Mais de duas semanas depois da demissão efetiva de Fernando Araújo do cargo de diretor-executivo do SNS, o mais provável é que o médico e administrador hospitalar — e a restante equipa, de cinco elementos — permaneçam nos respetivos cargos durante mais algumas semanas. Isto porque, apesar do anúncio público do nome do novo diretor-executivo do SNS, o governo ainda não enviou ao Ministério da Defesa o pedido formal para que o tenente-coronel António Gandra D’Almeida possa desempenhar funções fora do âmbito da Defesa Nacional. Sem esse pedido, e a respetiva autorização do ramo correspondente (neste caso, o Exército), o processo vai continuar parado.
Ao Observador, fonte oficial do Ministério da Defesa Nacional confirma que não foi endereçado ainda qualquer ofício, por parte do Ministério da Saúde, para que Gandra D’Almeida possa prestar serviços sob a tutela do ministério de Ana Paula Martins — um procedimento obrigatório nestes casos. Uma vez entregue esse ofício, cabe ao Ministério da Defesa pedir um parecer ao Exército, que se pronunciará — se não houver nenhum impedimento, é o próprio ministro da Defesa, Nuno Melo, a autorizar a comissão de serviço.
Para além do pedido à Defesa, ainda falta avaliação da Cresap
No entanto, para que o governo possa proceder à nomeação do novo diretor-executivo, são necessários não um mas dois passos: a saída — ainda que temporária — do tenente-coronel dos quadros do Exército (através de uma Comissão Especial de serviço) e, por outro lado, a avaliação da Cresap ao perfil e às competências de Gandra D’Almeida — apesar de não ser vinculativo, a ministra da Saúde já disse que a tutela vai respeitar o parecer daquele organismo público.
Ao Observador, o Ministério da Saúde confirma que a nomeação de Gandra D’Almeida ainda não ocorreu, uma vez que o despacho de nomeação “é da competência do Conselho de Ministros”. Segundo o Estatuto do Gestor Público, a nomeação pelo governo “deve ser acompanhada de avaliação, não vinculativa, de currículo e de adequação de competências ao cargo de gestor público da personalidade a que respeita a proposta de designação, realizada pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap)”.
António Gandra D’Almeida. O homem “bom” e fazedor de pontes que vai tentar “humanizar” o SNS
O Ministério da Saúde aguarda pela conclusão do processo de desvinculação de Gandra D’Almeida do Exército para poder remeter o pedido de avaliação à Cresap — o que ainda não aconteceu, mais de duas semanas depois do anúncio público do nome do sucessor de Fernando Araújo.
“O processo do novo DE [diretor-executivo] será enviado para a Cresap assim que a situação profissional de António Gandra d’ Almeida esteja concluída“, sublinha a tutela. Para poder assumir um cargo público, Gandra D’Almeida, médico dos quadros do Exército, terá de ser abrangido por uma comissão especial de serviço, tal como previsto no Estatuto dos Militares das Forças Armadas. No artigo 146º do referido estatuto pode ler-se que “se considera em comissão especial o militar que desempenhe cargos ou exerça funções públicas que, não sendo de natureza militar, assumam interesse público”.
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Ministra garante que avaliação da Cresap (apesar de não vinculativa) é para respeitar
Recorde-se que, poucas horas depois da entrega do relatório de atividades por parte de Fernando Araújo (ato que tornava efetiva a demissão da equipa de gestão da Direção Executiva), o Ministério da Saúde anunciava (ainda antes das 8h do dia 22 de maio) o nome do novo diretor-executivo do SNS.
No entanto, o anúncio feito de forma rápida não terá passado disso mesmo, de um anúncio. Se, por um lado, o parecer da Cresap não é vinculativo (ou seja, não obriga o governo a seguir a indicação dada), por outro a ministra da Saúde admitiu, esta quarta-feira, perante os deputados da Comissão de Saúde da Assembleia da República que a tutela vai respeitar a avaliação técnica daquele organismo público. “A Direção Executiva só poderá tomar posse quando, e se, tiver parecer positivo da Cresap”, disse Ana Paula Martins. Ou seja, a nomeação de Gandra D’Almeida vai ficar nas mãos da Cresap.
E se aquele organismo emitir um parecer negativo a Gandra D’Almeida, um militar que, na carreira, só assumiu funções de gestão durante dois anos, quando chefiou a delegação Norte do INEM? Fonte oficial do Ministério da Saúde recusa “especular” sobre a possibilidade de um parecer negativo por parte da Cresap “ainda antes de o processo ter dado entrada” e reafirma que a “tutela tem a convicção que é o nome e o perfil certo para o cargo”.
Processo poderá arrastar-se até ao verão, com Araújo a manter-se em funções
Enquanto não são ultrapassadas as questões burocráticas, no seio do Exército e depois na Cresap, o atual Conselho de Gestão da Direção-Executiva do SNS deverá continuar em funções pelo menos até ao início do verão — contrariamente ao que Fernando Araújo pretendia. “Solicitaremos que a data de produção de efeitos da demissão seja o dia seguinte a apresentarmos o relatório da atividade exigido pela Tutela”, escreveu o médico e gestor aquando da apresentação do pedido de demissão.
Não há um prazo máximo definido para a Cresap emitir pareceres relativos a gestores públicos. Ana Paula Martins lembrou que demorou três semanas a ser chamada para a entrevista quando foi indicada para presidir ao Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte, agora ULS de Santa Maria.
Nos pareceres mais recentes publicados no site da Cresap, e consultados pelo Observador, a demora entre a formalização dos pedidos e a emissão dos pareceres varia entre uma semana e um mês. A título de exemplo, a entidade liderada por Damasceno Dias demorou apenas sete dias a dar parecer favorável ao nome proposto para presidir à Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro. No entanto, nem sempre os processos são rápidos: a 22 de dezembro de 2023, a Direção Executiva do SNS enviou à Cresap o nome de João Carvalho de Oliveira, para presidir à Unidade Local de Saúde do Alto Minho. No entanto, só a 25 de janeiro, mais de um mês depois, os membros da Cresap se reuniram para emitirem o parecer.