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Oito meses depois, a Assembleia Geral Extraordinária do FC Porto conheceu um novo capítulo com a dedução da acusação do Ministério Público. E os procuradores não têm dúvidas de que há três figuras centrais nos acontecimentos da noite de 13 de novembro do ano passado, que acabou com insultos e agressões no Pavilhão Dragão Arena. Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões e conhecido como Macaco, Sandra Madureira, mulher de Fernando Madureira e vice-presidente da claque do clube, e ainda Fernando Saúl, na altura oficial de ligação aos adeptos, terão delineado um plano para garantir que os estatutos fossem aprovados naquela noite, independentemente dos métodos adotados para convencer os adeptos portistas.
Com Fernando Madureira como principal suspeito, a acusação conhecida esta terça-feira, deduzida no âmbito da Operação Pretoriano, tem no total 12 arguidos, acusados de 31 crimes — sete de ofensas à integridade física, 19 de coação agravada, um de instigação pública, um de arremesso de objeto e três de atentado à liberdade de informação.
Blindar estatutos e abrir porta a conflitos de interesse: a noite de 13 de novembro
Eram vários os pontos para votar na agenda daquela Assembleia Geral Extraordinária, marcada pelos órgãos sociais do FC Porto. E alguns tinham, aliás, impacto na eleição do próximo presidente do clube — que veio a ser André Villas-Boas, substituindo Pinto da Costa — e impacto também na relação entre o clube e a claque dos Super Dragões.
O Ministério Público aponta, na acusação a que o Observador teve acesso, as propostas essenciais que considera estarem na origem dos crimes de que os 12 arguidos estão agora acusados, referindo mesmo que a aprovação dos novos estatutos era do interesse da anterior direção do clube, apoiada pelos arguidos. Uma das propostas passava precisamente pela obrigatoriedade de ter, no mínimo, dois anos de associado sénior para poder votar, alterando assim o mínimo de um ano atualmente em vigor e impedindo a votação de alguns sócios mais recentes.
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As propostas passavam ainda por introduzir alterações aos estatutos que viabilizassem situações de conflitos de interesse em negócios entre membros dos órgãos sociais do clube e o próprio clube (desde que isso fosse do “manifesto interesse do clube”, fazia-se a ressalva); e, ainda, a viabilização de apoio financeiro do FC Porto às casas do clube e aos grupos organizados de adeptos — as claques. E existia também a pretensão de passar para o voto eletrónico e de criar mesas de voto nas casas do FC Porto.
O obstáculo: os apoiantes de Villas-Boas
A aprovação dos novos estatutos dependia do voto favorável de 75% dos sócios presentes naquela assembleia e a votação era feita com recurso a voto ‘braço no ar’. Mas o grande obstáculo era André Villas-Boas, que já tinha manifestado a sua intenção de concorrer à presidência do FC Porto e que não concordava com algumas das alterações aos estatutos que a fação de Pinto da Costa pretendia aprovar, por considerar que se traduziria num reforço do apoio à claque dos Super Dragões.
Estava, por isso, em cima da mesa a hipótese de aparecerem na Assembleia Geral Extraordinária muitos apoiantes de André Villas-Boas e, caso isso acontecesse, a aprovação estaria comprometida e a claque dos Super Dragões poderia perder eventuais regalias, como os ganhos com os bilhetes para os jogos de futebol — que era, aliás, uma das alterações que o agora presidente do clube queria promover.
Os dois grupos de WhatsApp e as ameaças de Madureira
O Ministério Público defende que, com a hipótese de uma tentativa de blindagem do poder da anterior direção a tornar-se cada vez mais real, Fernando Madureira, Susana Madureira e Fernando Saúl — todos com relações próximas entre si — terão começado a delinear um plano para intimidar os sócios presentes na assembleia, levando-os a aprovar os estatutos. E terão então começado a recrutar elementos, que são precisamente os restantes nove arguidos que constam neste processo.
O plano ganhou forma no WhatsApp, através de dois grupos de que faziam parte os arguidos, tendo Fernando Madureira e Susana Madureira dado indicações aos restantes membros para que cada elemento da claque levasse, pelo menos, quatro pessoas consigo para a Assembleia Geral Extraordinária do dia 13 de novembro. O objetivo era que a lotação máxima do espaço fosse atingida rapidamente, deixando sem lugar os apoiantes de Villas-Boas.
Mas esta indicação tinha mais contornos de ordem do que de pedido. Entre as 62 páginas da acusação, o MP considera que Fernando Madureira, que continua em prisão preventiva — é o único arguido com esta medida –, ameaçou os restantes elementos com os bilhetes para os jogos, mencionando que quem não colaborasse ficaria fora do estádio e sofreria as respetivas consequências.
Entre as indicações para a noite de 13 de novembro estava ainda a menção a agressões e a proibição de fazer qualquer tipo de filmagem no interior do pavilhão, para que ninguém pudesse ter acesso às imagens.
As manobras para esgotar a sala (e deixar o adversário na rua)
Depois de avisados todos os membros dos Super Dragões através do WhatsApp, Fernando Madureira e Susana Madureira foram para o terreno. Alguns dias antes da tão aguardada assembleia, o casal dedicou-se a procurar cartões de sócio de portistas que não poderiam estar presentes na noite de 13 de novembro, para que estes pudessem ser usados por adeptos que não eram sócios e que, por isso, não poderiam levantar o braço para votar.
“Ir em peso” seria uma das indicações dadas e, já na entrada para a assembleia, o plano era entrar primeiro do que os apoiantes de Villas-Boas, passar à frente nas filas e usar a força e violência, se fosse necessário — tudo para conseguir os 75% dos votos.
Já na noite de 13 de novembro, descreve o Ministério Público, Fernando Madureira estaria no início de uma das filas que dava acesso ao auditório, onde iria decorrer a votação, para distribuir os cartões de sócio a pessoas que seriam da sua confiança e que não eram sócias. Pelo meio, terá insultado os sócios que apoiavam o então presidente do FC Porto.
Além dos cartões de sócios, e para facilitar a entrada das centenas de sócios que ali estavam à porta, Fernando Madureira e Hugo Carneiro — também arguido — conseguiram várias pulseiras de acesso que depois distribuíram e que facilitava ainda mais a entrada naquele espaço. Aliás, o MP junta uma mensagem ao processo, enviada por um dos arguidos e em que este mostra uma fotografia das pulseiras roubadas e refere que iria conseguir entrar primeiro no pavilhão: um sinal de que o plano estaria a funcionar.
A mudança do auditório para o pavilhão
O auditório inicialmente escolhido pelos órgãos sociais do FC Porto tem capacidade para 400 pessoas e, face ao elevado número de sócios presentes, o lugar da votação teve de ser alterado, passando para o Pavilhão Dragão Arena, com mais de dois mil lugares.
Mas a mudança não aconteceu sem registo de incidentes. Durante o percurso, feito pelo interior do estádio, Fernando Madureira e os restantes arguidos terão voltado a insultar os sócios que teriam ideias contrárias às suas. E Vítor Silva — também arguido — terá mesmo conseguido entrar dentro do bar do pavilhão, que estava fechado, para tirar garrafas de cerveja e de água, que foram posteriormente atiradas a outros adeptos.
As agressões: pontapés, murros, garrafas atiradas e insultos
Pelas contas do Ministério Público, entre as 22h e a meia noite, estiveram cerca de 1.900 pessoas dentro do pavilhão. E terá sido durante este período que continuaram e se tornaram mais graves os insultos e agressões a outros adeptos, com o arremesso de garrafas de vidro e de plástico cheias, que causaram ferimentos a várias pessoas, incluindo sócios mais velhos.
Algumas das agressões foram relatadas ao MP, que incluiu as descrições na acusação e chamou estas vítimas a testemunhar durante a fase de julgamento. Um dos exemplos dados pela acusação é o de um sócio que decidiu manifestar o seu descontentamento face à confusão que estava instalada no pavilhão e acabou agredido com um pontapé quando tentava fugir. Outra vítima foi agredida com murros e pontapés, acabando por cair de costas por uma das escadas, o que lhe provocou fraturas em duas costelas.
Depois de ameaças de morte e dezenas de pessoas agredidas, a assembleia acabou por ser suspensa, mas os crimes não terminaram por ali. Já no exterior do pavilhão, os arguidos ameaçaram vários jornalistas, impedindo-os de fazer o seu trabalho.
MP quer testemunhas a falar sem arguidos e julgamento à porta fechada
Para o julgamento, que ainda não tem data marcada – os arguidos podem ainda requerer abertura de instrução para que um juiz de instrução avalie se existem indícios suficientes para avançar para julgamento –, o Ministério Público avançou com dois pedidos: que as testemunhas chamadas a depor em tribunal sejam ouvidas sem a presença dos arguidos e que as sessões decorram à porta fechada.
No entender dos procuradores, os testemunhos podem ficar comprometidos se os arguidos estiverem presentes, uma vez que as pessoas chamadas pelo Ministério Público podem ficar com medo de sofrer represálias. Aliás, além da exclusão da presença dos arguidos na sala de audiência durante os depoimentos que serão feitos ao coletivo de juízes, o MP pretende ainda que o cuidado vá mais longe e seja evitado qualquer cruzamento no mesmo espaço, inclusive fora da sala, entre testemunhas e arguidos.
Depois, o Ministério Público quer que o julgamento se realize à porta fechada, precisamente para evitar que elementos ou simpatizantes dos Super Dragões se desloquem ao tribunal e possam criar momentos de tensão durante as sessões.