Uma petição pública que já reuniu mais de 15 mil subscritores; uma ameaça de processo judicial por parte da Juventude Popular; e artigos de opinião na imprensa contra a chamada “ideologia de género”. O despacho assinado na semana passada pelos secretários de Estado da Educação e da Cidadania e Igualdade, que define as medidas concretas que visam aplicar nas escolas a lei da identidade de género aprovada em 2018, nasceu a pouco mais de duas semanas do início do ano letivo — e ficou logo envolvido em polémica.
Há um mês, um grupo de 86 deputados do PSD e do CDS tinha feito ao Tribunal Constitucional um pedido de fiscalização sucessiva da lei da identidade de género, especialmente da parte referente à educação, argumentando que a Constituição proíbe o ensino de doutrinas ou ideologias nas escolas — e considerando que o artigo 12.º da lei representava precisamente a inclusão da referida “ideologia de género” no currículo escolar.
Publicado em plena greve dos camionistas, numa altura em que a crise energética e as expectativas de uma rutura no abastecimento de combustíveis capturavam praticamente toda a atenção mediática, o novo despacho, que regulamenta a lei, terá impacto no funcionamento das escolas já a partir do próximo ano letivo, no que diz respeito à forma como as escolas deverão agir perante alunos transgénero.
O documento inclui uma série de medidas relativas à necessidade de as escolas promoverem ações de formação e de sensibilização para alunos, professores, funcionários e pais. Prevê também, por exemplo, que todos os documentos oficiais (como as pautas das notas) passem a referir o novo nome, de acordo com a identidade autoatribuída, e não o de nascimento. Mas é noutro dos pontos que reside o centro da polémica: a questão das casas de banho e dos balneários. O despacho determina que “as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”.
A petição pública — que diz que, com este despacho, “o Governo oficializa a implementação da Ideologia de Género nas Escolas” — insurge-se contra este ponto em particular. “Uma das medidas mais polémicas deste despacho é que as escolas são obrigadas a deixarem a criança, de qualquer idade, escolher a casa de banho e o balneário de acordo com o seu ‘género’”, lê-se no texto da petição.
A contestação ao despacho entrou na luta partidária pela Juventude Popular: o líder da JP exigiu esta quarta-feira que o despacho seja suspenso até haver resposta do Tribunal Constitucional sobre o pedido dos deputados. Francisco Rodrigues dos Santos considerou também que o despacho é um “ataque vil à liberdade de ensino e de educação”.
Numa publicação no Facebook, o líder da Juventude Popular afirma que o despacho promove “desconformidades identitárias”, como “o direito de cada criança em escolher o acesso às casas de banho e balneários escolares ‘de acordo com a opção com que se identificam'”. Na verdade, Rodrigues dos Santos coloca entre aspas uma expressão que, no despacho, não se refere à questão das casas de banho e balneários, mas sim à possibilidade de os alunos poderem escolher livremente — e aí, sim, “de acordo com a opção com que se identificam” — que roupa utilizar nas escolas onde existe uniforme escolar.
A situação repete-se num outro ponto, no qual Francisco Rodrigues dos Santos afirma que o decreto promove “a obrigação de formação de professores e pessoal não docente, no sentido de ‘impulsionar práticas’ que visem ultrapassar as diferenças entre as características biológicas individuais — às quais o Governo parece chamar de ‘imposição de estereótipos'”.
Na realidade, não é isso que o despacho prevê — a citação existe, mas foi colocada fora de contexto. O que se diz no diploma é que “as escolas devem promover a organização de ações de formação dirigidas ao pessoal docente e não docente, em articulação com os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE), de forma a impulsionar práticas conducentes a alcançar o efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género, que permitam ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios“.
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Relativamente ao ponto das casas de banho e balneários, a polémica criou uma confusão sobre o que está efectivamente previsto no despacho. Como explicou ao Observador o secretário de Estado da Educação, João Costa, qualquer medida só será aplicada em relação a crianças e adolescentes cujos pais ou encarregados de educação tenham dado autorização, e que estejam a passar pelo processo de transição de género, permitido a partir dos 16 anos de idade, ou se preparem para o fazer. Ou seja, não é uma decisão que dependa exclusivamente do aluno ou da sua vontade num determinado momento. “Os encarregados de educação terão sempre de dar autorização“, vinca João Costa.
O secretário de Estado da Educação explica que “o despacho não prevê a construção de espaços específicos” para estes casos, mas sim “que uma criança transexual ou com outras características específicas possa ter um adulto de referência na escola, com formação adequada, com quem possa comunicar e que o possa ajudar a desenhar formas de garantir a proteção da sua privacidade no acesso a casas de banho e balneários, prevenindo a sua exposição e protegendo a sua singularidade”. “Já há casos de práticas neste sentido, como o acesso a balneários dos professores, que têm uma privacidade que os outros podem não ter”, sublinhou João Costa.
“Não é o mais importante”, dizem mães de crianças trans
O foco da polémica nas casas de banho e nos balneários é contestado por duas mães de jovens transexuais ouvidas pelo Observador. Ambas garantem que o ponto fundamental da nova legislação é a possibilidade de as escolas passarem a incluir o novo nome e género nos documentos oficiais.
Mãe de um rapaz que nasceu num corpo feminino, Alexandra explica ao Observador que, durante o processo de transição de género, “a questão com que ele mais se debateu foi a do nome”. “Nem imagina o sorriso e o à-vontade que ele começou a sentir quando lhe começaram a chamar pelo nome masculino em vez de pelo antigo”, conta a mãe, que garante que o filho teve “a sorte de ter professores e colegas que sempre o aceitaram”.
O filho de Alexandra, que nasceu rapariga, “começou desde muito cedo, desde os 4 ou 5 anos, a expressar que queria ser um menino”, lembra. “A maioria dos pais, quando se depara com esta situação, tem a tendência para desvalorizar e para pensar que é uma fase. Mas depois começamos a perceber que é uma coisa mais consistente. Uma vez, teve um ataque de choro à minha frente e disse-me: ‘Mãe, eu choro todas as noites porque quero ser um menino’. Tive de saber lidar com isto de alguma maneira e procurei ajuda.”
A partir dali, a criança começou a ser acompanhada por um psicólogo, que ajudou a família a dar os passos necessários, que culminariam com a mudança legal. Todos os anos, Alexandra explicou aos diretores de turma do filho a situação. E sempre correu tudo bem, com colegas e professores.
Com as casas de banho, nunca houve problemas — pelo contrário. “Chegou ser repreendido por ir à casa de banho das raparigas”, lembra a mãe, sublinhando que a criança desde cedo se expressou como um rapaz, quer através do cabelo quer através da forma de vestir. “As pessoas viam nele um rapaz.”
Mas, para Alexandra, o problema dos balneários é uma falsa questão. “Há jovens, rapazes e raparigas, que não se sentem bem com o corpo. Não são só os meninos trans. Isso é muito mais relevante do que saber se vai entrar um menino na casa de banho das meninas. As escolas têm de ter condições de privacidade para todos”, explica.
Assumindo que o seu filho foi privilegiado, Alexandra conta que conhece muitas famílias em que as crianças chegaram mesmo a desistir dos estudos devido à discriminação. E no centro do problema esteve quase sempre uma questão de identidade — e não de casas de banho. “Ele chegava às pautas e via um nome que não era o dele. Mas a própria escola, em tudo o que eram documentos internos que não fossem oficiais, já o tratava pelo nome”, lembra. A nova legislação permite às escolas incluírem o nome autoatribuído nos documentos oficiais.
“É fundamental, é o mais importante. Lutámos muito por isto”, afirma Alexandra. “É um reconhecimento da identidade de cada um, acaba com a negação do direito de existir como são. Temos consciência de que, para as crianças, passa a ideia de que eles são reconhecidos como são. Não é como querem ser — é como são.”
Isabel, também mãe de um rapaz que nasceu rapariga, partilha a opinião de Alexandra. “O nome é a questão mais importante, tem de ser a primeira coisa. Estas crianças, quando assumem esta transição, a primeira coisa que têm na cabeça é o nome. É aquilo que nós somos perante o outro, a nossa identidade”, diz Isabel.
Para esta mãe, o despacho assinado na semana passada “está ótimo e é extremamente necessário, porque é através da educação que vamos conseguir normalizar e humanizar estas pessoas”. Isabel lembra que, quando pediu à escola do seu filho que passasse a tratá-lo pelo nome masculino, a instituição acedeu. “Mas conheço casos em que as escolas não estão preparadas e as mentalidades também não.”
Sobre a polémica dos balneários e das casas banho, Isabel assegura que, “se reconhecemos a autodeterminação, temos de reconhecer o resto” — e isso inclui garantir condições de privacidade para todas as pessoas. “Porque não são apenas as crianças transexuais que têm problemas com a sua aparência”, justifica. “As escolas terão de arranjar soluções. Chuveiros individuais nos balneários podem ser uma solução”, considera Isabel, vincando novamente que esta não é uma necessidade exclusiva dos jovens transexuais. “Toda a gente merece privacidade.”
Além disso, há problemas que ultrapassam a mera utilização de casas de banho e de balneários na disciplina de Educação Física. O filho de Isabel, hoje já com 20 anos e estudante universitário, desistiu da natação por não se sentir à vontade em fato de banho com um corpo feminino. Com a nova legislação, acredita Isabel, tudo poderá ser diferente para as crianças transgénero.
Diretores e associações de pais de acordo (mas implementação é um desafio)
Ouvidos pelo Observador, representantes dos diretores das escolas públicas e das associações de pais dizem-se satisfeitos com o documento e empenhados em encontrar soluções para dar resposta ao desafio que a implementação das medidas representa — mas assumem que o mais difícil poderá mesmo ser a questão das casas de banho e, sobretudo, dos balneários utilizados para as aulas de Educação Física.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, diz ao Observador que “as escolas estão preparadas para promover o direito à auto-determinação da identidade de género e de expressão e à proteção das características sexuais de cada pessoa” — e que, aliás, já o têm feito.
“Agora existe um despacho que nos obriga a tomar algumas atitudes. Este despacho é muito recente, é um despacho de há dias, e, portanto, convém que seja interiorizado por todos nós. Pelas escolas, pelos pais, pelos alunos e pelos professores. Para que depois possamos tomar as medidas mais consentâneas de acordo com o espírito deste despacho, que saiu em altura de férias, e penso que neste momento poucas pessoas o terão lido. Mas o que é certo é que nós estamos sensibilizados para a situação”, explica.
Do ponto de vista administrativo, Filinto Lima assume que as alterações de nomes e informações biográficas nos documentos oficiais “vai dar trabalho às escolas”, mas alerta, na mesma linha do que diz o secretário de Estado, que “tem de ser o encarregado de educação a solicitar essa mudança, de acordo com o novo nome do aluno, à escola onde o seu educando está a ser instruído”.
Sobre a questão dos balneários e das casas de banho, Filinto Lima admite não ter uma solução imediata, mas considera que a questão não se coloca apenas em relação às escolas. “Também gostaria de perceber como é que numa casa de banho pública este despacho se possa aplicar”, questiona Filinto Lima, assumindo que nas escolas irá haver “algumas dificuldades” e que ainda é necessário “‘mastigar’ este diploma, para perceber como é que, na prática, se pode levar o despacho avante”.
“Mas, desde logo, há aqui um problema que se levanta e que as escolas terão que resolver. Pergunto se criando uma terceira casa de banho? Mas isso é algo que penso que deve ser discutido em sede de Conselho Pedagógico, até em sede de Conselho Geral, onde os alunos têm representação. O Conselho Geral é o órgão mais importante de qualquer escola ou de qualquer agrupamento, onde os pais têm assento, onde a autarquia tem assento, por forma a levar avante esta situação muito particular destes pais”, destaca o responsável.
Filinto Lima admite que “a situação que poderá ser mais problemática será mesmo em relação às casas de banho e aos balneários”, até porque “muitos balneários nem sequer têm chuveiros individualizados, são amplos, são abertos”, e “isso pode ferir também outras susceptibilidades e a própria intimidade de todos os alunos”. Na opinião do responsável, “cada escola conhece melhor do que ninguém a sua comunidade educativa” e deverá ser cada estabelecimento de ensino a estudar as melhores opções.
“O que eu pedia é que não houvesse pressa para implementar algo que eu acho que é muito importante, mas que merece um período, na minha opinião, longo de transição. Não pode ser de um dia para o outro, não pode ser durante o primeiro período do próximo ano letivo que esta mudança se irá operacionalizar”, acrescenta Filinto Lima.
Ao Observador, o secretário de Estado da Educação explicou que “o despacho entra em vigor no início do ano letivo”, mas adiantou que “ao longo deste ano divulgar-se-á a formação e os serviços do ministério estão em articulação com as direções dos agrupamentos para esclarecimento de dúvidas e resolução de problemas”.
Mesmo não tendo estatísticas concretas sobre a situação, Filinto Lima afirma que “estas situações sucedem naturalmente e devemos tratá-las também de forma natural e de uma forma correta — e este despacho promove que o façamos”. “Sei que muitas escolas e muitos diretores já fazem um trabalho magnífico no âmbito do direito à autodeterminação da identidade de género”, sublinha, acrescentando que “é evidente que, a partir de setembro, as escolas estão ainda mais obrigadas a abordar estas temáticas”.
No que diz respeito à formação, Filinto Lima destaca que o tema poderá ser abordado em disciplinas como as Ciências da Natureza, mas considera que esta será mais eficaz se for realizada fora do tempo letivo por pessoas externas às escolas. “Muitas vezes até por profissionais da saúde, por organizações não-governamentais que abordam esta temática, porque são pessoas externas às escolas e os alunos captam a sua mensagem de uma forma mais fácil. Não conhecem aquelas pessoas, sabem que são pessoas especializadas naquela matéria, e portanto a mensagem chega de uma forma mais fácil aos nossos alunos”, explica.
Do lado dos pais, Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), diz-se confiante de que a reduzida frequência dos casos permita tratar cada situação com todas as condições. “Daquilo que nós lemos do despacho, a intenção é respeitar a individualidade de cada um. Obviamente, a grande maioria dos alunos são do sexo feminino ou do sexo masculino — têm a sua sexualidade definida. E, depois, temos estes casos de minorias. Houve aqui a preocupação de poder garantir a estas minorias que estão em segurança e em condições”, destaca Jorge Ascenção.
Sobre o problema dos balneários e das casas de banho — aquele que assume contornos mais práticos e desafiantes —, Jorge Ascenção admite que é necessário encontrar soluções que tenham em conta quer a minoria quer a maioria. “É óbvio que quem lá está na sua maioria também não se sentirá bem ao sentir ali uma pessoa que, no aspeto, tem um sexo diferente. Também temos de respeitar estas sensibilidades das maiorias”, sublinha. “Tem de se encontrar um espaço onde, para a Educação Física, esses alunos se possam vestir”, diz Jorge Ascenção.
“O volume de casos não será tão grande que me pareça difícil de gerir”, destaca o responsável da CONFAP. “Esperemos que as escolas tenham capacidade e meios para poder proporcionar às minorias o seu direito à privacidade e à individualidade e às maiorias a tranquilidade de que não haverá qualquer tipo de promiscuidade nem de interferência. Julgo que é possível, agora veremos. Julgo que há que não dramatizar”, acrescenta.
Tanto Filinto Lima como Jorge Ascenção — como o próprio secretário de Estado da Educação — assumem que não é por decreto que se mudam comportamentos. “Este despacho, por si só, não resolve qualquer espécie de problema”, explica o responsável dos diretores das escolas públicas. “O decreto, ou qualquer tipo de lei, pode ajudar no sentido de uma mudança cultural, de mudança de ideias e de perspetiva sobre as coisas. Mas, de facto, não se alteram as coisas por decreto nem por lei. Ajuda, mas é preciso haver formação, sensibilização, conhecimento, informação. Às vezes, o que falta é estar informado”, acrescenta o líder da CONFAP.
Já o secretário de Estado João Costa reconhece que, “obviamente”, não é por decreto que se vai resolver o problema da discriminação entre os alunos neste tipo de situações. “Mas compete ao Estado estabelecer medidas que fomentem o combate a todas as formas de violência e segregação”, considera.
Grande parte do trabalho passa, agora, pela formação e sensibilização. Estão previstas ações de formação para professores, funcionários e pais, e várias ações de sensibilização para os alunos, que serão definidas ao nível das escolas, considerando as características de cada comunidade educativa.
Da formação aos balneários: o que prevê a nova legislação
A nova lei, que começou a ser preparada em novembro de 2015 pela então secretária de Estado da Igualdade e Cidadania, Catarina Marcelino, teve avanços e recuos. Aprovada pela primeira vez no Parlamento a 13 de abril de 2018, a nova lei da identidade de género permitia a mudança de sexo no Cartão de Cidadão a partir dos 16 anos de idade, sem que fosse necessário apresentar um relatório médico. Porém, no mês seguinte, o Presidente da República vetou o diploma, considerando que esse relatório médico deveria ser obrigatório para os menores entre os 16 e os 18 anos.
Em julho, o Parlamento discutiu uma nova versão da lei, que incluía a obrigatoriedade de um relatório médico exclusivamente destinado a atestar a capacidade de decisão do menor em causa — assinalando claramente que o documento não atribui o carácter de patologia à transexualidade. A nova versão da lei seria aprovada no dia seguinte e promulgada a 31 de julho por Marcelo Rebelo de Sousa.
A lei, que estabelece o “direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa”, inclui um artigo (o 12.º) destinado exclusivamente à educação e ensino. Ali, determina-se que o Estado tem de incluir no sistema educativo:
- “Medidas de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género, expressão de género e das características sexuais”;
- “Mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável desenvolvimento de crianças e jovens” nesta situação;
- “Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das características sexuais, contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar, assegurando o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e jovens que realizem transições de identidade e expressão de género”;
- “Formação adequada dirigida a docentes e demais profissionais do sistema educativo”.
As medidas concretas chegariam exatamente um ano depois, no despacho assinado há dias pelo secretário de Estado da Educação, João Costa, e pela atual secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro.
O despacho pede às escolas que tomem as mais variadas ações, desde as mais simples (como promover ações de formação e de sensibilização ou definir canais de comunicação próprios para identificar e acompanhar os eventuais casos), às potencialmente mais complexas (como a alteração dos nomes em toda a documentação escolar, a inclusão da criança no grupo com o qual mais se identifica em eventuais atividades divididas por sexo ou, ainda, a garantia de acesso às casas de banho e balneários, tendo em conta a vontade do menor). A aplicação concreta de todas estas medidas, todavia, é deixada ao critério das próprias escolas.
Formação, sensibilização e prevenção
No que toca à prevenção, o despacho determina que as escolas promovam “ações de informação/sensibilização dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade escolar, incluindo pais ou encarregados de educação, tendo em vista garantir que a escola seja um espaço de liberdade e respeito, livre de qualquer pressão, agressão ou discriminação”.
As escolas devem ainda promover a difusão de informação sobre o assunto, “de forma a contribuir para a promoção do respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação de crianças e jovens que realizem transições sociais de género”.
Intervenção em casos identificados
No capítulo da intervenção direta, as escolas devem nomear um responsável ou uma equipa de responsáveis “a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença”.
São estas pessoas que devem, depois, em articulação com os pais das respetivas crianças ou com os seus encarregados de educação, “promover a avaliação da situação, com o objetivo de reunir toda a informação e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem”, acrescenta o despacho.
Questionado pelo Observador sobre quem serão as pessoas potencialmente escolhidas para esta posição, o secretário de Estado da Educação, João Costa, esclareceu que será “quem a escola designar, em função da formação específica”, podendo ser “o diretor de turma, o psicólogo da escola, o tutor ou qualquer outro adulto de referência”. Este responsável trabalhará “em estreita articulação com as famílias” por forma a “defender a privacidade e a segurança dos alunos”. Cada caso será acompanhado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e pela Direção-Geral da Educação, acrescenta o governante.
Questões administrativas
Do ponto de vista administrativo, as escolas terão de garantir “condições de proteção da identidade de género e de expressão”, nomeadamente criando procedimentos internos para a mudança dos registos biográficos dos alunos, alterando-os para o género e nome “autoatribuídos”.
Em todos os documentos “de exposição pública” em que o nome do aluno apareça — desde os dados biográficos às pautas de avaliação —, este deverá ser escrito segundo a fórmula da lei da identidade de género promulgada no ano passado. Ou seja: o novo nome consoante a identidade de género manifestada, seguido das iniciais do nome próprio que consta do cartão de cidadão, e por fim o apelido completo. A manutenção das iniciais do nome anterior, enquanto o processo de transição não está finalizado, serve para assegurar a validade da identificação com recurso ao Cartão de Cidadão — necessário em contexto escolar, por exemplo, para a realização de exames.
Atividades e instalações
As escolas têm ainda de “fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome autoatribuído em todas as atividades escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar” e garantir que, nas atividades diferenciadas por sexo, “se tome em consideração o género autoatribuído”. Além disso, nos casos em que as escolas tenham uniformes oficiais, os alunos nesta situação têm de poder escolher “de acordo com a opção com que se identificam”.
No caso das casas de banho e balneários, o despacho define que, como regra, “as escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”.