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Programa Vichyssoise com o convidado Adalberto Campos Fernandes, ex-Ministro da Saúde. 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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"Os portugueses não querem mais planos, burocracia e ideias dos anos 70. Querem respostas"

Em entrevista, Adalberto Campos Fernandes, ex-ministro da Saúde, diz que é urgente encontrar respostas para os problemas na Saúde e que não é tempo de mais "planos", "comissões" e "burocracia".

Recusa entrar em confronto direto com a sucessora, Marta Temido, mas não deixa de criticar nas entrelinhas o caminho escolhido pelo Governo. Para Adalberto Campos Fernandes, “os portugueses não querem planos de contingência, mais reflexões, mais articulações, mais comissões”. “O que os portugueses querem são respostas”, diz.

Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, o antigo ministro da Saúde garante ter confiança na “determinação” de António Costa para resolver os problemas identificados no Serviço Nacional de Saúde, mas não deixa de apontar o óbvio: “Qualquer partido com maioria absoluta tem menos desculpas para não executar o seu mandato.”

Responsabilizando diretamente a esquerda por ter servido de fator de bloqueio às reformas necessárias na Saúde, Adalberto Campos Fernandes defende que este é o “momento-chave” para enfrentar os problemas identificados há muito. Mas não deixa de esconder algum ceticismo. “Se o que se pretende é uma visão passada, uma pseudo-reforma, que vai buscar ingredientes dos anos 70, que vão acrescentar mais camadas burocráticas, aí podemos ter um adiar da solução.”

[Ouça aqui a Vichyssoise]

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“A responsabilidade de um governo não é contemplar, comentar, nem desculpar”

Recentemente, Sérgio Sousa Pinto, do PS, defendeu a demissão de Marta Temido por não lhe reconhecer capacidade reformista. Pela experiência que tem, acredita que a ministra da Saúde tem condições para se manter no cargo?
Essa é uma pergunta muito difícil, cuja resposta depende apenas de duas pessoas: da própria e do primeiro-ministro.

Terá certamente uma opinião.
Tenho, mas entendo que, por questões éticas, não devo exprimi-la. Tendo exercido funções nessa pasta, sabendo e reconhecendo as dificuldades que ela encerra, o mínimo que posso dizer é que, seja quem for que esteja de serviço na João Crisóstomo, tem muitas dificuldades. Temos dar o desconto da justiça face à dificuldade do lugar.

Já reconheceu que a responsabilidade pelo estado a que chegou o SNS deve ser partilhada pelo “conjunto de governos” que estiveram em funções. Mas consegue perceber que uma ministra que está no cargo há quase quatro anos tenha sido surpreendida por um problema há muito identificado?
Quatro anos é muito tempo. Mas há esta justificação que é bastante plausível relativamente à pandemia e relativamente à crise política.

Mas não faltaram vozes a dizerem, precisamente, que durante e depois da pandemia, se nada fosse feito, havia muitos aspetos a serem negligenciados.
A qualidade da democracia depende do facto e do contra-facto. O contraditório político é a melhor forma de fazermos a prova se a narrativa que temos está alinhada ou não com a realidade. O Governo expõe as suas razões, naturalmente, e cabe à oposição demonstrar se elas são ou não são admissíveis. Tivemos uma pandemia, tivemos uma crise política, provocada, aliás, por partidos que hoje têm uma grande responsabilidade relativamente a tudo o que aconteceu no SNS, e não tivemos oposição. Tudo isto junto dá uma mistura explosiva.

Isenta o Governo de responsabilidades?
Nenhum governo está isento de responsabilidades. A responsabilidade de um governo não é contemplar, comentar, nem desculpar. A responsabilidade de um governo é fazer tudo em cada momento para que as expectativas dos cidadãos sejam satisfeitas. Mas o pior que aconteceu nestes últimos tempos, e a pandemia agravou isso, foi a tendência coletiva que temos tido para nos resignarmos todos. Há uma grande banalização dos factos, tudo é transitório, os problemas são todos conjunturais e só passam a estruturais se houver várias vozes que se levantam.

Programa Vichyssoise com o convidado Adalberto Campos Fernandes, ex-Ministro da Saúde. 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

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“Qualquer partido com maioria absoluta tem menos desculpas”

Este é um momento-chave para haver essa mudança na Saúde?
Acredito que sim. No Parlamento, durante o debate com António Costa, ficou claro que há uma determinação política muito forte. A própria interação do primeiro-ministro com o Bloco de Esquerda deixou indiciar que há aqui alguns laços de entropia que se desfizeram.

Era a esquerda que impedia essas grandes reformas?
Não podemos ter para um sistema estruturante, que diz respeito a todos os portugueses, uma contradição nos termos. Não podemos defender uma coisa e o seu contrário. É uma impossibilidade governativa. Não podemos diabolizar a colaboração com o setores privado e social e, ao mesmo tempo, à tarde, dizer que vamos colaborar com eles. Não podemos dizer que os médicos são os responsáveis por todos os males no mundo e à tarde dizer que os médicos são os heróis. É por isso que as maiorias claras e tendencialmente absolutas criam um quadro político mais favorável para que ação seja feita e o julgamento político seja exercido.

Vê como mais útil que exista uma maioria inequívoca e clara. Com esta maioria absoluta o PS deixa de ter desculpas para não reformar a Saúde?
Qualquer partido com maioria absoluta tem menos desculpas para não executar o seu mandato.

A ministra da Saúde admitiu que o problema da falta de pessoal para completar as escalas já estava previsto, admite-se que tenha apresentado um plano de contingência só depois do fecho de alguns serviços?
Sabemos que a dificuldade de tomada de decisão existe, que os problemas muitas vezes surpreendem-nos, mas isso não deixa de nos ilibar da responsabilidade de não termos feito as coisas ou não termos antecipado. Admito que haja algum grau de surpresa, mas nós já sabemos que os médicos estão a envelhecer desde o final da década de 90. Para além de que, 43 anos depois, temos hoje uma presença dos setores privados e social avassaladora. Esse crescimento não se explica apenas porque as pessoas deixaram de comprar certificados de aforro para fazer seguros de saúde. Quem não perceber isto, não vive neste país. Há naturalmente um desalinhamento entre a resposta e as necessidades do âmbito político que está a condicionar este movimento.

"O pior que aconteceu nestes últimos tempos, e a pandemia agravou isso, foi a tendência coletiva que temos tido para nos resignarmos todos. Há uma grande banalização dos factos, tudo é transitório, os problemas são todos conjunturais e só passam a estruturais se houver várias vozes que se levantam"

“Todos os governos têm esta tendência. No limite, podemos imputar a culpa a D. Afonso Henriques”

Chegou a admitir, numa entrevista ao Público, “não conhecer pensamento político” à ministra da Saúde. Já teve oportunidade de perceber qual é o pensamento político de Marta Temido?
Essa afirmação poderá ter sido mal entendida. Não fiz qualquer apreciação de natureza pessoal. As coisas existem ou não existem. Admito que a ministra da Saúde tenha tido entretanto…

Teve oportunidade de amadurecer pensamento político.
Exatamente. Tem uma posição sobre as PPP, sobre o setor privado, sobre a relação entre os vários setores. É do conhecimento público.

Pediu “coragem” para que se reconhecesse finalmente o “problema”. Do que viu do debate de quarta-feira – onde o primeiro-ministro apontou o dedo a Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, à esquerda, aos privados, às Ordens Profissionais… – acredita que o Governo vai ter essa “coragem”?
Se há algo que não podemos acusar o primeiro-ministro é de falta de coragem.

Apesar destas desculpabilizações?
Num momento ou noutro, podemos concordar ou discordar. Mas o primeiro-ministro tem afirmado essa coragem. E sabe que os governos têm esta tendência: isto é uma doença sistémica da política. No limite, podemos imputar a culpa a D. Afonso Henriques por ter fundando a nação portuguesa.

"Não podemos defender uma coisa e o seu contrário. É uma impossibilidade governativa. Não podemos diabolizar a colaboração com o setores privado e social e, ao mesmo tempo, dizer que vamos colaborar com eles. Não podemos dizer que os médicos são os responsáveis por todos os males no mundo e depois dizer que os médicos são os heróis"

“Não podemos entreter os problemas. É preciso agir. É preciso fugir da abstração”

Quando era ministro, Mário Centeno falava nos aumentos de orçamento para a saúde. Agora, Fernando Medina diz também que o problema não é financeiro. Se tem existido reconhecidamente mais dinheiro e mais profissionais na Saúde, qual é a razão para que os resultados sejam piores?
Citámos Mário Centeno, um grande ministro das Finanças, citámos Fernando Medina, podemos citar Albert Einstein, que terá dito que se respondermos aos mesmos problemas com as mesmas respostas, teremos seguramente os mesmos resultados. Nos últimos anos, tivemos um aumento brutal de financiamento público, quase 3 mil milhões de euros, e o que estamos a ver é um preocupante cruzamento entre produtividade e resultados, que pode indiciar, a prazo, insustentabilidade. Na altura, disse que era Centeno e reafirmo-o: um país sem contas públicas equilibradas, sem menor dívida pública e sem menor dependência de juros, é um país que compromete a realização do Estado Social. E Fernando Medina está cheio de razão.

Portanto, o problema é de gestão.
Não é só gestão. Qual é o modelo de sistema de saúde que queremos? É um modelo baseado em ideias que perderam oportunidade na década de 70 e que hoje, nem na América do Sul, estão implementadas? É um modelo que é ancorado, como defendo, numa função estrutural e estruturante de um sistema público, de qualidade, que é responsivo e capaz de responder a todos os portugueses que o procuram? É um modelo que sendo estruturalmente público não rejeita a possibilidade de colaborar com outros setores? Do ponto de vista operacional, o que é que é mais importante: criar mais camadas burocráticas, com sistemas locais de saúde, com CEOs em cima de Agrupamentos de Centro de Saúde sem mexer nos Administrações Regionais de Saúde? Ou, tão simplesmente, fazer uma coisa de uma semana para outra que é dar autonomia aos hospitais para não esperarem dois anos para recrutamento de um médico ou de um enfermeiro?

Reconhece, nos planos que foram apresentados pelo Governo, essa preocupação? Ou vão no sentido errado?
Algo que me deixa mais tranquilo é a determinação do primeiro-ministro.

Mas a determinação é um estado de espírito. Não é exatamente um plano.
Sem impulso político de quem controla o governo, não terão a eficácia desejada. O primeiro-ministro é o maestro da política.

Foi uma das perguntas mais repetidas no debate de quarta-feira: qual é o plano?
Se tudo está a ser posto na realização de um estatuto [do SNS], que não responde aos aspetos operacionais do momento, se o que se pretende é uma visão passada, uma visão de uma pseudo-reforma, que vai buscar ingredientes que estão ultrapassados em toda a moderna administração do sistema de saúde no mundo inteiro, dos anos 70, que vão acrescentar mais camadas burocráticas, mais decisores, mais gestores, mais consultores, e não se atalha naquilo que é o operacional para a resposta imediata — com os hospitais a terem mais autonomia –, aí podemos ter um adiar da solução. Os portugueses não querem planos de contingência, mais reflexões, mais articulações, mais comissões. O que os portugueses querem são respostas.

Registamos que está a ser muito hábil a evitar comentar diretamente os planos do Governo. Mais uma vez: no fundo, está a criticar basicamente tudo o que o Governo apresentou até ao momento; consegue perceber que não existam até ao momento propostas concretas que resolvam os problemas que está a denunciar?
As palavras são suas quando diz que estou a criticar tudo.

Quando critica a existência de novas comissões ou de planos de contingência, estamos a aplicar ao que existe.
Não podemos ter em matéria de políticas públicas a função do entretenimento. Entreter os problemas. É preciso agir. É preciso fugir da abstração e que procuremos ir diretamente ao país real, ao bairro, à rua, à pessoa que precisa de fazer uma cirurgia, uma consulta. É isso que os portugueses querem ter.

"Se tudo está a ser posto na realização de um estatuto [do SNS], que não responde aos aspetos operacionais, se o que se pretende é uma visão passada, uma pseudo-reforma, que vai buscar ingredientes dos anos 70, que vão acrescentar mais camadas burocráticas, mais decisores, mais gestores, mais consultores, e não se atalha naquilo que é o operacional para a resposta imediata - podemos ter um adiar da solução. Os portugueses não querem m ais planos de contingência, mais reflexões, mais articulações, mais comissões. O que os portugueses querem são respostas"

“Os ministérios das Finanças têm muito medo da deriva na Saúde”

Sempre defendeu que a solução para os problemas na Saúde terá necessariamente de passar por uma articulação saudável entre os setores público, privado e social. Mas não foi este Governo, e esta ministra em particular, quem criou um anátema sobre o papel dos privados na Saúde?
Não sei se foi. Resistirei sempre a fazer comentários pessoais.

Há instantes criticou diretamente a esquerda e responsabilizou a esquerda.
Tenho o dever de compreensão, ainda para mais num partido de que sou militante há décadas. Não sou militante do Bloco de Esquerda, estou completamente livre de fazer a crítica. Mas não sei se esse anátema existe ou não. Para a perceção pública parece existir essa reserva, que, aliás, primeiro-ministro e outros membros do Governo têm sempre afastado.

A questão da autonomia dos hospitais é discutida há décadas. Este governo está em funções desde 2015. Consegue perceber que essa questão da autonomia não tenha sido resolvida?
Ainda em 2017, foi apresentado pela Saúde e pelas Finanças os planos de atividade e de orçamento para 11 hospitais, que estavam destinados a ser uma espécie de balão de ensaio. Isto não é um problema português: os ministérios das Finanças têm muito medo da deriva da despesa no setor da Saúde, que está exposto a um ambiente externo muito imprevisível, com muita inovação terapêutica, com riscos de gestão muito grandes. Em toda a Europa, os ministérios das Finanças têm algum receio da autonomia. Mas há que correr esse risco, provavelmente com o grupo de hospitais mais limitado, para ver se as coisas correm bem.

Acredita que a sua saída do Governo também se deveu a isto? A esta necessidade de agradar a Bloco e PCP e ter uma figura assumidamente mais à esquerda no Ministério?
Não faço esse juízo de intenções. Os ministros estão enquanto querem estar ou enquanto o primeiro-ministro acha que devem estar. Não acredito que a decisão tenha passado por aí. O que é facto é que o PS, não tendo na altura maioria absoluta, tinha condicionalismos e dificuldades que hoje não tem.

Mas sentiu essa viragem à esquerda com a sua substituição por Marta Temido?
Não vale a pena iludirmos as questões: politicamente, estou numa posição menos à esquerda do que outras pessoas. Era preciso não ler o que escrevo e o que digo. Mas eu estou onde sempre estive.

E não relaxa ao som da Internacional.
Não, não aprecio particularmente. Gosto mais dos clássicos.

Programa Vichyssoise com o convidado Adalberto Campos Fernandes, ex-Ministro da Saúde. 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR Programa Vichyssoise com o convidado Adalberto Campos Fernandes, ex-Ministro da Saúde. 23 de Junho de 2022, Alvalade TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Preferia ser ministro de Fernando Medina do que de Pedro Nuno Santos”

Vamos avançar para a segunda parte da nossa refeição, o “Carne ou Peixe”, em que só pode escolher uma de duas opções. A quem oferecia uma compota no Natal: Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa?
Claramente ao Presidente da República

Com quem arriscava comer um bacalhau à brás em agosto: Mário Centeno ou Graça Freitas?
Mário Centeno.

Com quem preferia voltar a ser ministro da Saúde: com o primeiro-ministro Pedro Nuno Santos ou o primeiro-ministro Fernando Medina?
Não tenho problema nenhum a dizer: Fernando Medina.

Se fosse administrador de um hospital preferia ter como número dois: Marta Temido ou Ricardo Baptista Leite?
Nenhum dos dois.

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