A invasão russa da Ucrânia foi, em parte, justificada por Vladimir Putin com a necessidade de “desnazificar” o país. Esta narrativa tem a sua origem nos anos de 1939 a 1945 – os anos da Segunda Guerra Mundial, onde o que é atualmente o território ucraniano foi ponto fulcral da disputa entre nazis e União Soviética e palco de alguns dos mais decisivos confrontos do conflito
À sombra destas batalhas entre potências ocupantes, o movimento nacionalista ucraniano foi resistindo, acabando mesmo por desempenhar um papel crucial, por vezes esquecido, na derrota nazi na URSS. O caminho a seguir rumo à independência nem sempre foi consensual, gerando cisões e a constituição de fações diferentes que, em nome do mesmo objetivo – uma Ucrânia livre e soberana – levaram a cabo ações armadas de um lado e de outro, combatendo ao lado do Exército Vermelho, mas também da Alemanha nazi.
Este tema é o foco do sexto capítulo de “A Mais Breve História da Ucrânia”, que o Observador pré-publica em antecipação do lançamento do livro esta terça-feira. Da autoria de José Milhazes e do jornalista ucraniano Vladimir Dolin, a obra lança um olhar abrangente sobre a Ucrânia, país que há mais de um ano e meio concentra as atenções do mundo, mas cujo lugar na história nem sempre é conhecido.
À semelhança do anterior “A Mais Breve História da Rússia”, Milhazes e Dolin propõem-se a explicar o passado da Ucrânia para com isso melhor entender o presente e a guerra em que se vê envolvida e o que move os ucranianos na luta contra Moscovo – uma luta não só pela independência territorial, como pela sua própria identidade nacional.
A hora do outro totalitarismo
Nas vésperas da Segunda Guerra Mundial, os territórios ucranianos faziam parte de quatro Estados: URSS, Polónia, Roménia e Hungria.
No dia 23 de Agosto de 1939, a URSS e a Alemanha concluíram um tratado de não-agressão (Pacto Molotov-Ribbentrop) e um protocolo secreto que previa a divisão de esferas de influência na Europa. A Ucrânia Ocidental, a Bielorrússia, a Lituânia, a Letónia e a Estónia passavam a integrar a União Soviética.
No dia 1 de Setembro de 1939, a Alemanha atacou a Polónia, dando início à Segunda Guerra Mundial. A 17 de Setembro, o Exército Vermelho atravessou a fronteira polaca, ocupou a Galícia Oriental e a Volínia Ocidental. Poucos dias depois, a URSS e a Alemanha assinaram um protocolo adicional ao Pacto Molotov-Ribbentrop, o «Tratado de Fronteira e Amizade Germano-Soviético”, segundo o qual a Polónia era extinta e criava-se uma fronteira soviético-alemã comum.
No dia 28 de Junho de 1940, as tropas soviéticas atravessaram o rio Dniester e passaram a controlar a Bessarábia e a Bucovina do Norte, obrigando a Roménia a entregar esses territórios à URSS.
A anexação dos territórios ucranianos ocidentais à URSS revestiu-se de grande importância: pela primeira vez desde há muitos séculos, quase todas as terras ucranianas eram reunidas num só Estado (à excepção da Transcarpátia, anteriormente ocupada pela Hungria).
Por outro lado, Estaline começara a política de «sovietização» da Ucrânia, que previa mudanças na vida espiritual, na política e na economia, no sentido dos padrões comunistas.
A nacionalização da indústria, o confisco dos latifúndios, a criação de um sistema de segurança social e a «ucranização» do ensino receberam o apoio da população ucraniana. Já a colectivização forçada das terras, a proibição de partidos políticos e organizações sociais e as repressões em massa, que atingiram cerca de 10% da população da Ucrânia Ocidental, provocaram descontentamento.
Na madrugada de 22 de Junho de 1941, a Alemanha e os seus aliados atacaram a URSS. A Operação Barbarossa, elaborada pelo comando militar nazi no ano anterior, previa a conquista fulminante dos mais importantes centros políticos e económicos soviéticos. As tropas do grupo de exércitos Norte avançaram para Leninegrado, as do Centro para Moscovo e as do Sul para Kyiv.
No território da Ucrânia Soviética, o Exército Vermelho formou as frentes do Sudoeste (comandada pelo general Mikhail Kirponos) e do Sul (sob o comando do general Ivan Tyulenev).
Entre Junho e Agosto de 1941, tiveram lugar as batalhas decisivas pela Ucrânia: no fim de Junho de 1941 ocorre uma gigantesca batalha de tanques nas regiões de Lutzk-Brody-Rivne-Dubno. Kyiv resiste ao avanço alemão entre 11 de Julho e 19 de Setembro, Odessa entre 5 de Agosto e 16 de Outubro.
Mas os combates defensivos do Exército Vermelho no Verão e no Outono de 1941 terminaram em derrota e com a ocupação nazi de toda a Margem Direita da Ucrânia, da maior parte da Margem Esquerda e da Crimeia.
Ainda assim, a resistência foi determinante para fazer gorar a «guerra-relâmpago» e contribuiu para a vitória soviética nos arredores de Moscovo no Inverno que se seguiu.
A decisão do comando militar soviético de lançar uma ofensiva em todas as frentes, nomeadamente na Ucrânia, foi errada. Acabou também com a derrota das tropas vermelhas, na Primavera de 1942, na região de Kharkiv e na Crimeia, e permitiu aos invasores nazis ocupar todo o território da Ucrânia a 22 de Julho desse ano.
A ocupação dos territórios da Ucrânia pelas tropas alemãs foi acompanhada da implantação da «Nova Ordem», em conformidade com o Plano Geral de Este, o plano nazi de genocídio e de limpeza étnica para a Europa de Leste (1940). Previa que a Ucrânia passasse a fornecer produtos agrícolas e matérias-primas ao III Reich e o povoamento dos territórios ocupados por colonos alemães, sendo a população local exterminada ou deportada para a Sibéria.
Estipulava ainda que a Schutzstaffel (as tristemente famosas SS), o Sicherheitsdienst, (o serviço de informações das SS, conhecido por SD) e a Gestapo (polícia secreta nazi) operacionalizassem a ocupação e que a administração do território ficasse a cargo dos colaboracionistas locais (presidentes de câmara, polícia, etc.).
Como atrás foi mencionado, a ocupação manifestou-se também na pilhagem da Ucrânia: envio para a Alemanha de maquinaria, matérias-primas, obras de arte e produtos alimentares. Também, de cerca de dois milhões e meio de jovens para trabalhos forçados na Alemanha.
A «Nova Ordem» foi implementada através de execuções em massa de prisioneiros de guerra e de civis, repressão de vária ordem e de terror generalizado. Foram erguidos em território ucraniano 180 campos de concentração.
Também construíram 50 guetos hebraicos. Os ocupantes executaram uma política de extermínio planeado e organizado dos judeus, cujos símbolos são as matanças em Babyn Yar (Kyiv) e Drobytsky Yar (Kharkiv).
No total, terão morrido cerca de cinco milhões de civis.
Tamanha catástrofe provocou uma enorme contestação e o aparecimento de movimentos de resistência, nomeadamente nacionalistas, polacos e soviéticos.
A corrente nacionalista do movimento da Resistência batia-se pela restauração do Estado Ucraniano. A 30 de Junho de 1941, após a retirada das tropas soviéticas de Lviv, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN-b), chefiada por Stepan Bandera, proclamou o restabelecimento da independência da Ucrânia e a formação de um Governo dirigido por Yaroslav Stetsko, adjunto de Bandera. Não passou de uma tentativa que falhou. A administração nazi dissolveu o Governo e deteve cerca de 300 membros da OUN.
Outro movimento nacionalista apareceu em 1942 com a criação do Exército Guerrilheiro Ucraniano (UPA), dirigido por Roman Shukhevich. Começou a luta armada na Galícia, Polésia e Volínia contra todas as forças que prejudicassem a independência, a saber a Alemanha, Polónia e URSS.
Já o fim que norteava a resistência polaca era a restauração do Estado Polaco e a recuperação das terras da Ucrânia Ocidental. Porém, o movimento estava seriamente dividido em duas correntes, o Exército Nacional (Armia Krajowa), dependente do governo polaco no exílio em Londres, e o Exército Popular (Ludowa), formado com o apoio da União Soviética com base em grupos de guerrilha de esquerda.
Por fim, a tendência soviética do movimento de Resistência tinha como objectivo libertar o território ocupado dos nazis e o restabelecimento do poder soviético. Pretendia fazê-lo através de acções de sabotagem e de terrorismo: ataques armados a caminhos-de-ferro, destruição das comunicações alemãs, obtenção de dados secretos, operações contra quartéis, sabotagem nas empresas e no envio de produtos agrícolas para a Alemanha.
Depois da vitória do Exército Vermelho em Estalinegrado (17 de Julho de 1942-2 de Fevereiro de 1943) e em Kursk (5 de Julho-23 de Agosto de 1943), começou a libertação da Ucrânia do nazismo. Primeiro com a reconquista da Margem Esquerda; a seguir Kyiv, após longos e violentos combates; e finalmente a Margem Direita e a Ucrânia Ocidental. No dia 28 de Outubro de 1944 recuperou-se a última povoação ocupada: a cidade de Uzhhorod.
O contributo dos ucranianos para a vitória sobre os nazis foi enorme e as consequências da guerra para esse povo foram terríveis: seis milhões de homens foram recrutados para as tropas soviéticas, dois milhões e meio de soldados e oficiais foram condecorados e 2069 ucranianos receberam a condecoração máxima: Herói da União Soviética.
Entre combatentes e civis, o número total de vítimas rondou os oito milhões.
A mais contraditória personalidade da Ucrânia
Stepan Bandera é uma daquelas figuras históricas de tal forma contraditórias que a sua vida, obra e legado serão sempre alvo de acesas discussões, não só na Ucrânia, mas também em países vizinhos como a Polónia e a Rússia.
Bandera nasceu a 1 de Janeiro de 1909, na vila de Staryi Uhryniv, na Galícia, na altura parte do Império Austro-Húngaro. O seu pai era um sacerdote greco-católico que se voluntariou para capelão no Exército Ucraniano da Galícia. Chegou a ser eleito deputado da República Popular da Ucrânia Ocidental.
Quando tinha 10 anos, Bandera ingressou num colégio ucraniano da cidade de Stryi. Entre os alunos circulava literatura nacionalista, os pais e irmãos mais velhos de muitos deles participaram na luta pela libertação nacional de 1918-1920. Graças ao ambiente internacional marcado pela Primeira Guerra Mundial, mas também devido à educação familiar e à escola, a nova geração cresceu com fortes convicções patrióticas.
Aos 13 anos, Bandera entrou na organização ucraniana de escuteiros Plast e revelou de imediato qualidades de liderança. Bom estudante, começou a ganhar dinheiro aos 14 anos dando aulas privadas.
Em 1928, Bandera entrou na Faculdade de Agronomia do Instituto Politécnico de Lviv e atraiu de imediato a atenção da Organização Militar Ucraniana (UVO), criada clandestinamente pelo antigo comandante dos Arqueiros da Paliçada, Yevhen Konovalets. De início, trabalhou na secção de informação da organização, depois foi transferido para a propaganda.
Bandera aderiu à Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) – cujo objectivo era criar, pela violência se necessário, um Estado ucraniano – logo após a sua criação. Foi um dos seus primeiros membros na Ucrânia Ocidental. A sua ascensão foi vertiginosa. Dois anos depois, integrou o executivo na Ucrânia Ocidental e um ano mais tarde foi eleito para um cargo directivo.
As mesmas qualidades exibidas pelo jovem activista também não passaram despercebidas às autoridades polacas (a Galícia passara a ser parte da Polónia no final da Grande Guerra, em 1918). Entre 1930 e 1933, prenderam-no cinco vezes.
À frente da OUN na Ucrânia Ocidental, Bandera dirigiu motins ucranianos, como por exemplo a «acção escolar» de 1933, na qual os alunos atiraram escudos e bandeiras polacas porta fora das salas de aula e recusaram-se a responder aos professores em língua polaca. Exigiam a «ucranização» das escolas. Também organizou campanhas de boicote aos produtos polacos.
Outras acções de protesto foram bem mais violentas, mataram funcionários polacos, infiltrados nos partidos e opositores das organizações ucranianas. No início dos anos 1930, os militantes da OUN organizaram mais de 60 atentados, o mais badalado dos quais foi o assassinato de Alexey Maylov, secretário do consulado soviético em Lviv. Esta acção visou vingar o Holodomor na Ucrânia Soviética. Outro acto de vingança foi a liquidação de Ivan Babiy, director de um liceu ucraniano que o Tribunal Revolucionário da OUN acusara de colaborar com as autoridades polacas.
Stepan Bandera esteve implicado em todos esses atentados. Na véspera de um deles, que vitimizou Bronislaw Pieracki, a 14 de Junho de 1934, foi uma vez mais detido durante uma rusga policial. Dessa vez as autoridades polacas reuniram provas irrefutáveis da sua ligação a actos terroristas.
A 18 de Janeiro de 1935, começou em Varsóvia o julgamento de membros da OUN, entre os quais Bandera. Na primeira sessão, este declarou-se «cidadão ucraniano que não obedece às leis polacas» e negou-se a prestar declarações em polaco. O seu exemplo foi seguido pelos restantes arguidos e até por algumas testemunhas. Começavam sempre a depor saudando-se com um «Glória à Ucrânia!». Bandera e dois dos seus camaradas foram condenados à morte, mas amnistiados e sentenciados a prisão perpétua. Num outro processo, em Lviv, foi acusado do assassinato de Ivan Babiy e do estudante Iakov Batchinsky, suspeitos de serem infiltrados, e condenado a uma segunda prisão perpétua.
Stepan Bandera aproveitou ambos os processos para divulgar as ideias da OUN, nomeadamente a do valor absoluto da Nação e do Estado ucranianos: «Ucrânia acima de tudo». Este ideário tinha muito de comum com o fascismo italiano e com o nacional-socialismo, mas ainda mais com tendências políticas veiculadas à época na Europa Oriental, como por exemplo pelos ustahis croatas ou pela «Guarda de Ferro» romena, orientadas para o totalitarismo e o culto da nação.
A capacidade de resistência e a temeridade de Bandera e dos seus camaradas nos julgamentos em Varsóvia e em Lviv tornaram-nos populares, bem como às suas ideias.
A Segunda Guerra Mundial eclodiu estava Bandera na prisão da Fortaleza de Brest (cidade actualmente situada na Bielorrússia). No dia 13 de Setembro de 1939, os guardas prisionais fugiram; ele e os seus camaradas viram-se em liberdade e dirigiram-se para Lviv. Acontece que a cidade já estava ocupada pelas tropas soviéticas, pelo que viveu clandestinamente durante duas semanas. Encontrou-se com activistas da OUN e planeou acções e formas de luta adequados às novas condições.
A OUN mudara enquanto Bandera se encontrava na prisão. A 11 de Novembro de 1938, um agente soviético assassinara Yevhen Konovalets, dirigente da organização; e Andriy Melnyk, seu homem próximo, fora eleito para dirigir a OUN no II Grande Congresso da OUN, realizado em Roma a 27 de Agosto de 1939. Foi então concedido a Melnyk o título de Chefe, a partir daí responsável só «perante Deus, a nação e a sua próxima consciência».
Agora, Bandera e os seus adeptos discordavam dessas decisões. Em Abril do ano seguinte, em 1940, convocaram para Cracóvia um Congresso da OUN, no qual Stepan Bandera foi proclamado dirigente da organização. A cisão da OUN tornou-se um facto. Cerca de dois terços dos activistas passaram a fazer parte da OUN de Bandera (OUN (b)), um terço ficou com Melnyk (OUN (M)).
Uma das decisões do Congresso de Cracóvia foi tentar aproveitar a guerra em prol da formação de um estado ucraniano soberano. O Directório da OUN (b) definiu-se quanto à escolha de aliados: «Consideramos aliadas naturais as potências que combatem Moscovo e que não são adversas à Ucrânia. A luta conjunta contra a Moscovo bolchevique pode ser a base de relações estreitas com os aliados.»
Na luta contra Moscovo, Bandera aliou-se não aos aliados, mas aos nazis. Em Fevereiro de 1941, o almirante Wilhelm Canaris, chefe dos serviços secretos da Alemanha nazi, autorizou a formação de dois batalhões ucranianos no regime de reconhecimento «Branderburgo 800». Segundo os planos de Bandera e dos seus seguidores, esses batalhões eram o embrião do novo exército ucraniano.
Iniciada a invasão nazi da União Soviética, as tropas de Hitler demoraram apenas oito dias até chegarem e ocuparem Lviv, a 30 de Junho de 1941. Nessa mesma noite Yaroslav Stetsko, adjunto de Stepan Bandera, numa reunião da Assembleia Nacional organizada à pressa, proclamou o Acto do Restauração do Estado Ucraniano.
A entrada dos nazis em Lviv significou de imediato o assassínio em massa de judeus. A milícia da OUN (b) participou activamente nisso. Em dois dias foram assassinados na cidade entre dois mil a cinco mil judeus.
Desconhece-se se os militantes da OUN em Lviv receberam ordens directas de Stepan Bandera, na altura dos acontecimentos em Cracóvia. Mas sabe-se que acções deste género estavam previstas no documento da OUN «Luta e actividade da OUN em tempo de guerra», aprovado na véspera do ataque da Alemanha à URSS. Nele, os judeus eram considerados uma minoria inimiga que devia ser exterminada.
O Terceiro Reich recusava liminarmente criar um Estado Ucraniano, mesmo que aliado. A 3 de Julho, representantes nazis encontraram-se com Stepan Bandera e restantes membros do Comité Nacional Ucraniano. Exigiram a anulação incondicional das pretensões independentistas, imposição que foi recusada.
Os nazis reagiram à insubordinação e dois dias depois Bandera ficou em prisão domiciliária. Em Setembro, foi condenado a prisão efectiva e em Janeiro de 1942 foi enviado para o campo de concentração de Sachsenhausen. Ainda assim beneficiou de condições especiais, ficou numa cela confortável, recebia encomendas e podia receber visitas da sua mulher, Yaroslava Stetsko. Era através dela que Bandera comunicava com os seus seguidores.
Outra consequência da ira nazi para com o Comité Nacional Ucraniano foi a Gestapo passar a perseguir os seguidores de Bandera e de Melnyk. Pouco tempo após a prisão de Bandera, a OUN (b) passou à clandestinidade.
No final de 1942, a OUN (b) reuniu-se na Volínia e criou um destacamento de guerrilha com o nome de Exército de Guerrilha Ucraniano (UPA). Durante a conferência então realizada saiu vencedora a moção de Roman Shukhevitch, defensora da luta de guerrilha em três frentes: contra o Exército polaco do governo no exílio, contra os guerrilheiros soviéticos e contra os ocupantes alemães.
Em Maio, na reunião plenária do Directório da OUN (b), Mykola Lebyd, adjunto de Bandera, foi afastado da direcção. O poder passava para o Bureau do Directório, um triunvirato dirigido por Shukhevitch que, pouco tempo depois, se apoderou absolutamente do poder. A influência de Bandera passava a ser nenhuma.
Em Setembro de 1944, Bandera e os 300 activistas da OUN presos foram libertados das prisões e dos campos de concentração nazis. O general das SS Gottlob Berger, vice-ministro dos territórios orientais ocupados, escreveu a Henrich Himmler sobre a impressão que tinha de Bandera e os planos para ele: «Um eslavo ágil, teimoso e fanático. É fiel às suas ideias até ao fim. Actualmente, ele é incrivelmente valioso para nós, mais tarde será perigoso. Odeia tanto os russos como os alemães. Arrisco propor que seja utilizado para activar o seu movimento [OUN (b)]. Neste momento ele pouco pode empreender contra nós, mas se agir ao nosso lado pode constituir uma séria ameaça para o inimigo.»
Bandera defraudaria estas intenções de Berger e recusou-se a participar no Comité Nacional Ucraniano. Em Fevereiro de 1945, por proposta de Roman Shukhevitch, voltou à chefia da OUN (b), mas sem alavancas reais de poder nem influência no UPA.
Tentou então reconquistar a posição que ocupara nos anos 1930. «Quando a guerra terminou, as pessoas saíram das prisões e dos campos de concentração com a ideologia que seguiam quando foram presas […]. Nenhuma fazia ideia do que se passava na Ucrânia. A posição de Bandera não era compreendida por ninguém. Em Fevereiro de 1946 foi realizada uma reunião de três membros da OUN que se encontravam no estrangeiro e aí foi decidido criar unidades da OUN no estrangeiro […]. Gradualmente foram-se formando dois grupos. Os que apoiavam o Conselho Libertador Principal da Ucrânia (UGOS) e defendiam a democracia, e os que tinham saído da prisão. Stepan Bandera quis voltar ao totalitarismo, o que era mau para o povo ucraniano», recordou, 63 anos depois, Evguen Stahya, organizador de uma célula clandestina no Donbas em 1941-1943.
No fim da guerra, Bandera encontrava-se na zona de ocupação americana, em Munique. Aí viveu com identidade e documentos falsos. Viveu na pobreza. De acordo com a sua mulher, Yaroslava: «Vivíamos num pequeno compartimento. Tínhamos dois quartos pequnos e uma cozinha, mas éramos cinco pessoas. Ainda assim, estava sempre tudo limpo.»
Em 1954 houve uma cisão nas unidades da OUN no estrangeiro, que Bandera comandava apesar de contestado. Alguns seguiram Matla Zinoviy e Lev Rebet, mas a maioria manteve-se fiel a Bandera. Os dissidentes insurgiam-se contra a liderança de Bandera que consideravam ditatorial. Surgiria ainda uma terceira OUN, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos no estrangeiro. Integravam-na sobretudo pessoas que tinham lutado e trabalhado no território da Ucrânia durante a guerra.
A 15 de Outubro de 1959 Stepan Bandera saía de casa quando foi abordado por Bohdan Stachinsky, agente do Comité de Segurança do Estado (KGB) da URSS. Este disparou balas envenenadas contra o nacionalista ucraniano e matou-o.
Ainda vivo, Bandera já era um homem-símbolo. Como escreveu o poeta russo David Samoylov: «Os cavalos galopam pela Ucrânia, sob o estandarte de Bandera.» E continua a sê-lo também depois da morte. Os inimigos acusam-no de alguns crimes de que não é culpado, os apoiantes atribuem-lhe feitos irrealistas. Mas o verdadeiro Bandera pouco teve a ver com as imagens simplistas criadas pelos seus amigos e detractores. Na Ucrânia Ocidental – na Galícia e na Volínia, onde a maioria da população esteve ligada, nos anos 1940 e 1950, à resistência anti-soviética – Bandera é amado, é visto como um herói que se sacrificou pelo povo ucraniano; no restante território da Ucrânia é visto segundo os cânones da propaganda soviética: um colaboracionista nazi e um criminoso.
Apesar de ser uma figura tão polarizadora, Stepan Bandera quase venceu o concurso televisivo «Grandes Ucranianos» em 2008. Viktor Yuschenko, antes de ter abandonado o cargo de presidente, a 20 de Janeiro de 2010, atribuiu-lhe o título de «Herói da Ucrânia», «pela invencibilidade de espírito na defesa da ideia nacional, pelo heroísmo e sacrifício manifestados na luta pela independência do Estado Ucraniano».
A 17 de Fevereiro de 2010, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que considerava Bandera um colaboracionista nazi e a sua actuação contrária aos valores europeus. Lamentou a decisão de Yuschenko e manifestou esperança de que o título fosse retirado.
De acordo com um inquérito apurado junto dos ucranianos após a anexação da Crimeia, em 2014, 48%, apreciava negativamente Bandera, enquanto 31% tinha uma opinião positiva dele.
A 2 de Julho de 2019, Volodymyr Zelensky decidiu manter o título de Herói da Ucrânia a Bandera.
Quando Putin invadiu a Ucrânia em 24 de Fevereiro de 2022, uma das suas justificações para fazê-lo foi confrontar os «banderistas». Isso fez com que Bandera se tornasse num símbolo da resistência ucraniana.