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João Rendeiro (à esquerda) pode argumentar que correr perigo de vida no sistema prisional sul-africano, diz o professor André Thomashausen (à direita)
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João Rendeiro (à esquerda) pode argumentar que correr perigo de vida no sistema prisional sul-africano, diz o professor André Thomashausen (à direita)

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

João Rendeiro (à esquerda) pode argumentar que correr perigo de vida no sistema prisional sul-africano, diz o professor André Thomashausen (à direita)

ANA MARTINGO/OBSERVADOR

Rendeiro. As defesas possíveis e os perigos das prisões sul-africanas

Jurista alerta para insegurança nas prisões sul-africanas onde os presos são "leiloados até 48h após a detenção". Se ficar já preso, Rendeiro arrisca-se a esperar detido pela conclusão da extradição.

Residente na África do Sul desde 1982, o professor alemão André Thomashausen não tem dúvidas: se fosse advogado de João Rendeiro, dar-lhe-ia o conselho de cumprir a pena de prisão em Portugal. Porquê? Porque o sistema prisional sul-africano é conhecido pela sua insegurança e tem uma “taxa de 94% de reclusos que acabam por ser infetados com HIV/sida por via sexual após as primeiras 48 horas presos”. “Isto põe em perigo a saúde e a vida de qualquer pessoa nessas condições”, afirma o especialista em Direito Internacional.

Pior: se o Tribunal de Durban decidir esta terça-feira que Rendeiro deve aguardar preso preventivamente a conclusão do processo de extradição, a lei sul-africana não prevê prazo para a sua libertação. Tudo porque os 18 meses de prazo máximo previsto para os processos de criminalidade comum não se aplicam aos processos de extradição, segundo o professor André Thomashausen. Para já, João Rendeiro passará a noite de segunda para terça-feira na prisão de Westville, conhecida por estar sobrelotada e ser violenta.

O inferno das prisões sul-africanas que Rendeiro pode ter de enfrentar

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Nascido em Berlim, veio para Portugal com 3 anos de idade, tendo frequentado a Escola Alemã de Lisboa entre 1954 e 1970, onde aprendeu a falar português fluentemente. Thomashausen é professor emérito da Universidade da África do Sul (UNISA) em Direito Internacional, ocupou diversos cargos diplomáticos como assessor jurídico em diferentes missões na África Austral e ajudou o Observador a perceber em pormenor os meandros da lei sul-africana no que diz respeito ao caso Rendeiro.

Rendeiro arrisca-se a ficar preso ou pode sair com caução?

Ao contrário de Portugal, a medida de coação mais comum na África do Sul para acautelar o perigo de fuga não é a prisão preventiva. “O normal é a libertação condicional, acompanhada de uma caução de garantia, e possíveis restrições de movimentos: confisco de passaporte e até dispositivos eletrónicos”, explica o professor Thomashausen.  Isto é: Rendeiro poderá ficar confinado a um quarto de hotel com uma pulseira eletrónica.

A sobrelotação dos estabelecimentos prisionais da África do Sul também ajuda a explicar a prática comum judicial de só optar pela prisão preventiva em casos extraordinários.

Audição de João Rendeiro adiada para terça-feira. Defesa vai pedir libertação sob fiança

Foi precisamente isso que a defesa de João Rendeiro já pediu ao juiz do Tribunal de Durban: a libertação com caução. Contudo, é importante referir, o procurador sul-africano presente na sessão desta segunda-feira opôs-se a essa pretensão da defesa, invocando o histórico de foragido à Justiça

As prisões sul-africanas são seguras?

A resposta do professor Thomashausen é clara: não. “Há uma estatística oficial que demonstra que 94% dos reclusos acabam por ser infetados com HIV/Sida dentro das primeiras 48 horas depois de serem presos. Isto põe em perigo a saúde e a vida de qualquer pessoa nessas condições”, explica o jurista.

"Há uma estatística oficial que demonstra que 94% dos reclusos acabam por ser infetados com HIV/Sida dentro das primeiras 48 horas depois de serem presos. Isto põe em perigo a saúde e a vida de qualquer pessoa nessas condições"
Professor André Thomashausen

Para que não restem dúvidas, André Thomashausen explica que tal transmissão se faz “por via sexual. Os novos reclusos normalmente são leiloados por bandos criminosos que dominam o serviço prisional. Isto é muito mau”. Neste momento, João Rendeiro não deve estar no sistema prisional normal.

João Rendeiro transferido para prisão de Westville, conhecida pela violência

Há um prazo máximo para a prisão preventiva de um detido a aguardar extradição?

Se o Tribunal de Durban determinar esta terça-feira que João Rendeiro deve ficar em prisão preventiva devido ao perigo de fuga, e se o ex-líder do BPP se opuser à extradição para Portugal, então Rendeiro corre um sério risco de entrar no serviço prisional sul-africano comum e aí ficar detido.

Porquê? “Temos uma lacuna na antiga lei da extradição da África do Sul, que remonta aos anos 60, em que não há prazo”, afirma o professor Thomashausen. Isto é, o prazo máximo de 18 meses de prisão preventiva em casos de criminalidade comum não se aplica aos casos de extradição.

O momento em que João Rendeiro foi detido. Veja a fotografia

O jurista dá mesmo o exemplo de Manuel Chang, ex-ministro das Finanças de Moçambique, que foi detido na África do Sul a pedido das autoridades dos Estados Unidos por suspeitas de corrupção no caso das dívidas ocultas de Moçambique no valor de mais de 2,2 mil milhões de dólares. “Manuel Chang já está detido há 36 meses. A lei sul-africana considera simplesmente que essa pessoa está detida a pedido e na responsabilidade de um Estado estrangeiro”, explica André Thomashausen, acrescentando que Rendeiro pode sempre recorrer ao Tribunal Constitucional alegando que nenhuma detenção pode ultrapassar o prazo ordinário de 18 meses.

Quais podem ser os obstáculos à extradição para Portugal?

“A África do Sul tem a tradição inglesa e os julgamentos à revelia são inaceitáveis, não existem. Portanto, considera-se sempre que a responsabilidade do Ministério Público é apresentar o acusado. Sem o réu presente no tribunal, aquele não pode ser condenado”, afirma o especialista em Direito Internacional.

O Observador sabe que uma das primeiras questões que a polícia da África do Sul colocou à Polícia Judiciária foi precisamente essa: João Rendeiro tinha sido julgado à revelia ou esteve presente no seu julgamento?

Uma das primeiras questões que a polícia da África do Sul colocou à Polícia Judiciária foi precisamente essa: João Rendeiro tinha sido julgado à revelia ou esteve presente no seu julgamento? A dúvida relacionava-se com o facto de Rendeiro estar em fuga e de os sul-africanos recearem que a mesma tivesse ocorrido durante o julgamento do caso da falsificação da contabilidade do BPP. A resposta de que Rendeiro só fugiu após o trânsito em julgado deixou os sul-africanos mais descansados.

A dúvida relacionava-se com o facto de Rendeiro estar em fuga e de os sul-africanos recearem que a mesma tivesse ocorrido durante o julgamento do caso da falsificação da contabilidade do BPP.

Contudo, e como é público, João Rendeiro só fugiu após o trânsito em julgado do seu caso, sendo certo que esteve presente em algumas sessões de julgamento, tendo faltado a outras por sua decisão mas com os seus advogados presentes a representá-lo.

O ex-banqueiro João Rendeiro no Tribunal de Verulam, onde esteve presente perante um juiz pela primeira vez desde que foi detido no sábado, nos subúrbios de Durban, África do Sul, 13 de dezembro de 2021. João Rendeiro foi preso no sábado, num hotel em Durban, na província sul-africana do KwaZulu-Natal, numa operação que resultou da cooperação entre as polícias portuguesa, angolana e sul-africana. LUÍS MIGUEL FONSECA/LUSA

Rendeiro esteve em tribunal nesta segunda-feira

LUÍS MIGUEL FONSECA/LUSA

Se João Rendeiro se opuser ao pedido de extradição, como decorrerá o processo?

Depois de o Tribunal de Durban decidir esta terça-feira a medida de coação a aplicar a João Rendeiro, vai iniciar um segundo processo: o processo formal que analisará o pedido de extradição feito por Portugal

“Será um tribunal de primeira instância a decidir sobre o pedido das autoridades portuguesas. Depois de ouvir as partes, o juiz titular desse processo emitirá um parecer para o ministro da Justiça — que tomará a sua decisão: autorizar a extradição ou recusá-la. E dessa decisão cabe recurso para o tribunal superior”, explica o professor André Thomashausen.

Rendeiro foi detido de pijama e foi para a prisão de camisa cor-de-rosa

Qualquer uma das partes (Ministério Público ou João Rendeiro) poderá recorrer dessa primeira decisão para um tribunal superior que equivale ao nosso tribunal da relação — e da 2.ª instância para o Tribunal Supremo (equivalente ao nosso Supremo Tribunal de Justiça) e deste para o Tribunal Constitucional da África do Sul.

“A África do Sul, desde que o regime do apartheid foi derrubado, é um Estado de Direito com as melhores práticas. Os processos são transparentes e é por isso que a lei da extradição da África do Sul prevê que um pedido de extradição está sempre sujeito a um inquérito, que deve ser conduzido por um juiz”, conclui o jurista.

Os crimes de falsificação da contabilidade do BPP são extraditáveis?

Uma das dúvidas jurídicas sobre a aplicação da Convenção Europeia de Extradição, subscrita por Portugal e pela África do Sul, prende-se com os dois crimes que levaram ao trânsito em julgado de uma pena de cinco anos e oito meses para Rendeiro: falsidade informática e falsificação de documento. Na prática, o ex-líder do BPP foi condenado por falsificar a contabilidade do banco.

O professor André Thomashausen acredita que a resposta é positiva: aqueles crimes são extraditáveis. “Trata-se de variações de crimes vulgaríssimos, tipo crimes de burla. Não acho que se vá levantar grande questão técnica”, afirma.

"Ninguém duvida que a justiça portuguesa é uma justiça de primeira qualidade. Vai ser muito difícil convencer um juiz e, depois no recurso, um tribunal superior, que Portugal poderia agir dessa forma inaceitável pelas normas europeias."
Professor André Thomashausen

A defesa pode igualmente alegar, acrescenta o jurista, que Rendeiro “é vítima de perseguição política”. Mas, para fundamentar essa acusação, “que é gravíssima”, contra outro Estado de Direito como é Portugal, “vai ser difícil”. “Ninguém duvida que a justiça portuguesa é uma justiça de primeira qualidade. Vai ser muito difícil convencer um juiz e, depois no recurso, um tribunal superior, que Portugal poderia agir dessa forma inaceitável pelas normas europeias”, enfatiza o professor.

O processo de extradição será rápido?

“Sei de um caso em que uma pessoa acusada de burlas gravíssimas na Alemanha, em que houve um prejuízo de quase mil milhões de euros, conseguiu atrasar o processo de extradição durante nove anos, utilizando recursos”, afirma André Thomashausen .

Como? “Invocando precisamente que era vítima de perseguição política, de que os danos económicos que as pessoas sofreram foram consequências de decisões indevidas e subjetivas das autoridades, e motivadas por razões alheias”, explica.

Meios tecnológicos sul-africanos terão sido preponderantes para contornar tecnologia israelita que ‘protegia’ Rendeiro

“A grande questão, para já, será saber se o senhor Rendeiro vai conseguir fazer isso tudo em liberdade condicional ou se teria de fazer isso com base numa detenção muito pouco confortável num sistema prisional que é um dos piores do mundo. E que é perigoso. O senhor Rendeiro, aliás, poderia alegar que a sua vida está a ser posta em perigo pela recusa das autoridades portuguesas em concordarem com uma libertação condicional”, conclui o professor André Thomashausen.

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