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Faltam poucos dias (ou semanas) para a chegada da primeira vacina contra a Covid-19 a Portugal, mas ainda há uma série de interrogações quer sobre a própria vacina, quer sobre o plano de vacinação. Os problemas que já ocorreram no Reino Unido e nos Estados Unidos com a Pfizer/BioNTech mostraram que nem tudo pode correr bem no processo de vacinação, mas os especialistas ouvidos pelo Observador desvalorizam e garantem que episódios como as reações alérgicas são normais e podem ocorrer com medicamentos tão comuns como o paracetamol.
Mesmo sem queixas de reações tão adversas como estas, a vacina contra a Covid-19 pode desencadear efeitos secundários (as primeiras no mercado europeu, e em Portugal, serão também as da Pfizer/BioNTech) como dores no local da injeções, dores de cabeça e até mesmo febre em alguns dos pacientes. É normal, sim, mas como a vacina não é 100% eficaz e demora longas semanas até produzir um efeito protetor contra o novo coronavírus, continuará a ser importante telefonar ao SNS24 quando tiver sintomas desta natureza: pode mesmo ser Covid-19.
Algumas pessoas não devem sequer receber a vacina: as crianças e as grávidas estão fora do plano de vacinação em Portugal (à semelhança do que acontece noutros países) porque não há ainda evidência científica que permita aos peritos confiar que o medicamento é eficaz, ou até seguro, neste grupo de pessoas. Também é a incerteza científica que mantém alguns doentes de risco, como certos doentes autoimunes e os doentes oncológicos em quimioterapia, fora da primeira fase da vacinação: na dúvida, o melhor é continuar a proteger as pessoas em risco sem a vacina. E mesmo quem for vacinado, porque as incertezas ainda são muitas quanto à sua proteção e ao fim de quanto tempo ela acontece, continuará sujeito às medidas de restrição em vigor.
Crianças ficam fora do plano de vacinação contra a Covid-19. Porquê?
O Observador elencou 25 questões sobre as vacinas contra a Covid-19 que chegam a Portugal na última semana de dezembro e sobre o plano de vacinação que as distribuirá massivamente pela população ao longo do próximo ano. A Pfizer, a Agência Europeia do Medicamento, a Direção-Geral da Saúde (DGS) e o imunologista Henrique Veiga Fernandes, da Fundação Champalimaud, responderam a muitas delas.
Outras, muito importantes, ficaram por responder, uma vez que a DGS não desfez as dúvidas apesar da insistência do Observador. Entre elas, não se sabe quem se responsabiliza se uma reação adversa da vacina tiver consequências para a saúde de quem a recebeu.
Eis então o que precisa de saber antes de receber a vacina.
Quais são os efeitos secundários das vacinas?
De acordo com a resposta da Pfizer ao Observador, o Comité de Monitorização de Dados verificou dois eventos considerados “severos” e “graves” que afetaram mais de dois em cada 100 voluntários: fadiga extrema em 3,8% das pessoas e dores de cabeça muito fortes em 2% dos participantes — tudo problemas que surgiram após a administração da segunda dose da vacina.
No entanto, a Food and Drug Administration (FDA) — a agência governamental norte-americana que controla os bens alimentares e de saúde no mercado — apontou sete efeitos secundários considerados comuns, mas que não provocam um mal-estar severo: dor no local da injeção (84% dos voluntários), fadiga (63%), dores de cabeça leves (55%), dores musculares (38%), arrepios (32%), dores nas articulações (24%) e febre (14%).
No folheto informativo da vacina da Pfizer/BioNTech publicado no Reino Unido, as autoridades confirmam que os efeitos secundários mais comuns da vacina (os que afetam mais de uma em cada 10 pessoas) são dores no local da injeção, cansaço, dor de cabeça, dores musculares, arrepios, dores nas articulações e febre. Os efeitos secundários comuns (até uma em 10 pessoas) são inchaço e vermelhidão no local da injeção e náuseas. Os efeitos secundários considerados raros (uma em cada 100 pessoas) são inchaço dos nódulos linfáticos e prostração.
Num relatório preliminar publicado em novembro no The New England Journal of Medicine, os cientistas da Moderna procuraram verificar se havia algum evento adverso sério entre os 45 participantes de um ensaio clínico aberto de fase um da sua vacina, que deve estar também prestes a chegar ao mercado (depois da da Oxford/AstraZeneca). Eram todos saudáveis, com 18 a 55 anos de idade, e receberam duas doses da vacina da Moderna com 28 dias de diferença. Quinze deles receberam doses de 25 microgramas, outros tantos de 100 microgramas e os restantes receberam 250 microgramas.
A amostra é extremamente pequena, por isso não é possível projetar estes resultados para a restante população. No entanto, uma das pessoas que receberam a dose mais pequena acabou retirada do estudo por causa de um episódio de urticária que ocorreu imediatamente após a administração da primeira dose. O grupo de cientistas chamou “espontânea” a esta reação, porque não estava na lista de eventos expectáveis após a toma da vacina.
Mas outras reações expectáveis verificaram-se em cinco membros do grupo que recebeu doses de 25 microgramas, 10 entre as pessoas que receberam doses de 100 microgramas e oito do grupo que recebeu a dosagem mais alta, de 250 microgramas. Nenhum dos voluntários registou febre após a primeira vacinação, mas 14 deles (nenhum dos quais pertenciam ao grupo da dosagem mais baixa) queixaram-se de febre alta. Um desses casos foi considerado “grave” — uma pessoa que recebeu 250 microgramas da vacina e que registou 39,6 ºC de temperatura corporal. Mais de metade dos participantes queixou-se de dor no local da injeção, fadiga, arrepios, dores de cabeça e mialgia, mas sempre de forma leve ou moderada.
Quanto à vacina da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, um pequeno artigo publicado em julho no The Lancet Journal sinaliza efeitos secundários semelhantes após a sua administração. Na experiência com 1.077 voluntários, com 18 a 55 anos e vacinados com doses de 5×1010 partículas virais, descobriu-se que as reações “sistémicas e locais” eram comuns, incluindo dor no local da injeção, febre, arrepios, dores musculares, dores de cabeça e prostração. No entanto, não foram identificados efeitos secundários adversos e todos estes problemas foram atenuados com medicação à base de paracetamol.
Devo preocupar-me caso sinta algum desses efeitos?
Se forem efeitos secundários considerados ligeiros e comuns, não. Henrique Veiga Fernandes esclareceu ao Observador que estes sintomas são “o nosso sistema imunitário a reagir de forma bastante robusta à vacina” e, desse ponto de vista, “são um sinal positivo”. O mais normal é que estes efeitos secundários desapareçam ao fim de poucas horas ou, em casos mais raros, poucos dias.
Estes efeitos secundários não são exclusivos desta vacina e podem surgir ao tomar outros medicamentos. Por exemplo, o folheto informativo do Ben-U-Ron — o famoso remédio à base de paracetamol que alivia a dor e diminui a febre — avisa que uma em cada 10 pessoas pode sentir sonolência ligeira, náuseas e vómitos. Entre os efeitos secundários pouco frequentes (afetam uma em cada 100 pessoas) estão vertigens, sonolência, nervosismo, sensação de ardor na garganta, diarreia, dor abdominal — incluindo cãibras e ardor —, prisão de ventre, dor de cabeça, aumento da transpiração e a diminuição excessiva da temperatura corporal.
Uma em cada mil pessoas reporta ainda um aumento de algumas enzimas do fígado e vermelhidão na pele após a ingestão de um compromido Ben-U-Ron. Os casos ainda mais raros, que afetam uma em cada 10 mil pessoas, incluem perturbações da formação do sangue (incluindo a diminuição do número de plaquetas e glóbulos brancos), dificuldade respiratória, reações alérgicas e reações cutâneas graves.
Mas atenção: como pode demorar um mês até que a vacina surta um efeito realmente protetor contra o novo coronavírus, e haverá mesmo casos onde a vacina não vai sequer conferir qualquer proteção contra o vírus, quaisquer sintomas que possam indicar um caso de Covid-19 devem ser reportados à Linha de Saúde 24, mesmo se já estiver vacinado. Ou seja, é possível ser infetado pelo SARS-CoV-2 entre as duas doses da vacina ou após a administração da segunda dose e deve comportar-se como antes de ser vacinado: reportar qualquer sintoma de contágio; e não dar como garantido que está protegido.
Há alguma contraindicação para a vacinação contra a Covid-19?
No Reino Unido, sim. O folheto informativo da Pfizer e da BioNTech contra a Covid-19 avisa agora que a vacina “não pode ser administrada se é alérgico à substância ativa ou a qualquer outro ingrediente deste medicamento” — a saber, colesterol, cloreto de potássio, fosfato monopotássico, sal de culinária, fosfato dissódico, sacarose, dois tipos de lípidos (ALC-0315 e ALC-0159) e um tipo de fosfolípido. Isso é, de resto, comum em todos os medicamentos.
De acordo com a bula, “os sinais de uma reação alérgica podem incluir erupção cutânea com comichão, falta de ar e inchaço do rosto ou da língua”. As indicações foram acrescentadas pelas autoridades de saúde britânicas depois de dois profissionais de saúde vacinados com a solução da Pfizer e da BioNTech terem necessitado de atendimento hospitalar precisamente por causa de uma reação alérgica imediatamente após a toma da vacina. Ambos sofriam de alergias graves e transportavam consigo injetores de adrenalina próprios para quem tem este tipo de problemas.
O documento também avisa que quem está doente com febre alta, tem o sistema imunitário enfraquecido (por causa de uma doença crónica ou de algum medicamento) e quem sofre de problemas de circulação sanguínea, faz nódoas negras com facilidade ou toma medicamentos para inibir a coagulação do sangue deve procurar aconselhamento médico antes de levar esta vacina. E avisa que, por causa do conhecimento científico limitado que ainda existe sobre ela, as mulheres não devem engravidar até dois meses depois de serem vacinadas. Quem já está grávida ou a amamentar deve procurar aconselhamento médico antes de levar a vacina.
As crianças devem ou não ser vacinadas?
A decisão de recomendar ou não a vacina contra a Covid-19 às crianças caberá sempre à Agência Europeia do Medicamento (EMA), após analisar os dados científicos produzidos nos ensaios clínicos. Mas a task force criada para elaborar o plano de vacinação contra a Covid-19 em Portugal acredita que, pelo menos por enquanto, nem as crianças, nem as grávidas devem ser vacinadas contra o novo coronavírus. Não há dados científicos que confirmem a segurança e a eficácia da vacina nesses grupos.
Esta também foi a posição adotada pelas autoridades de saúde britânicas. O Comité Consultivo de Vacinação e Imunização considerou a 3 de dezembro que “não há dados sobre a segurança das vacinas da Covid-19 na gravidez, tanto nos estudos em humanos como em animais”, por isso nem sequer aconselha a vacinação às mulheres que pretendem engravidar nos três meses seguintes à data a serem vacinadas. Em novembro, a Public Health England já tinha anunciado: “Não há evidências suficientes para recomendar o uso rotineiro de vacinas contra a Covid-19 durante a gravidez“.
Falta de abraços, de empatia e do exterior. Como vai crescer esta “geração Covid”?
A falta de evidência científica também é o motivo pelo qual não se pretende vacinar a generalidade das crianças. No mesmo documento, o comité britânico argumentou que, como quase todas as crianças têm uma infeção assintomática ou uma doença leve, e visto que os dados nos mais novos são “inexistentes” ou “muito limitados”, “apenas as crianças com alto risco de exposição e resultados graves, como crianças mais velhas com neuro-deficiências graves que requerem cuidados residenciais, devem receber vacinação”.
Em Portugal, o plano de vacinação não abrange as crianças, nem mesmo as que têm doenças de risco. As próprias farmacêuticas estão cientes da falta de dados sobre a eficácia e a segurança das vacinas em crianças, grávidas e adolescentes. É por isso que a Moderna iniciou na quinta-feira da semana passada um ensaio clínico de fase dois/três dirigida a indivíduos com entre 12 e 17 anos. Também a Pfizer se está a preparar para um estudo especialmente dirigido a crianças, indicou a farmacêutica ao Observador.
A vacina pode afetar outras doenças crónicas?
As autoridades de saúde portuguesas identificaram três grupos de risco para a Covid-19: as pessoas com 65 anos ou mais, quem sofre de doenças crónicas — cardíacas, pulmonares, oncológicas, hipertensão arterial e diabetes, por exemplo — e que têm o sistema imunitário comprometido — como doentes em tratamentos de quimioterapia, em tratamentos para doenças autoimunes (nomeadamente artrite reumatoide, lúpus, esclerose múltipla ou algumas doenças inflamatórias do intestino), infetados com o vírus da sida e transplantados.
No entanto, estas não são as primeiras pessoas que receberão a vacina contra a Covid-19, nem as que estarão no primeiro grupo prioritário. Marta Temido anunciou que, numa primeira fase, com um número muito limitado de vacinas entregues a Portugal ainda este ano, estas doses seriam administradas aos profissionais de saúde que estão na primeira linha no combate à Covid-19.
O plano de vacinação coloca depois na segunda linha desta primeira fase da vacinação os profissionais e residentes de lares e instituições similares e os profissionais e internados em unidades de cuidados continuados; os profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes, profissionais das forças armadas, forças de segurança e serviços críticos; e as pessoas com 50 ou mais anos que tenham insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal, doença respiratória crónica sob suporte ventilatório e/ou oxigenoterapia de longa duração.
Ou seja, as pessoas com o sistema imunitário comprometido e algumas das que sofrem com doenças crónicas foram remetidas para a segunda ou terceira fases da vacinação, dependendo sobretudo da idade que tenham.
O motivo é o mesmo que leva as autoridades de saúde e as farmacêuticas a desanconselhar a vacinação das crianças e das grávidas: não há evidências científicas sobre a eficácia e a segurança da vacina nas pessoas com estas condições de saúde. Tal como foi sublinhado pela Agência Europeia do Medicamento, as vacinas contra a Covid-19 só serão autorizadas nos casos em que os efeitos secundários e os riscos da sua administração forem inferiores aos potenciais danos provocados por uma infeção por SARS-CoV-2. Como não há estudos que se debrucem sobre cada um destes casos em particular, a incerteza mantém-se e aplica-se o princípio da precaução enquanto se espera por mais resultados científicos.
As contraindicações são normais nos medicamentos?
Sim, as contraindicações são comuns noutros fármacos também. Voltando ao exemplo do Ben-U-Ron, a bula indica que não deve tomar este medicamento quem tiver alergia ao paracetamol ou a qualquer outro componente deste medicamento, quem sofrer de doença grave do fígado ou se já estiver a tomar outros medicamentos com paracetamol.
O mesmo documento também deixa outras advertências. Quem tem problemas nos rins ou no fígado, doença de Gilbert, deficiência da glucose-6-desidrogenase, anemia hemolítica e desidratação e malnutrição crónica, quem estiver a tomar noutros medicamentos que afetam o fígado ou sofrer de alcoolismo deve contactar um médico antes de tomar Ben-U-Ron. Apesar de todas estas advertências, este é um dos medicamentos mais procurados para diminuir a dor e a febre.
No caso das contraindicações para a vacina da Pfizer, as reações alérgicas exuberantes que se verificaram em dois profissionais de saúde britânicos vacinados apanharam as autoridades de saúde de surpresa, uma vez que nunca tinha sido relatado qualquer caso semelhante nos ensaios clínicos da Pfizer. No entanto, como a vacina contra a Covid-19 é muito recente, é expectável que o conhecimento sobre o efeito na população só comece a ser compreendido agora, à medida que os planos de vacinação arrancarem. Todos os casos adversos registados após a vacinação serão reportados às entidades reguladoras, que modificarão as bulas dos medicamentos e os conselhos sobre a sua utilização conforme receberem mais dados científicos.
Há medicamentos com muitos anos no mercado cujo folheto informativo continua a ser atualizado de acordo com a experiência dos pacientes que os tomam. Ainda hoje, décadas depois da introdução do Ben-U-Ron no mercado português, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) continua a solicitar aos utilizadores que reportem quaisquer efeitos secundários provocados por quem o toma. A ideia é “ajudar a fornecer mais informações sobre a segurança deste medicamento”, pode ler-se na bula. O mesmo será feito com a vacina contra a Covid-19.
De quem é a responsabilidade se tiver uma reação adversa?
A Direção-Geral da Saúde não respondeu ao Observador sobre esta questão. Segundo avançou o Financial Times, o lobby da indústria farmacêutica Vaccine Europe, uma divisão da Federação Europeia das Indústrias Farmacêuticas e Associações de que a AstraZeneca faz parte, tem pressionado a Comissão Europeia para que os membros do grupo fiquem isentos de responsabilidades caso se abram processos relacionados com as vacinas.
Um memorando interno a que o Financial Times teve acesso argumenta que “a velocidade e a escala do desenvolvimento e dos resultados significa que é impossível gerar o mesmo volume de provas subjacente que normalmente seriam disponibilizadas através de testes clínicos profundos e de cuidados de saúde com experiência acumulada”. Os riscos da vacinação são “inevitáveis” por causa da rapidez com que estas vacinas foram desenvolvidas (nunca antes alguma tinha demorado tão pouco tempo a ser criada), por isso, defendem, tem de se estabelecer “um sistema compreensivo relativamente a falhas zero e isenções em processos civis”.
Como saberei que chegou a minha vez de ser vacinado?
De acordo com os detalhes do plano de vacinação publicados na última quinta-feira, os centros de saúde vão enviar um SMS a convocar os utentes para receberem a vacina contra o novo coronavírus.
Se o utente não responder a essa mensagem, os centros de saúde tentam entrar em contacto com por outras vias. Caso responda “NÃO”, o processo pára e ele não receberá a vacina; se responder “SIM”, o centro de saúde agenda uma consulta para a vacinação e informa-o, novamente por mensagem, da hora, data e local. Se responder “NÃO” a esse segundo SMS, o centro de saúde contacta-lo-á por outras vias para chegar a uma nova data.
Como é que se confirma a segurança e eficácia da vacina?
A verificação da segurança e eficácia das vacinas começa nos ensaios clínicos, que devem envolver dezenas de milhares de voluntários. O conjunto de participantes nestes ensaios clínicos deve representar o melhor possível a generalidade da população à qual o medicamento poderá vir a ser aplicado.
Uma das instituições envolvidas na confirmação da segurança e eficácia das vacinas é a Organização Mundial de Saúde (OMS), através de uma revisão independente feita pelo Comité Consultivo Global sobre Segurança de Vacinas das evidências científicas recolhidas nos ensaios clínicos. Neste esforço participam também as entidades do país onde a vacina está a ser desenvolvida e fabricada.
Primeiro, um painel externo de especialistas analisa os dados científicos ao detalhe, estudando o efeito da vacina em função dos grupos etários, grupos étnicos e sexo, por exemplo. Depois, os especialistas redigem um relatório onde justificam a aprovação ou a rejeição do fármaco e enviam o parecer à Organização Mundial de Saúde. A seguir, a OMS distribui esse parecer às restantes autoridades de saúde, que emitem as suas próprias decisões de acordo com a recomendação daquela organização.
A Agência Europeia do Medicamento também tem o dever de analisar esses dados científicos para confirmar a segurança e eficácia de um fármaco antes de ele entrar no mercado. Mesmo que se verifique a validade científica dos dados recolhidos nos ensaios clínicos, as vacinas contra a Covid-19 só serão aprovadas pela agência se a proteção que conferirem contra o SARS-CoV-2 for maior do que os potenciais riscos e efeitos secundários provocados por elas.
O primeiro passo é a submissão de um pedido de autorização para comercialização por parte dos criadores das vacinas, que devem enviar para a Agência Europeia do Medicamento todos os dados científicos de todos os ensaios clínicos e todas as investigações em torno dos fármacos. Os peritos da agência, através do Comité de Medicamentos para Uso Humano e do Comité de Comité de Avaliação do Risco em Farmacovigilância são responsáveis pela avaliação científica das vacinas.
No caso da Covid-19, a equipa também é composta por uma task force da Agência Europeia do Medicamento especialmente dedicada à pandemia. O objetivo deste órgão é apoiar os comités na avaliação dos fármacos, mas também garantir que os Estados-membro e a própria Comissão Europeia “tomam decisões de regulação céleres e coordenadas”, tanto no desenvolvimento das vacinas, como na autorização e na monitorização da segurança delas. Após o parecer destas equipas, cabe à Comissão Europeia rever a opinião científica dos peritos e, perante um parecer positivo dos especialistas, aprovar a comercialização das vacinas em toda a União Europeia.
Todo este processo costuma demorar até 210 dias úteis, mas a urgência em controlar a pandemia de Covid-19 levou a Agência Europeia do Medicamento a encurtar o prazo para 150 dias úteis. A última palavra é, no entanto, das autoridades de saúde nacionais. Tendo em conta as opiniões da Organização Mundial de Saúde e da Agência Europeia do Medicamento, as entidades de cada país decidem se as vacinas podem ou não entrar no mercado nacional, as circunstâncias em que o podem fazer e se devem ou não ser introduzidas nos sistemas nacionais de saúde.
Mesmo depois do início da vacinação, a Agência Europeia do Medicamento mantém-se vigilante através de um sistema de avaliação de risco que recebe relatos de possíveis efeitos secundários, emite comunicados sobre cuidados a ter antes, durante e após a administração da vacina, conduz avaliações científicas rigorosas de todos os dados de segurança, realiza estudos para averiguar a segurança e eficácia da vacina após a sua comercialização e, se necessário, implementa ações de mitigação.
O próprio governo também está a gizar um plano para monitorizar a efetividade e a segurança da vacina da Pfizer, que implica o acompanhamento de quem apanhou a vacina e de quem se recusou a tomá-la. A ideia é estimar a “efetividade da vacina por idade, sexo e patologia”, mas também em função das “características genéticas dos indivíduos vacinados”. Quanto à segurança da vacina, o governo tenciona fazer uma monitorização dos dados de exposição e dos acontecimentos adversos.
Porque é que são precisas duas doses?
Entre as principais vacinas em desenvolvimento contra a Covid-19, apenas a solução da Johnson&Johnson não necessita da administração de uma segunda dose. É assim porque, por causa do modo de funcionamento das vacinas da Moderna, AstraZeneca e Pfizer, a primeira dose serve apenas como que para uma estimulação inicial do sistema imunitário. Se não tomar a segunda dose da vacina, não há garantias de que o organismo fique realmente protegido contra o vírus.
Nas três a quatro semanas depois da administração da primeira dose, os glóbulos brancos reagem de forma marcada à invasão e ativam-se células do sistema imunitário que, durante um mês, continuam em circulação em ações específicos contra a proteína do vírus a que o organismo foi exposto.
No entanto, essa é uma resposta de curta duração, explica Henrique Veiga Fernandes. Com a segunda dose da vacina, não só se aumenta a quantidade destas células em circulação no sangue — as mesmas que, perante uma infeção real por um agente patogénico, saberão imediatamente como atacar porque têm memória da primeira invasão — como a resposta delas se torna mais específica e eficiente.
O regime em duas doses não é exclusivo da vacinação contra a Covid-19. Quando a vacina contra o vírus do papiloma humano foi introduzida no Programa Nacional de Vacinação, em 2009, as raparigas nascidas entre 1992 e 1994 receberam duas doses. No esquema de vacinação contra o sarampo, as pessoas com menos de 18 anos recebem duas doses — uma aos 12 meses e outra aos cinco anos. Os profissionais de saúde também são inoculados em duas doses contra o sarampo, com uma diferença de pelo menos quatro semanas entre elas.
A vacina da Johnson&Johnson dispensa este regime de dupla dosagem porque tem uma formulação que garante uma estimulação suficientemente robusta para o sistema imunitário reagir ao agente patogénico com uma única dose. No entanto, há poucas informações sobre a eficácia e a segurança demonstradas por este fármaco nos ensaios clínicos. Paul Stoffler, diretor científico da farmacêutica, apontou o fim de janeiro como a altura em que se saberá mais sobre os resultados dos testes à sua vacina.
Tomar mais do que uma vacina garante mais imunidade?
Não. O importante é cumprir totalmente o protocolo de vacinação e receber as duas doses da vacina com o intervalo decretado pelas farmacêuticas que a criaram. No caso da vacina da Pfizer com a BioNTech, assim como na vacina criada pela AstraZeneca com a Universidade de Oxford, a segunda dose deve ser administrada 21 dias depois da primeira. No caso da Moderna, as duas doses devem ser injetadas com uma diferença de 28 dias.
Mas de nada vale tomar várias doses de vacinas diferentes. Como veremos mais à frente, todas elas mimetizam uma infeção pelo novo coronavírus ao induzir uma resposta imunitária contra a mesma proteína do SARS-CoV-2 — a proteína S, que fica na superfície do vírus e que, depois de se unir ao recetor ACE2, uma enzima na membrana celular, consegue infetar o organismo. Por isso, segundo o imunologista Henrique Veiga Fernandes, tomar mais do que uma vacina seria redundante.
Além disso, receber uma maior quantidade de uma vacina não significa necessariamente a estimulação de uma resposta imunitária mais robusta e eficaz contra o novo coronavírus. Quando um erro de fabrico levou alguns voluntários dos ensaios clínicos da AstraZeneca a receber quantidades inferiores da primeira dose, foi precisamente em quem tinha recebido menos quantidades que a eficácia pareceu superior.
Embora o motivo possa ser o facto de, por coincidência, haver mais jovens do que idosos nesse grupo — o que provocaria um artifício estatístico porque os jovens tendem a ter um sistema imunitário mais responsivo à medicação —, também é possível que, sem querer, a AstraZeneca tenha simplesmente encontrado a dose “ideal” da vacina. Foi Sarah Gilbert, uma das cientistas envolvidas na investigação, que levantou essa hipótese à época: “Nem a menos, nem a mais. Quer-se a quantidade certa e é um pouco tentativa e erro”.
Pfizer só vai conseguir fornecer metade do que tinha prometido até ao final do ano
Posso escolher a marca da vacina que vou tomar?
Não. De acordo com a Direção-Geral da Saúde, a informação científica sobre o efeito das vacinas em pessoas com determinadas características ainda é escassa. Por isso, mesmo que se venha a determinar que uma vacina é mais indicada para um determinado grupo do que para outro, não se poderá escolher a marca que se vai tomar.
Ao Observador, a DGS respondeu: “Presentemente, não existe informação científica suficiente que permita considerar que uma vacina é mais apropriada a uma determinada pessoa que a outra, qualquer que seja o sentido de ‘melhor’“. Por isso, não haverá neste momento diferenças.
Com o tempo, podem vir a ser descobertas vacinas com características mais adequadas a idosos ou a crianças, por exemplo, ou mais eficazes em certas doenças do que noutras. Mas ainda é muito cedo e não foram feitos testes específicos para qualquer caso concreto.
Como é que funcionam as vacinas no organismo?
A vacina desenvolvida pela Pfizer com a BioNTech (BNT162b2), a inventada pela Moderna (mRNA-1273) e a da CureVac baseiam-se em princípios semelhantes e utilizam a informação genética do novo coronavírus referente à proteína S, os espigões presentes na superfície do SARS-CoV-2 e que permitem a entrada nas células humanas quando se encaixam nos recetores ACE2.
A vacina utiliza uma molécula de ARN mensageiro — ferramenta baseada na informação genética do vírus e que as células utilizam para produzir proteínas — encapsulada numa bolha de lípidos para não ser destruída pelas enzimas do corpo humano. Como estas moléculas e os lípidos são extremamente sensíveis ao calor, a vacina da Pfizer precisa de ser guardada em contentores com gelo seco a -70ºC e sensores térmicos. A vacina da Moderna exige temperaturas um pouco menos frias mas, ainda assim, gélidas: -20ºC.
Nestes casos, após a administração das vacinas, as bolhas lipídicas carregam o material genético do vírus com as membranas celulares e libertam o ARN mensageiro no interior. Depois, a maquinaria das células vai ler e cumprir as instruções transportadas na molécula genética, começando a produzir a proteína S. As proteínas — ou os fragmentos delas — migram então para a superfície das células para serem reconhecidas pelo sistema imunitário. No fundo, a vacina mimetiza o que acontece às células quando são efetivamente infetadas pelo SARS-CoV-2.
A vacina desenvolvida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (ChAdOx1-S) e a da Johnson&Johnson utilizam uma tecnologia completamente diferente, semelhante a uma estratégia Cavalo de Tróia. Enquanto a AstraZeneca utiliza um adenovírus de chimpanzé para incluir o gene que transporta a informação sobre a proteína S, a Johnson&Johnson faz o mesmo com um adenovírus humano. Mas tanto num caso como no outro, os vírus foram geneticamente alterados para evitar que se proliferem no organismo e para garantir que não causam qualquer doença ao paciente.
Tal como acontece com a vacina da Pfizer e da Moderna, as células também produzem a proteína S e passam a exibi-las à superfície. Quando uma dessas células morre, as proteínas S são absorvidas pelas células de apresentação de antigénios — um mecanismo que o sistema imunitário utiliza para que, no futuro, perante uma nova invasão, o organismo reconheça o agente patogénico e seja mais célere e eficaz a contra-atacar. Enquanto os linfócitos T auxiliares detetam os fragmentos da proteína S e recrutam outras células do sistema imunitário para atacar a infeção, os linfócitos B ligam-se a essas proteínas e libertam anticorpos contra elas.
Assim, quando uma pessoa vacinada volta a estar exposta ao SARS-CoV-2, os anticorpos prendem-se às proteínas S do novo coronavírus e impedem que elas se unam aos recetores ACE2 das células humanas. Desta forma, não só previnem a infeção pelo novo coronavírus, como promovem a destruição do agente patogénico que entrou no organismo. Também são recrutados os chamados linfócito NKT, que matam as células onde o vírus tenha conseguido entrar.
Segundo o imunologista Henrique Veiga Fernandes, a maior parte dos voluntários nos ensaios clínicos estabeleceram uma resposta imunitária robusta contra o novo coronavírus três a quatro semanas após a vacinação.
O que revelaram os ensaios clínicos das vacinas?
O comunicado de imprensa publicado pela Pfizer a 18 de novembro indica que, de acordo com os dados recolhidos ao longo da terceira fase dos ensaios clínicos, a vacina demonstrou uma taxa de eficácia de 95%. O ensaio da Pfizer incluiu quase 43.661 mil voluntários, metade dos quais receberam a vacina e a outra metade levou uma injeção de placebo. Dos 170 casos de infeção pelo novo coronavírus entre os voluntários que participaram no estudo, 162 infeções ocorreram em pessoas que receberam placebo e oito em pessoas que receberam a vacina. Houve dez casos graves de Covid-19 entre os participantes no ensaio clínico, mas apenas um tinha recebido a vacina real.
Dois dias antes, a Moderna já tinha emitido um comunicado que anunciava uma eficácia de 94,5% da vacina desenvolvida por aquela farmacêutica. O ensaio clínico de fase três da Moderna envolveu a participação de mais de 30 mil norte-americanos, todos eles com mais de 18 anos, mas dos 95 casos que participaram neste estudo preliminar, 90 tinham recebido o placebo e apenas cinco tinha recebido efetivamente a vacina. Todos os 11 casos graves de Covid-19 identificados nesse grupo tinham recebido o placebo, não a vacina verdadeira.
Regulador norte-americano confirma eficácia e segurança da vacina da Pfizer
A 23 de novembro, a Universidade de Oxford e a AstraZeneca anunciaram uma eficácia média de 70,4% na vacina desenvolvida pelo consórcio contra a Covid-19. Vinte e quatro mil pessoas participaram neste estudo. Entre os voluntários que receberam as duas doses completas da vacina, a eficácia ficou-se pelos 62%, mas quem recebeu meia dose numa primeira fase e uma dose completa depois (algo que ocorreu por causa de um erro de fabrico), a eficácia disparou para os 90%. Isto pode ocorrer por um mero artifício estatístico, uma vez que o grupo com menor eficácia tinha mais pessoas idosas, ou seja, com um sistema imunitário menos robusto; ou pode ter ocorrido por uma dose menor da vacina ser a ideal para estimular uma resposta imunitária melhor contra o novo coronavírus.
Porque é que os dados científicos ainda não foram publicados?
A Pfizer e a BioNTech só publicaram esta quinta-feira os resultados finais da terceira fase dos ensaios clínicos sobre a eficácia e segurança da vacina no New England Journal of Medicine, já revistos pelos pares. A experiência envolveu a participação de 43.446 pessoas, todas elas com mais de 16 anos. Desta amostra, 21.720 voluntários receberam efetivamente a vacina, enquanto 21.728 receberam o placebo. A administração da vacina real em duas doses demonstrou uma eficácia de 95% e uma segurança “similar à de outras vacinas contra vírus”.
Enquanto os ensaios clínicos decorrem, a Universidade de Oxford e a AstraZeneca têm publicado resultados preliminares no The Lancet Journal — como este em julho e este a 8 de dezembro, o primeiro revisto pelos pares. Este último confirma aquilo que o consórcio já tinha afirmado em comunicado de imprensa: a eficácia da vacina pode ascender até aos 90%, mas em média ficou-se pelos 70,4 % nos ensaios clínicos. Quanto à segurança, não houve nenhuma hospitalização ou doença grave entre as pessoas vacinados.
Após a descoberta de que alguns dos voluntários nos ensaios clínicos da AstraZeneca tinham recebido acidentalmente doses inferiores ao determinado inicialmente, Menelaos Pangalos,vice-presidente executivo da empresa, foi questionado sobre porque é que estes resultados científicos não foram anunciados antes. E respondeu: “Acho que a melhor maneira de refletir os resultados é numa revista científica com revisão dos pares, não num jornal”.
A Moderna continua sem publicar resultados revistos pelos pares, encaminhando os dados científicos apenas para as entidades reguladoras (não para a restante comunidade científica) e fazendo-se valer de comunicados de imprensa para transmitir informações à população. O último foi publicado esta quinta-feira e dá conta das primeiras inoculações com a vacina contra a Covid-19 num estudo de fase dois/três em adolescentes com entre 12 e 17 anos. A Johnson&Johnson conta ter os resultados dos testes à vacina só no fim de janeiro.
Ou seja, apesar da publicação destes comunicados de imprensa, os dados científicos de algumas farmacêuticas só foram tornados públicos ao longo desta semana. Ainda assim, em todos os passos dos ensaios clínicos, os dados têm sido reportados às autoridades de saúde responsáveis pela monitorização dos estudos, daí que alguns deles tenham sido temporariamente suspensos após a identificação de eventuais problemas de segurança com o fármaco — que nunca se verificaram.
O motivo da demora? Por um lado, a aceleração do processo científico, que obrigou as farmacêuticas a preferirem investir mais tempo nos ensaios clínicos do que na publicação precoce dos resultados fora dos círculos obrigatórios. Por outro, o próprio método científico, que exige uma revisão independente dos dados por outros cientistas que não estiveram envolvidos nesses ensaios clínicos.
As pessoas vacinadas podem desenvolver Covid-19?
Sim. Como nenhuma vacina é 100% eficaz, é possível que algumas pessoas vacinadas contra a Covid-19 não fiquem protegidas contra o novo coronavírus. É o que acontece também com outras vacinas: a eficácia da vacina gripe varia de ano para ano e, na época de 2020/2021, não ultrapassará os 50%. Em 2018/2019, ficou-se pelos 20%.
No entanto, e à semelhança do que acontece no caso das vacinas para outras patologias, os ensaios clínicos têm revelado que, mesmo quem acaba infetado pelo novo coronavírus apesar de ter sido vacinado contra ele, tende a ser assintomático ou a não desenvolver quadros clínicos graves de Covid-19. Ou seja, embora as farmacêuticas não possam afirmar (porque não há dados científicos que o sustentem) que a vacina evita a infeção pelo novo coronavírus, têm evidências de que elas podem evitar quadros severos da doença.
Quem já teve ou tem Covid-19 vai ser vacinado?
Sim. Os detalhes do novo plano de vacinação indicam que as pessoas que já estiveram infetadas pelo novo coronavírus, tenham desenvolvido sintomas de Covid-19 ou não, serão igualmente vacinadas porque o governo não fará essa monitorização.
Em países como nos Estados Unidos, por exemplo, mesmo as pessoas que já estiveram infetadas pelo novo coronavírus vão ser vacinadas por precaução: como não se sabe quanto tempo pode durar a proteção desenvolvida após uma infeção pelo SARS-CoV-2, as autoridades de saúde norte-americanas consideraram que o melhor era vacinar.
Por cá, Henrique Veiga Fernandes considera que, perante a falta de vacinas que se espera ao longo do próximo ano, seria mais sensato adiar a vacinação de quem já recuperou de uma infeção pelo novo coronavírus e, à conta disso, e tendo em conta os estudos científicos em torno desta matéria, já tem algum grau de imunidade contra o vírus. O melhor era passar a vez a quem não tem nenhum tipo de proteção e está mais suscetível a desenvolver doença grave.
Os ensaios clínicos da Pfizer incluíram a vacinação em pessoas que sabem já ter estado infetadas pelo novo coronavírus, mas os resultados ainda não foram publicados nem comunicados pela assessoria da farmacêutica. No entanto, tendo em conta que entre as dezenas de milhares de pessoas incluídas no grupo que nunca teria estado infetada poderia já haver casos assintomáticos, isso sugere que a vacinação em pessoas infetadas não terá qualquer efeito negativo para a saúde.
Como nos vamos certificar que alguém não recebe mais do que uma vacina por engano?
A atualização do Plano de Vacinação contra a Covid-19, apresentado originalmente a 3 de dezembro, explica que o primeiro passo é a identificação dos utentes e a sua organização em função da prioridade em que devem receber a vacina. Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) irão disponibilizar aos Agrupamentos dos Centros de Saúde (ACES) uma lista de utentes identificados para a vacinação contra a Covid-19, com base em critérios definidos pela DGS, por fase e unidade de saúde.
De acordo com as informações disponibilizadas ao Observador por especialistas da task force, nem todos os centros de saúde irão administrar as vacinas da Pfizer por causa da organização logística que ela exige. E os utentes de Cuidados de Saúde Primários mais pequenas serão chamados para outros centros de saúde de maior dimensão na sua área geográfica.
O governo também está a “desenvolver um sistema de monitorização da administração das vacinas que estará interligado ao sistema de distribuição para gestão de stock e agendamentos”. Este sistema vai controlar a administração da vacina “por região, local, tipo de vacina”, entre outros parâmetros.
Quanto tempo dura a imunidade?
Não se sabe quanto tempo dura a proteção contra o novo coronavírus conferida através da vacina. No entanto, sabemos que a maior parte das pessoas que recuperaram após uma infeção pelo SARS-CoV-2 pode ficar imune ao vírus pelo menos durante oito meses. É isso que a comunidade científica está a observar nos primeiros doentes atingidos pela pandemia e só o tempo dirá durante quanto mais tempo terão essa imunidade.
Como os ensaios clínicos revelaram que as vacinas conseguem induzir uma resposta imunitária robusta e forte, os imunologistas acreditam que a proteção conferida por elas pode ser tão ou mais prolongada do que a desenvolvida na sequência de uma infeção natural por SARS-CoV-2. Numa carta ao editor publicada no The New England Journal of Medicine, a Moderna fez saber na semana passada que os voluntários que tinham recebido a vacina na primeira fase dos ensaios clínicos continuavam com níveis altos de anticorpos neutralizantes e de ligação ao fim de três meses.
Quem já foi vacinado fica livre das medidas de restrição?
Não, não basta ser vacinado contra a Covid-19 para não ter de cumprir as medidas de restrição impostas pelo Governo. A utilização de máscara em locais públicos continuará a ser obrigatória, a desinfeção regular das mãos continuará a ser importante, será necessário manter o distanciamento físico para evitar a propagação do vírus e, se houver recolhimento obrigatório nessa altura, terá de o cumprir.
É assim não só porque, como já foi explicado, uma pessoa vacinada poderá ainda assim ser infetada pelo novo coronavírus e desenvolver Covid-19, mas também porque, numa fase inicial, a percentagem de população vacinada será demasiado pequena para garantir que a propagação do SARS-CoV-2 terminou ou está sequer controlada.
Mais: “Desconhece-se ainda se estar vacinado impede a infeção assintomática”, sublinha a Direção-Geral da Saúde. Sabe-se que as vacinas são eficazes a evitar o desenvolvimento da doença provocada pelo novo coronavírus, mas não se sabe se protegem contra a própria infeção e a transmissão do agente patogénico por quem já as recebeu.
Henrique Veiga Fernandes acredita que, quando a população mais suscetível estiver vacinada, será possível aligeirar as medidas de contenção. No entanto, tal como Elisabete Ramos, presidente da Associação Portuguesa de Epidemiologia e investigadora no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, descreveu ao Observador, o impacto inicial da vacinação será “zero, absolutamente nada”.
Como a primeira fase da vacinação não incluirá os mais velhos que não estejam institucionalizados, assim como muitas pessoas com doenças de risco, continuará a ser necessário proteger essas pessoas mais vulneráveis. Mas à medida que cada vez mais pessoas forem vacinadas contra a Covid-19, menos restritivas se vão tornando as medidas para a contenção do vírus, que vai encontrar mais dificuldades em circular na comunidade. Em qualquer caso, essas medidas não serão diferentes para quem já recebeu a vacina, frisou a DGS.
Quantas pessoas são precisas para a imunidade de grupo?
Esta é uma pergunta com rasteira. A maior parte dos membros da comunidade científica concorda que a imunidade de grupo para a Covid-19 atinge-se quando 60% a 70% da população estiver protegida contra o novo coronavírus — seja porque já esteve infetada e recuperou ou graças à vacina. No entanto, não basta que 60% a 70% da população tenha sido vacinada ou recuperado da infeção para estar protegido contra o SARS-CoV-2: como a eficácia da vacina não é de 100%, é preciso que um número maior de portugueses esteja imune ao vírus.
Parte da população portuguesa já deve estar protegida contra o novo coronavírus — ou seja, mesmo que venha a contactar com o vírus novamente, pode não desenvolver a Covid-19. Segundo o relatório da Direção-Geral da Saúde publicado na última sexta-feira, 263.648 pessoas (2,6% da população portuguesa) já foram dadas como recuperadas da infeção e, portanto, poderão ter desenvolvido algum grau de imunidade que as protege de uma reinfeção nos próximos tempos.
No entanto, nada disto é garantido. Apenas se pode afirmar que Portugal atingiu os 60% a 70% de imunidade de grupo para a Covid-19 se essa for a percentagem da população que não pode ser reinfetada pelo novo coronavírus ou, no caso de ser, não o transmite a ninguém. “Se esse pressuposto não for válido, pode haver necessidade de imunizar uma percentagem muito superior”, avisou a DGS.
Como saberemos que a imunidade de grupo foi atingida?
Mesmo antes de se atingir a imunidade de grupo, vai haver um “declínio gradual dos indicadores da circulação do vírus”, do número de novos casos diários, ao grau de transmissibilidade (Rt), percentagem de testes positivos ou número de surtos. Como os voluntários dos ensaios clínicos vão continuar a ser monitorizados, isso também vai permitir perceber em que circunstâncias é que a vacina foi mais ou menos eficaz.
Mas Henrique Veiga Fernandes sublinha que o mais importante é diminuir o número de casos graves, os internamentos hospitalares e os casos letais, ou seja, o número de mortes. Mesmo com uma eficácia abaixo dos 100%, a vacina será uma ferramenta importante para diminuir a transmissão do vírus na comunidade, baixar o número de casos diários e reduzir a pressão sobre o Sistema Nacional de Saúde.
O novo coronavírus não vai desaparecer: vai continuar a circular na comunidade e a ser transmitido de pessoa para pessoa. Mas com a ativação do plano de vacinação, haverá menos casos graves de Covid-19 e também menos casos positivos diariamente. “Mesmo tendo o vírus a circular na comunidade, o impacto da doença grave será muitíssimo reduzido porque a população suscetível estará mais protegida“, resume o imunologista da Fundação Champalimaud.
O que acontece se me recusar a ser vacinado?
Nada. O plano de vacinação contra a Covid-19 apresentado pelas autoridades de saúde em Portugal determinou que ninguém será obrigado a receber a vacina contra o novo coronavírus. “Será obviamente uma vacinação gratuita, facultativa e a realizar no Serviço Nacional de Saúde”, disse Marta Temido, a ministra da Saúde, logo após a reunião entre vários membros do Governo e a task force da Direção-Geral da Saúde dedicada a delinear o plano.
Como saberemos se a epidemia está sob controlo?
Há três gráficos que os epidemiologistas mantêm debaixo de olho para perceber a evolução da epidemia: o número de novos casos diários de infeção pelo novo coronavírus, o número de óbitos por Covid-19 registados diariamente e o número de camas em internamento geral e em unidades de cuidados intensivos ocupadas por doentes com um quadro clínico mais grave. “Quando se observar que os novos casos de doença não originam transmissão sustentada da doença na comunidade”, a epidemia será dada como controlada, definiu a DGS.
A métrica que permite antecipar a evolução de todos estes gráficos é o risco de transmissão, que permite calcular quantas pessoas é que alguém infetado pelo novo coronavírus pode contagiar. Qualquer valor acima de 1 significa que a epidemia está em crescimento exponencial porque o número de novos casos vai subir diariamente, a ocupação de camas hospitalares também e, algum tempo depois, o número de mortos subirá. Qualquer valor abaixo de 1 significa que o número de novos casos (e, por consequência, de internamentos e de óbitos) está a baixar.
A introdução de novas medidas de contenção costuma ter um impacto nesses números: quanto mais eficaz forem as regras, mais o risco de transmissão diminui, como aconteceu com os recolhimentos obrigatórios nos fins de semana prolongados deste início de dezembro. O efeito da vacinação da população contra o novo coronavírus também deve ficar espelhado nos gráficos. Mas pode demorar até ao fim do próximo ano para se compreender quão grande e importante é esse efeito.
Miguel Castanho, investigador principal do Instituto de Medicina Molecular, já tinha explicado ao Observador que, iniciando o plano de vacinação em janeiro, o país poderá ter atingido os 60% a 70% de imunidade de grupo ao longo do próximo verão, se até lá não houver falta de fornecimento de vacinas nem qualquer impedimento na sua administração. No entanto, o mais provável é que o número de novos casos diários de infeção pelo novo coronavírus diminua também em função do tempo mais quente e seco — tal como acontece com outros vírus respiratórios.
Uma vida sem Covid-19? Só daqui a um ano poderemos (saber se vamos) regressar à normalidade
Por isso, enquanto a vacinação da população ocorrer, mesmo com a chegada à imunidade de grupo, não conseguiremos distinguir o efeito da vacinação com o efeito da sazonalidade. Só quando o tempo húmido e frio regressar — um ambiente em que o vírus tem mais facilidade em proliferar — é que poderemos comparar a situação epidemiológica nessa altura com a que se está a viver neste momento e descobrir se a vacina funcionou ou está a funcionar.
Qual é o preço de cada vacina?
De acordo com um artigo do Financial Times, cada vacina da AstraZeneca com a Universidade de Oxford custou três a quatro dólares (cerca de 2,50 a 3,30 euros) por dose à União Europeia. A vacina da Moderna é muito mais cara, segundo o mesmo jornal, citando “pessoas informadas sobre as negociações entre as farmacêuticas e a Comissão Europeia”: a farmacêutica norte-americana começou por pedir 100 dólares pelas duas doses da vacina, mas o preço baixou entretanto para entre 50 e 60 dólares (41,25 a 49,50 euros).
Quanto à vacina da Pfizer e da BioNTech, a primeira a chegar a Portugal, uma fonte da Comissão Europeia envolvida nas negociações disse à Reuters que cada dose custará menos de 16,50 euros — um preço mais modesto que o acordado com a Moderna por causa dos apoios financeiros prestados pela União Europeia no desenvolvimento dessa mesma vacina.
O preço muito mais reduzido da vacina da AstraZeneca deve-se ao facto de esta solução ter por base uma tecnologia mais simples que as restantes. É também por isso que não exige uma logística de transporte, armazenamento e distribuição tão complexa como as vacinas da Pfizer ou da Moderna, que precisam de ser corretamente acondicionadas em ambientes extremamente frios, de modo a preservar a substância ativa delas: parte do material genético do próprio vírus.
Em Portugal, a vacina será contudo gratuita para quem a quiser receber. Mas numa primeira fase apenas administrada no SNS.