Seis meses depois de ter ficado ao lado do PS mais vezes do que qualquer outro partido nas votações das propostas de alteração da maioria ao Orçamento do Estado para 2022, o Chega reviu a estratégia e desta vez já não lidera essa tabela. Nas votações das propostas de alteração do PS, foi o PSD que mais vezes se absteve e/ou votou a favor da viabilização das iniciativas socialistas — que não precisam de qualquer ajuda, já que a maioria é suficiente para aprovar ou travar o que entender.

Na intervenção final do debate, o líder parlamentar do PSD Joaquim Miranda Sarmento notou uma “maioria fechada sobre si própria, sem capacidade de diálogo”, contabilizando 97% das propostas da oposição chumbadas. A resposta do PSD, em relação às propostas do PS, foi diferente. Entre votos a favor e abstenções, os sociais-democratas estiveram 74 vezes ao lado dos socialistas (33 a favor e 41 abstenções). E são também os que menos vezes se opuseram às propostas de alteração apresentadas pelo PS, com apenas quatro votos contra.

O Observador contabilizou o sentido de voto de cada um dos partidos na especialidade em cada uma das votações em concreto nas propostas que foram aprovadas, incluindo as que foram pedidas votações desagregadas de algumas alíneas. Importa recordar, mesmo assim, que o Orçamento do Estado foi aprovado pela maioria socialista, apenas com abstenção de Inês Sousa Real e Rui Tavares — todos os outros deputados votaram contra.

Durante os vários dias de debate e votações na especialidade (e depois no debate de encerramento) a esquerda parlamentar centrou-se nas acusações ao PS por estar mais próximo da direita do que nunca. Estas contas mostram que o PSD foi o partido que mais alinhou com o PS.

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Os sociais-democratas só votaram contra quatro propostas de alteração do PS: municípios com mais tempo para poderem suspender autorizações de novos registos de alojamento local em áreas condicionadas; permitir o acesso ao Registo Central do Beneficiário Efetivo para efeitos tributários; agravar imposto para prédios urbanos ou frações autónomas destinadas à habitação em zonas de pressão urbanística que não se encontrem afetos a habitação própria e permanente; extinguir benefícios fiscais para contratos de arrendamento que acabem antes do previsto.

Ainda houve uma abstenção em que o PSD ficou isolado, com todos os partidos a votarem a favor da proposta socialista numa medida que pretende isentar de imposto selo as operações de reestruturação de crédito.

Voltando à tabela dos que mais estiveram ao lado do PS, o PSD é seguido pelo PAN, com 70 votações alinhadas (55 a favor e 15 abstenções) e logo depois o Livre com 67 viabilizações de propostas do PS (42 a favor e 25 abstenções). Logo a seguir a sociais-democratas, surgem, assim, os novos parceiros socialistas, os dois partidos que se abstiveram tanto na votação na generalidade como na final global do Orçamento do Estado para 2023.

São também os dois partidos (a seguir ao PSD) que menos vezes votaram contra propostas de alteração do PS: nove vezes o PAN e seis o Livre. Entre as votações que fizeram Rui Tavares opor-se ao PS estão duas relativas à Jornada Mundial da Juventude e às alterações propostas aos limites de dívida das autarquias envolvidas na organização. Depois também votou contra o enquadramento das criptomoedas, ao lado do Bloco de Esquerda — foram os dois únicos partidos a opor-se ao modelo proposto pelo PS.

Apesar da proximidade ao PS, evidenciada pelo número de vezes que votou favoravelmente propostas do partido da maioria, o PAN ainda ficou isolado no voto contra a aplicação do IVA reduzido às conservas à base de peixe e moluscos que tinha sido proposta pelos socialistas. por exemplo.

O Chega passou do primeiro lugar, no OE para 2022 aprovado em maio passado, para o quarto na tabela dos que mais vezes estiveram ao lado do PS, por 63 vezes. Mas o número de vezes que votou a favor de alterações propostas pelo PS foi muito inferior ao dessa altura, em que votou 51 vezes favoravelmente as iniciativas dessa autoria. Desta vez, o Chega expressou-se sobretudo através da abstenção (49 vezes) quando se deparou com alterações vindas dos socialistas.

É também o quarto que mais vezes votou contra propostas do PS. Neste quadro, o líder é a Iniciativa Liberal, tal como já tinha acontecido em maio, com 33 oposições a propostas socialistas. Logo seguido de um curioso empate: os dois principais parceiros da era da “geringonça”, PCP e Bloco de Esquerda, votaram, cada um, 18 vezes contra iniciativas vindas do PS.

Comunistas e bloquistas marcam, assim, um distanciamento face ao passado recente, que já tinha ficado visível nas intervenções políticas no plenário, onde se multiplicaram as acusações de aproximação do PS à direita e até (vindas de ambas as bancadas) a crítica de o PS ter promovido a “a maior transferência de rendimentos do trabalho para o capital do milénio”.

Os dois partidos ficaram também longe do PS nas viabilizações, pelo menos mais distantes do que todos os outros. O PCP votou a favor ou absteve-se em 61 propostas do PS e o Bloco em 56, foi o último da lista logo a seguir à Iniciativa Liberal.

PAN aprova PSD mas não é correspondido. Oposição consegue estudos e análises

Num cenário de maioria absoluta, todas as propostas da oposição que foram aprovadas tiveram, necessariamente, de contar com o voto favorável do PS – o que significa, analisando todas as 73 propostas da oposição aprovadas (contando com todas as alíneas que propuseram, e conseguiram, mudar) que o PS deixou passar uma variedade de estudos, grupos de trabalho e análises, muitas vezes com uma concretização pouco definida.

Os campeões das aprovações são os novos aliados, PAN e Livre, com respetivamente 28 e 26 propostas aprovadas. Curiosamente, o partido de Inês Sousa Real, que esteve quase sempre ao lado do PSD quando este conseguiu aprovar propostas, não recebeu a mesma atenção de volta: os sociais democratas não votaram uma única vez a favor das propostas do PAN, o partido que se diz equidistante entre PS e PSD, e optaram sempre pela abstenção ou pelo voto contra.

Por outro lado, e se o PAN diz não ser nem de esquerda nem de direita, o registo dos seus votos aponta noutro sentido: tanto Bloco de Esquerda como Livre estiveram sempre ou quase sempre ao lado do PAN (o Bloco absteve-se uma vez, o Livre votou sempre favoravelmente). A maior adversária do PAN foi mesmo a direita.

E foi com este quadro, e com um PS a querer mostrar-se especialmente disponível para aprovar propostas da oposição e mostrar capacidade de diálogo, que o PAN foi conseguindo aprovar as suas propostas, da quase unanimidade na estratégia para a proteção e despoluição do rio Paiva à votação caótica sobre um grupo de trabalho para a conservação de tubarões e raias, mas também com propostas repescadas do ano passado (o cheque livro ou o atlas de risco para as alterações climáticas) e propostas-bandeira (o alargamento da tarifa social da energia ou a baixa do IVA das bicicletas).

O Livre segue o PAN de perto em número de aprovações, contando com muito mais simpatia da direita – o PSD só votou contra as suas propostas aprovadas uma vez; o Chega é o que se opôs mais vezes (oito) – e ainda mais de Bloco de Esquerda e PAN.

Chegou à unanimidade em casos muito específicos, como quando propôs um estudo para a “viabilidade técnica e financeira da implementação de um regime de comparticipação especial dos encargos com nutrição entérica e parentérica fora do contexto hospitalar”, ou uma atualização do portal da queixa eletrónica, ou uma atualização do plano de alojamento para estudantes – não exatamente propostas de grande monta em termos de despesa. A isto juntaram-se mais estudos, sobre poluição luminosa ou o impacto da menstruação, e algumas bandeiras (como o passe ferroviário nacional).

Fora os casos destes dois partidos, contam-se pelos dedos de duas mãos as propostas que todas as outras bancadas conseguiram fazer aprovar. O PSD fez passar sete, mostrando-se sobretudo em sintonia com o Chega, que as aprovou todas – a IL viabilizou todas, mas em três optou pela abstenção. De resto, o PAN votou favoravelmente quase todas (menos uma) e a esquerda mostrou-se mais dividida.

Em dois casos, o PSD conseguiu a unanimidade: numa proposta parcialmente aprovada sobre o combate ao tráfico humano e outra sobre o combate à violência contra idosos – incluindo termos vagos como “melhorar”, “promover esforços” ou fazer “ações de sensibilização”, ideias com que todos os partidos se mostraram de acordo e que dificilmente terão algum impacto nas contas públicas.

O Bloco de Esquerda conseguiu aprovar mais do que a proposta e meia do ano passado, inscrevendo desta vez seis propostas suas (algumas parcialmente) no Orçamento e contando sempre com PCP, PAN e Livre para isso – PSD e Chega foram os seus maiores opositores. Foi assim que conseguiram uma promessa do Governo de rever as taxas de retenção para trabalhadores independentes.

Já o PCP convenceu quase sempre todos os partidos com as suas propostas, exceto a Iniciativa Liberal, que por várias vezes furou a quase unanimidade, e o PSD, que votou contra uma delas. De resto, os comunistas conseguiram pôr esquerda e direita a votar as suas alterações, mais uma vez de pouco impacto orçamental, do novo prazo para entrega das declarações periódicas do IVA à facilitação das transferências de emprego de vítimas de violência doméstica.

Um pouco como os liberais, que nas escassas propostas que aprovaram (duas, mais uma vez com pouco ou nenhum impacto na despesa, uma sobre depósitos para reciclagem e outra para antecipar a publicação dos resultados das entradas no ensino superior) não registaram nenhum voto contra.