O verão não parece ter sido bom conselheiro para a trama orçamental, com os socialistas a começarem a regressar de férias mais desconfiados do que nunca sobre as reais intenções de Luís Montenegro com a negociação que abriu ainda em julho. A percepção agravou-se quando surgiu, na última semana, o cheque para os pensionistas, mas os socialistas também já estavam desconfortáveis com a falta de urgência do Governo em responder com os dados económicos exigidos pelo PS ou em marcar nova reunião, agora com Montenegro. São vários os socialistas que defendem “uma resposta à altura” na rentrée. O ambiente político favorável a negociação orçamental está a degradar-se a alta velocidade.

“O Governo está em pré-campanha. Tem de ter resposta à altura. Não temos medo de eleições”, defende um dirigente socialista. “Ninguém mais falou connosco, nem conversas indiretas, há agressividade crescente nas declarações” do PSD e do Governo, comenta outro dirigente que defende que o PS deixe a negociação orçamental. “Se estão a criar pressão sobre o PS, é natural que saia uma patada” como resposta, atira outro socialista. “Há momentos para se dar passos e são urgentes. O verão não pode servir de justificação”, considera-se no partido perante o silêncio do Governo.

Se bem que, no entendimento socialista, o silêncio deste verão foi seletivo, com a distribuição de cheques pelo Governo a ser especialmente notada. Há uma tese sobre isso: “Começa a ser evidente o interesse do Governo em eleições“. Não é de hoje esta desconfiança socialista, mas é agora mais assumido o desconforto muito em concreto com a medida para os pensionistas anunciada em pleno verão por Luís Montenegro — que já é apontado no PS como “o homem que mais deseja eleições no país”.

“Quando se despendem 400 milhões em medidas one-shot está-se a preparar eleições. Faz-se quando se está em aflição, haja ou não eleições… basta existir qualquer pressão pública”, analisa um dirigente do partido que quando esteve no Governo, com António Costa ao comando, usou estratégia semelhante diversas vezes nos últimos anos. “A partir do momento em que o Governo precisa de negociações para viabilizar o Orçamento e no Verão começa a aprovar medidas que podem colidir ou sobrepor-se a medidas da oposição, parece evidente que o processo não é tranquilo“, nota um outro socialista apontando a degradação das condições negociais.

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PS continua dividido sobre o que fazer: voz grossa, abandonar negociações ou pragmatismo?

“A doutrina divide-se na direção”, diz fonte ouvida pelo Observador quando questionada sobre o que deve o partido fazer perante o próximo Orçamento. Multiplicam-se os cálculos sobre as vantagens de ter eleições já ou deixar o Governo prosseguir, esperando que acumule falhas. A mesma fonte garante que a divisão continua, mas Pedro Nuno Santos veio intensificar o tom nesta última semana quando, em Silves,  declarou o já famoso “não chateiem o PS”.

[Já saiu o quarto episódio de “Um Rei na Boca do Inferno”, o novo podcast Plus do Observador que conta a história de como os nazis tinham um plano para raptar em Portugal, em julho de 1940, o rei inglês que abdicou do trono por amor. Pode ouvir aqui, no Observador, e também na Apple Podcasts, no Spotify e no Youtube. Também pode ouvir aqui o primeiro, o segundo e o terceiro episódios]

Aos jornalistas que o questionavam sobre se já decidiu sobre o Orçamento, mostrou desagrado não só com a “pressão inaceitável” sobre o PS, como com o estado das conversações: “Ainda não temos nova reunião marcada e estamos à espera da informação sobre as contas que já foi pedida em julho e ainda não temos. E não apresentaremos nenhuma proposta sem conhecermos a realidade das contas públicas nacionais”.

E na rede social X ainda veio responder a Paulo Rangel para acusar o Governo de estar a “usar as boas contas públicas deixadas pelo anterior governo para implementar uma estratégia que traga ganhos eleitorais no curto-prazo“. No passado, Pedro Nuno Santos já disse que não tem “medo de eleições” e a linha continua a ser essa. No partido, nesta altura e perante os cheques de Montenegro, garante-se: “Nós não temos medo de eleições, e não vamos embarcar em aventuras que vão dar cabo do país a prazo.”

“O PS precisa de informação para negociar”, avisa um dirigente que lembra que a oposição continua à espera das tabelas de despesa — que o PS já pediu mesmo ao presidente da Assembleia da República que instasse o Governo a entregá-las ao Parlamento, o que Aguiar Branco fez sem uma reação imediata do Executivo. Outro socialista comenta que “são essenciais para verificar a execução orçamental e o nível de subida da despesa publica”. Mas o Governo, segundo o Público, só pretende libertá-las mais em cima do Orçamento, quando ficar fechado o acordo com a Comissão Europeia quanto ao tecto da despesa para o próximo ano.

A forma como o processo negocial for conduzido pelo Governo — e tanto a primeira reunião como o mês seguinte não deixaram uma boa impressão nos socialistas — é colocada como decisiva pelo PS, sobretudo quando o líder aceitou ir a negociações. E isso não era líquido, já que nas últimas semanas se têm ouvido várias vozes a apontar que o PS nem devia ter aceitado sentar-se à mesa.

Foi o que defendeu Álvaro Beleza, em entrevista ao Observador, embora este socialista defenda a viabilização do Orçamento. Já Pedro Costa, outro dirigente entrevistado pelo Observador nesta fase, parece estar mais próximo da defesa de um voto contra, considerando que não deve haver conversas enquanto não houver uma cedência efectiva no IRS e no IRC — o Governo sinalizou abertura para repensar a estratégia de uma descida generalizada na tributação sobre as empresas, no debate do Estado da Nação, mas nunca mais tocou no assunto.

Ascenso Simões foi outro socialista que defendeu publicamente um voto contra o Orçamento, num artigo de opinião publicado no Expresso, considerando que “não pode ser agora que ao PS, num tempo em que se impõe, mais do que nunca, clareza, se exige essa ‘prenda’ para Luís Montenegro”. Miguel Prata Roque também esteve na rádio Observador, no programa Vichyssoise, a defender que “seria incompreensível que o PS viabilizasse o Orçamento”.

Mas há também quem no partido defenda “pragmatismo” nesta fase, ou seja, que o PS olhe para o Orçamento como um mero instrumento de governação e aproveite a discussão na especialidade para deixar as suas marcas num OE que possa viabilizar. E , claro, há o opositor interno de Pedro Nuno Santos, José Luís Carneiro que tem sido audível desde o primeiro momento sobre necessidade de viabilização do Orçamento. Na CNN Portugal, nesta última semana, o socialista apontou a pressão dos autarcas que percebem que “uma crise política com Orçamento em duodécimos estabelece limitações aos compromissos de caráter anual e plurianual”.

Na direção socialista reflecte-se esta diversidade de posições. Um dirigente assinala, em conversa com o Observador, que vê com “dificuldade que o PS não viabilize o Orçamento” para o próximo ano. E os argumentos apresentados passam sobretudo pela situação económica do país, onde “a inflação abrandou e a economia não está deprimida” e pela falta de vontade sentida nas pessoas quanto a nova consulta eleitoral.

Mas há também quem veja o copo menos cheio para o Governo e vá avisando que a gestão das urgências do SNS no verão, “não correspondeu às expectativas criadas pelo Governo — onde ninguém está a fazer a gestão de expectativas”, nota um socialista –, além disso, acrescenta outro dirigente do partido: “Os dados do desemprego no último trimestre subiram e isso normalmente precede um abrandamento ou mesmo estagnação da economia”.

Já se, por isto mesmo, este se torna um momento altamente favorável a eleições, ninguém arrisca uma resposta fechada, por agora. “É vantajoso deixar passar [o Orçamento] porque o tempo corre a nosso favor, mas existem as condições e o ambiente para deixar passar sem perder a face?”, questiona um socialista que considera que “por tudo isto, Pedro Nuno Santos ainda não pode ter uma posição fechada”.

Na CNN Portugal, há um mês, o socialista Sérgio Sousa Pinto dizia ser “um facto” que o “Governo está em estado de graça” e considerava que o que os portugueses pretendem é “um Governo que governe e que a Assembleia da República não seja um factor de perturbação“. “O que deseja é que o Governo, mal ou bem, prossiga e que não haja eleições”, disse ao mesmo tempo que já notava a falta de sinais no Governo sobre uma vontade negocial. “O Governo não quer dialogar com o PS e está a provocar o PS porque quer que o PS cometa um erro que é precipitar uma crise política”, argumentou assumindo uma “situação difícil para o PS” perante um “interlocutor que finge querer compromissos”.

Montenegro e Pedro Nuno radicalizam posições

Pedro Nuno tenso com Governo, mas com senadores moderados na rentrée

Certo é que depois de ter vindo, logo após a vitória nas Europeias, travar radicalismos em matéria orçamental e sinalizar disponibilidade para negociar, as posições de parte a parte começaram a radicalizar-se ainda antes das férias. E Pedro Nuno parece apostado em ir nessa linha, embora se tenha rodeado, para a iniciativa de rentrée do PS (a Academia Socialista), de dois senadores que não parecem estar na mesma onda: António Costa e Carlos César.

O ex-líder disse no final de julho numa entrevista ao canal Now que o “Orçamento do Estado é um instrumento fundamental para a ação do Estado e deve existir”, no entanto, “nem o Governo deve transformar o OE numa moção de confiança, nem a oposição deve transformar o Orçamento numa moção de censura“. “É bom que o país tenha OE e que o exercício da responsabilização dos governos seja feito pelos instrumentos próprios” que são a moção de censura e a moção de confiança. “O que os partidos devem saber é transformar o debate do OE na normalidade que ele deve ter”, avisou nessa entrevista.

Já Carlos César veio, em plena campanha das Europeias, colocar água na fervura dos ímpetos mais eleitoralistas dentro do partido. “A seu tempo, quando for tempo disso, será o das eleições para o novo Governo que ansiamos e que esperamos ser do PS”, disse num comício ao ar livre no centro histórico de Guimarães. “Temos de ser pacientes“, sublinhou César. Mas a paciência socialista começa a esgotar-se.