo, há duas opções. A primeira é fazerem o teste no aeroporto. “Os testes laboratoriais são efetuados e disponibilizados pela ANA – Aeroportos de Portugal, através de profissionais de saúde habilitados para o efeito, podendo este serviço ser subcontratado”, lê-se no decreto. Neste caso, os laboratórios que estão nos aeroportos portugueses são da Synlab.
Depois de feito o teste ao novo coronavírus, “podem abandonar o aeroporto, desde que disponibilizem os seus dados de contacto e permaneçam em isolamento e confinamento obrigatórios nos seus locais de destino, até à receção do resultado do referido teste laboratorial”. Se recusarem fazê-lo, terão de pagar uma coima entre 300 a 800 euros.