Os Estados Unidos anunciaram que vão ficar com a quase totalidade da produção dos próximos três meses de remdesivir, um medicamento que mostrou reduzir o tempo de internamento de um grupo específico de doentes com Covid-19. A notícia surge numa altura em que a Europa se prepara para autorizar a comercialização do fármaco. A Organização Mundial de Saúde, que tem apelado à solidariedade dos países e equidade na distribuição dos tratamentos, preferiu não comentar a situação, pelo menos por enquanto.
“Teoricamente, é possível” que os Estados Unidos retenham a produção do fármaco durante os próximos meses, diz ao Observador Hélder Mota Filipe. Mas o antigo presidente do Infarmed não acredita que seja exatamente assim, porque a empresa tem compromissos a cumprir e não arriscaria pôr isso em causa. “Podia ser bom para o Trump, mas era o fim da Gilead.”
Já o economista Francisco Rocha Gonçalves considera que é “absolutamente natural”. “Já há muitos anos que as vacinas e os medicamentos fazem parte do conceito de defesa nacional de todos os países, incluindo do nosso”, diz ao Observador. O professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto lembra ainda que, no caso dos Estados Unidos, haverá eleições dentro de pouco tempo e o governo quer mostrar que está a defender os interesses da população.
A Gilead mantém o objetivo de disponibilizar o medicamento universalmente, como forma de resposta à pandemia. A empresa e o Infarmed garantiram que, neste momento, os portugueses têm acesso a este tipo de tratamentos e que não preveem uma rutura no fornecimento ao país. Alguns países de baixo rendimento já começaram a produzir e a distribuir o fármaco. Falta saber em que situação ficam os países desenvolvidos que ainda não aprovaram o uso do fármaco.
Cerca de 500 mil tratamentos assegurados nos Estados Unidos
Os Estados Unidos lideram de longe os números da pandemia com quase 2,7 milhões de casos confirmados — quase o dobro do Brasil, em segundo lugar — e mais de 128 mil mortos. A administração Trump, apesar de ter já investido muito dinheiro na investigação de tratamentos e vacinas, tem sido criticada na forma como tem lidado com a pandemia. O anúncio desta segunda-feira é uma tentativa de mostrar aos cidadãos norte-americanos que o governo está a lutar pelos seus interesses.
“O presidente Trump fez um acordo incrível [com a Gilead Sciences] para garantir que os americanos tenham acesso à primeira terapêutica autorizada para a Covid-19”, disse o secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos norte-americano (HHS), Alex Azar, em comunicado. “Na medida do possível, queremos garantir que qualquer doente americano que precise de remdesivir possa obtê-lo. A administração Trump está a fazer todos os possíveis para aprender mais sobre as terapêuticas para a Covid-19 que salvam vidas e garantir o acesso a essas opções ao povo americano.”
De lembrar, no entanto, que a FDA (agência norte-americana do medicamento) ainda não aprovou o remdesivir como tratamento da Covid-19 — ainda é considerado uma droga experimental. Neste momento, o fármaco é usado no país mediante uma Autorização de Uso de Emergência que pode ser revogado a qualquer momento, como aconteceu com a hidroxicloroquina e cloroquina.
Remdesivir. Será este o medicamento que vai tratar os infetados com o novo coronavírus?
Ainda assim, o HHS diz ter assegurado doses suficientes para mais de 500 mil tratamentos com remdesivir nos hospitais até ao final de setembro — cada tratamento representa, em média, cerca de seis frascos (de líquido injetável) ao longo de cinco dias. “Isso representa 100% da produção projetada pela Gilead para julho (94.200 tratamentos), 90% da produção de agosto (174.900 tratamentos) e 90% da produção de setembro (232.800 tratamentos), além da alocação para ensaios clínicos”, escreveu o comunicado do departamento.
O presidente e diretor executivo da Gilead Sciences confirmou em carta aberta publicada no site da empresa, também esta segunda-feira, que a farmacêutica e o HHS tinham chegado a um acordo de que o departamento de saúde ficaria responsável pela gestão das doses que seriam entregues aos hospitais até final de setembro — apesar dos protestos dos médicos que não sabem como é que o fármaco é atribuído. Depois de setembro, quando os stocks não forem tão limitados, o HHS deixará de ter essa função. Mas Daniel O’Day nada acrescentou sobre a quantidade de tratamentos assegurados.
“O objetivo da Gilead é proporcionar o acesso célere e adequado ao remdesivir, de modo a satisfazer e dar resposta à pandemia de Covid-19”, responde a empresa ao Observador. “A forma como temos alocado as quantidades disponíveis de remdesivir tem sido com base na incidência de Covid-19.” E foi com base neste princípio que a empresa diz ter entendido fornecer a maior parte do seu produto aos Estados Unidos. “Nos EUA existe uma necessidade urgente de proporcionar resposta à incidência crescente de Covid-19, que não tem paralelo.”
Francisco Rocha Gonçalves entende como perfeitamente natural que um país com centenas de milhares de infetados tenha assegurado para si um stock razoável. Especialmente porque a empresa e grande parte das fábricas se encontram precisamente nos Estados Unidos. “Muito estranho era se isso não tivesse acontecido.”
Os stocks dos próximos meses têm de vir para a Europa
Antes de avançar nas explicações, Francisco Rocha Gonçalves assegura que há stock de remdesivir suficiente na Europa para tratar os doentes que dele precisem. E assim que a Comissão Europeia autorize a introdução condicional no mercado, conforme parecer da Agência Europeia do Medicamento, haverá condições para fazer compras alargadas do produto, diz. Esta autorização condicional significa que o medicamento pode ser vendido nos 27 Estados-membros mesmo antes de todos os dados sobre eficácia e efeitos secundários estarem disponíveis, mas a empresa tem até dezembro para fornecer esta informação.
Assumindo que os primeiros três meses de produção são para os Estados Unidos, o diretor da área de avaliação de medicamentos do Grupo Luz Saúde acredita que “as autoridades de saúde dos outros países procurem assegurar a produção que apareça a partir daí”. E acrescenta: “O que desejamos enquanto europeus é que as autoridades europeias façam exatamente a mesma coisa [que os Estados Unidos] e que segurem para nós uma parte desta produção”.
Hélder Mota Filipe também acredita que não haverá problemas de fornecimento do medicamento na Europa. O antigo presidente do Infarmed explica que uma empresa que pede uma autorização de entrada no mercado, neste caso a sucursal europeia da Gilead, tem de ter um plano de abastecimento do mercado onde pretende entrar e tem de o cumprir. Tal como terá, à partida, acordado com o Japão, o primeiro país a aprovar oficialmente o uso e comercialização de remdesivir, logo no início de maio assim que a FDA emitiu a Autorização de uso de Emergência.
Comissão Europeia está a negociar compra de medicamento remdesivir
Na Europa, a Comissão Europeia confirmou que teve conhecimento das notícias divulgadas sobre os stocks garantidos aos Estados Unidos e assegura que “está atualmente também em negociações com a Gilead para reservar doses de remdesivir”, disse Stefan de Keersmaecker, porta-voz da CE, responsável pelo tema de saúde pública. “Dada a confidencialidade destas conversações, não podemos partilhar mais detalhes neste momento.”
O remdesivir esteve sempre disponível em Portugal
Tirando o Japão, que já aprovou o remdesivir no início de maio, o fármaco tem sido usado em ensaios clínicos ou com autorizações especiais, como no caso de Portugal em que os médicos podiam ter acesso ao medicamento através dos pedidos de Autorização de Utilização Excecional. Pedidos esses que foram concedidos a todos os hospitais nacionais que o solicitaram, garante o Infarmed.
“Este medicamento esteve sempre disponível em Portugal”, diz a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, numa nota enviada aos media. A agência não prevê que a partir de agora seja diferente. Portugal tem stock e pode garantir o acesso imediato ao medicamento.
A Gilead acrescenta que também não espera que o país venha a ter dificuldades no acesso ao fármaco. “É nossa expectativa, considerando a informação que temos à data, que não venha a existir qualquer constrangimento no acesso ao tratamento por parte dos doentes portugueses.”
A Austrália não terá problemas. E os outros países?
As notícias dos Estados Unidos tiveram uma reação imediata do outro lado do mundo, com os especialistas australianos a mostrarem-se preocupados com a ação norte-americana. “O governo dos Estados Unidos decidiu claramente que seus cidadãos deveriam ter acesso exclusivo ao remdesivir até que houvesse quantidades suficientes do medicamento para os mercados internacionais”, diz Phillip Reece, consultor na indústria farmacêutica e de biotecnologia na Austrália. “É uma pena que não possa haver cooperação internacional entre governos e indústria para aumentar a produção de remdesivir para uso internacional.”
O ministro da Saúde australiano, no entanto, apressou-se a dizer que a Austrália — neste momento com oito mil casos confirmados e pouco mais de 100 mortos — tem stock suficiente no país graças aos donativos feitos pela empresa nos meses anteriores. “Previmos isso, agimos cedo, e trabalhámos com o fornecedor Gilead para garantir que os australianos recebessem um fornecimento de reserva”, disse Greg Hunt, citado pela televisão pública australiana ABC News. No total, a Gilead doou 1,5 milhões de doses de remdesivir — mas destas, 940 mil ficaram nos Estados Unidos, segundo o STAT News.
Cooperação, solidariedade e equidade são palavras-chave na resposta mundial à pandemia de Covid-19, mas, de cada vez que são colocadas na mesa das negociações, mostram a tensão que ainda existe entre os países e instituições internacionais. “A Organização Mundial de Saúde [OMS] defende que o acesso equitativo aos medicamentos é um direito humano, mas os desafios da soberania nacional, os interesses comerciais e a postura política pressionam os direitos das comunidades em todo o mundo”, diz Andrew McLachlan, diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Sydney.
The Access to #COVID19 Tools (ACT-Accelerator), is a new, groundbreaking global collaboration to accelerate the development, production, and equitable access to COVID-19 diagnostics, therapeutics, and vaccines https://t.co/NWeTpT4NvP pic.twitter.com/m1lrtfdP3V
— World Health Organization (WHO) (@WHO) June 26, 2020
“É crucial trabalhar globalmente — com os países e a indústria — para garantir a disponibilidade de produto suficiente para que as pessoas em qualquer lugar que precisem dele possam ter acesso”, responde a OMS ao Observador. Para garantir o acesso equitativo em todos os países, a organização tem apostado em iniciativas como o Acelerador de Acesso a Ferramentas Covid-19 (ACT-Accelerator) — uma colaboração que acelerar o desenvolvimento, a produção e o acesso equitativo aos testes, tratamentos e vacinas — e o Repositório de Acesso à Tecnologia Covid-19 (C-TAP), que reúne num único lugar conhecimento, propriedade intelectual e dados relacionados com as tecnologias de saúde, que são disponibilizados de forma voluntária.
Na conferência de imprensa desta quarta-feira, Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da OMS, reforçou que a organização quer garantir o acesso de toda a população aos tratamentos. E acrescentou que não vão fazer comentários sobre as notícias vindas dos Estados Unidos enquanto não tiverem acesso ao conteúdo dos acordos que foram feitos.
O acesso aos medicamentos tem muito de diplomacia política e económica, lembra Francisco Rocha Gonçalves. Para o economista é natural que os primeiros países a terem acesso sejam os “mais fortes no controlo logístico, no controlo diplomático, nas relações com a empresa que já vinham estabelecidas do passado, e, sobretudo, os países que completaram a parte regulamentar e de ensaio clínico para aprovar o medicamento”.
Para o professor da Universidade do Porto, isto não deixa de fora os países com menos recursos ou menor capacidade de organização, mas pode significar que só terão acesso numa fase posterior.
Francisco Rocha Gonçalves faz ainda o exercício de ver a situação por outro ângulo: em vez de olhar para os Estados Unidos como o país que comprou o stock todo, sugere que se olhe como o país onde nasceu o primeiro medicamento novo aprovado para o tratamento de Covid-19. Segundo o jornal The Washignton Post, três agências federais norte-americanas apoiaram o desenvolvimento do remdesivir com o trabalho dos cientistas ligados às agências e com o financiamento de dezenas de milhões de dólares — sem os quais o fármaco nunca teria visto a luz do dia. Mas o facto é que nem o governo nem as agências federais retêm qualquer direito sobre a patente.
“Foi o país que historicamente investiu mais em investigação e desenvolvimento que qualquer outro dos blocos desenvolvidos do mundo, o país que acelerou e trabalhou com as empresas no processo regulamentar — tal como os europeus já estão a fazer —, o país que mais rapidamente conseguiu pôr um produto relativamente eficaz no mercado”, reforça o economista português, que percebe que o governo norte-americano reclame para si alguns direitos sobre o produto. Em relação aos outros países, especialmente aqueles que não têm recursos para empreender processos de ensaios clínicos, análises e autorizações complexas, Rocha Gonçalves considera que podem pegar nas avaliações já feitas nos Estados Unidos ou na Europa para introduzir o fármaco nos seus próprios países.
Em termos de custos é “uma gota no oceano”
“A partir de julho a nossa capacidade de produção começa a aumentar de forma exponencial, mas ainda teremos limitações durante os próximos meses”, diz a Gilead. Até ao final do ano, a empresa espera produzir mais de dois milhões de tratamentos — o que significa cerca de 12 milhões de doses, se considerarmos seis doses por tratamento —, muito mais do que os cerca de 190 mil tratamentos que previa ter distribuído até ao final de junho. Apesar de admitir que se trata de um processo complexo, a empresa diz ter conseguido reduzir o tempo de produção de nove a 12 meses para seis a oito.
Com o objetivo de levar o fármaco aonde ele é necessário, a Gilead confirma que está desde janeiro a construir uma rede de parceiros — na América do Norte, Europa e Ásia — de forma a aumentar a capacidade de produção, mesmo antes de realizar os ensaios clínicos para verificar se o medicamento seria seguro e eficaz. Em contexto de emergência não faz sentido criar novas fábricas de raiz, mas há muitos fabricantes na Europa e nos países em desenvolvimento que podem assegurar esta produção, diz Francisco Rocha Gonçalves.
With the support of our commited team, we have managed to deliver 20,000 vials in two days.
Please reach out to us directly in case of any emergency requirement of 'COVIFOR' on the given phone numbers or e-mail.For more information, click here: https://t.co/qOEt6HBdNF pic.twitter.com/SiseFExhgF
— Hetero (@heteroofficial) June 26, 2020
A Gilead já tinha confirmado, no dia 22 de junho, que tinha estabelecidos acordos de produção com nove fabricantes de medicamentos genéricos, entre eles os fabricantes indianos Hetero Labs e Cipla Ltd, refere a Reuters. A Hetero Labs vai vender o medicamento por 5.400 rupias (cerca de 64 euros) cada dose e anunciou que em dois dias produziu 20 mil doses. David Paterson, diretor do Centro de Investigação Clínica da Universidade de Queensland, está preocupado que o governo indiano tenha proibido a exportação dos fármacos produzidos no país à semelhança do que aconteceu com os medicamentos para a hepatite C.
O Egito é outro dos países que já começou a produzir remdesivir no final de junho. A farmacêutica Eva Pharma espera vir a produzir 1,5 milhões de doses por mês. Barbara Mintzes, da Universidade de Sydney e especialista em política farmacêutica, receia que o acordo entre os Estados Unidos e a Gilead e os limites das licenças dadas aos países de baixo rendimento possam deixar a Austrália em maus lençóis: não poderem comprar diretamente à Gilead, a um preço equivalente ao dos EUA (por este país ter ficado com todo o stock), e não poderem comprá-los a preços reduzidos como os que são praticados nos países em desenvolvimento.
Hélder Mota Filipe explica que as empresas farmacêuticas podem ter políticas de transferência de tecnologia, o que significa que dão licença a determinados fabricantes para produzirem os medicamentos, que depois os distribuem por países pré-estabelecidos. Isto faz parte da ajuda humanitária em territórios com menor capacidade de resposta, mas o mais provável é que os países europeus, ou outros países desenvolvidos, não se qualifiquem para estas medidas.
Entretanto, o preço para os países desenvolvidos também já foi definido e anunciado pelo presidente e diretor executivo da Gilead, Daniel O’Day. “Para garantir um acesso alargado e equitativo num momento de necessidade global urgente, estabelecemos um preço para os governos dos países desenvolvidos de 390 dólares [cerca de 346 euros] por dose”, escreve O’Day numa carta aberta publicada no site da empresa. Se o tratamento for feito com seis doses, isso significa que serão gastos cerca de 2.340 dólares (quase 2.080 euros) por doente.
Daniel O’Day diz que este valor está muito abaixo do valor real do medicamento — avaliado pelo benefício para o doente e as poupanças nas despesas hospitalares —, mas justifica que a pandemia exige circunstâncias excecionais. E acrescenta que o valor ainda será reduzido de forma a ser comportável pelos países com menor poder de compra. Na verdade, lembra Francisco Rocha Gonçalves, o custo estabelecido para o tratamento é mesmo inferior a um dia de internamento em alguns países e, comparado com todos os prejuízos que a pandemia já trouxe, este valor é “uma gota no oceano”.
O professor da Universidade do Porto acredita que o preço apresentado é apenas uma referência, que os Estados Unidos, a assegurarem a compra de 500 mil tratamentos, tenham pago muito menos e que o mesmo vá acontecer na Europa. O que o economista não acredita é que se vá assistir a discussões muito longas entre os governos dos países e a empresa sobre o preço justo a aplicar. A experiência do medicamento contra a hepatite C, também da Gilead, e o longo processo negocial deixou marcas negativas dos dois lados da equação.
“Ninguém quer o custo reputacional de arrastar estas discussões, nem governos e seguradoras de um lado, nem a empresa do outro”, diz Rocha Gonçalves. O economista arrisca mesmo dizer que o objetivo do produtor não é ter aqui uma grande oportunidade comercial. “O produtor não está cá para vender isto, estava cá para vender outras drogas, quer continuar a fazê-lo no futuro e quer ter uma reputação positiva.” O empenho demonstrado durante uma situação de emergência pode ser uma boa oportunidade para a indústria farmacêutica melhorar a sua imagem perante a opinião pública.
Não é a dexametasona o tratamento aprovado mais barato?
Os ensaios clínicos conduzidos nos Estados Unidos e financiados pela Gilead e pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas (liderado por Anthony Fauci, conselheiro de Trump) mostraram que o remdesivir tem um efeito, ainda que modesto, na recuperação de doentes com Covid-19 que estejam a receber oxigénio. O medicamento mostrou ter efeitos na redução do tempo de internamento — em média, menos quatro dias —, mas não mostrou efeitos na redução da mortalidade causada pela infeção com SARS-CoV-2. Mais, o medicamento não parece trazer vantagens para doentes em estado muito grave, apenas para situações moderadas que requerem oxigenação artificial do doente. Por agora, é apenas recomendado para doentes, com mais de 12 anos, nestas condições.
A dexametasona, por sua vez, parece ter reduzido o risco de morte tanto nos doentes que precisavam de oxigénio, como naqueles que estavam ligados a um ventilador. “Existe um benefício claro. O tratamento é de até dez dias de dexametasona e custa cerca de cinco libras [perto de seis euros] por doente. Basicamente, salvar uma vida custa 35 libras [39 euros]”, afirmou Martin Landray, o investigador responsável pelo estudo, à BBC. O investigador acrescentou que se trata de “um medicamento que está disponível globalmente”. A limitação deste tratamento é que deve ser usado com doentes em situação mais grave.
De qualquer forma, a comparação entre os dois medicamentos não faz sentido porque não se pode escolher usar um ou outro baseado apenas no seu preço. Enquanto o remdesivir é um antiviral que se destina a combater a ação do vírus no organismo, a dexametasona é um corticoide usado para reduzir os efeitos exagerados da inflamação do organismo — ou seja, não combate o vírus, mas alivia alguns dos sintomas associados à resposta do sistema imunitário. “Não são substituíveis”, alerta Hélder Mota Filipe. Quando muito, no futuro, poderão até vir a ser usados em conjunto.