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Protest by Palestinians for opposition activist's death in custody by Palestinians in Ramallah
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Protestos em Ramallah, na Cisjordânia, contra morte de Nizar Banat têm sido violentamente reprimidos

Anadolu Agency via Getty Images

Protestos em Ramallah, na Cisjordânia, contra morte de Nizar Banat têm sido violentamente reprimidos

Anadolu Agency via Getty Images

Revolta é cada vez maior e Autoridade Palestiniana aumenta a repressão. Consequências já chegaram a Portugal

Assassínio de ativista fez aumentar contestação e manifestantes têm enfrentado ira das autoridades. Assessora da embaixada em Portugal foi despedida depois de denunciar repressão nas redes sociais.

Shahd Wadi trabalhava há 11 anos como assessora de imprensa e dos assuntos culturais para a Missão Diplomática da Palestina em Portugal. A ativista, que também tem nacionalidade portuguesa, juntou a sua voz à de milhares palestinianos que têm denunciado o aumento da violência contra manifestantes que, nas últimas semanas, têm saído às ruas na Cisjordânia ocupada para protestar contra o assassínio de Nizar Banat, um famoso ativista que morreu às mãos das forças de segurança da Autoridade Palestiniana no passado mês de junho. Por ter denunciado abertamente a repressão foi despedida no início desta semana, garante a própria ao Observador.

“Na segunda-feira, 5 de julho, eu estava em teletrabalho e fui chamada à Embaixada, onde me disseram verbalmente que o ministério dos Negócios Estrangeiros da Palestina exigiu a minha demissão imediata e sem aviso prévio por ter condenado, nas redes sociais, o assassinato do ativista Nizar Banat”, conta Shahd Wadi, referindo que, por escrito, não lhe foi explicado o motivo que levou ao despedimento, embora a Missão Diplomática da Palestina em Portugal, onde trabalhava desde 2010, lhe tenha prometido que a sua demissão seria tratada dentro dos procedimentos legais, com direito a uma indemnização.

O despedimento de Shahd Wadi surge num momento de grande convulsão na Palestina, onde a violência contra manifestantes e ativistas tem vindo a aumentar, o que tem levado a denúncias por parte de organizações de defesa dos direitos humanos, Nações Unidas e até dos Estados Unidos e da União Europeia. O momento de viragem deu-se na madrugada do passado dia 24 de junho, quando Nizar Banat, crítico acérrimo da governação de Mahmoud Abbas e antigo candidado ao parlamento palestiniano, foi detido pelas forças de segurança palestinianas que, segundo os relatos da família de Banat, entraram na casa do ativista espancando-o com bastões de ferro e de madeira, tendo Banat acabado por morrer.

Após a morte de Nizar Banat, milhares de palestinianos saíram às ruas da Cisjordânia para protestar, tendo enfrentado a repressão das autoridades, com um nível de violência sem precedentes até então. Conforme relata o The New York Times, as manifestações estavam a ser pacíficas até que grupos ligados à Fatah, o partido no poder na Cisjordânia, começaram a atacar os manifestantes, espancando-os com os punhos e com bastões, a que acrescem as detenções por parte das forças de segurança palestinianas e também israelitas.

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“Não quero tornar isto num assunto pessoal. O mais importante é o que está a acontecer na Palestina”

O assassínio de Nizar Banat e a repressão que se seguiu gerou uma enorme onda de solidariedade entre os palestinianos, e as manifestações e ações de protesto não se têm ficado apenas pela Cisjordânia ocupada, chegando até à diáspora. No passado dia 30 de junho, um grupo de palestinianos juntou-se à porta da Missão Diplomática da Palestina, em Lisboa, para condenar a repressão.

Amanhã um grupo de palestinianos e palestinianas residentes em Portugal juntará a sua voz em protesto ao assassino do…

Posted by Shahd Wadi on Tuesday, June 29, 2021

Shahd Wadi não esteve presente, por estar fora do país, mas divulgou a manifestação na sua conta de Facebook, tendo ainda, além das publicações a demonstrar solidariedade com Nizar Banat, partilhado um texto escrito pelo seu pai, o escritor Farouk Wadi, a denunciar a demissão de Ihab Bseiso, diretor da Biblioteca Nacional da Palestina, por ordem do governo de Mahmoud Abbas, despedido precisamente por criticar o assassínio do ativista.

Além disso, Wadi assinou uma carta, endereçada à Embaixada palestiniana, redigida por jovens palestinianos a viver em Portugal, a condenar “os ataques bárbaros e as detenções perpetrados pelas forças de segurança da Autoridade Palestiniana contra os manifestantes pacíficos que protestaram contra o assassinato do ativista Nizar Banat”, defendendo a criação de um comité de investigação independente para analisar o caso. Dias depois, Shahd Wadi, que tinha um contrato sem termo, era despedida do local onde trabalhou nos últimos 11 anos.

“É urgente fortalecer a unidade e resistência do povo palestiniano. Quando critico estes atos, faço-o com a vontade de unir os palestinianos e não o contrário. A nossa luta principal é a luta contra a ocupação israelita”
Shahd Wadi, assessora demitida pela Missão Diplomática da Palestina

Questionada pelo Observador, a Missão Diplomática da Palestina em Portugal refere que Shahd Wadi tinha um “contrato local” com a Embaixada e que, por isso, é “direito e responsabilidade da Missão rescindir ou assinar contratos com os funcionários locais”. Na resposta, no entanto, não é especificado os motivos que levaram ao despedimento da assessora de imprensa e dos assuntos culturais. Sobre o assassínio de Nizar Banat e a repressão na Cisjordânia, a Missão Diplomática da Palestina em Portugal diz que “condena a morte” e que vai “aguardar pelo resultado da investigação”, garantindo que “qualquer pessoa envolvida será punida de acordo com a lei”.

"قبل أيّام، صدرت الأوامر بعزل الدكتور ايهاب بسيسو عن موقعه المسؤول للمكتبة الوطنيّة الفلسطينيّة. وقد جرى ذلك على إثر…

Posted by Shahd Wadi on Sunday, July 4, 2021

No mesmo sentido, o Observador enviou questões ao ministério dos Negócios Estrangeiros palestiniano, nomeadamente sobre a vaga de repressão na Cisjordânia e um pedido de esclarecimento sobre se o despedimento de Shahd Wadi foi uma ordem direta do governo palestiniano, mas não obteve resposta até à hora da publicação deste artigo.

“É urgente fortalecer a unidade e resistência do povo palestiniano. Quando critico estes atos, faço-o com a vontade de unir os palestinianos e não o contrário. A nossa luta principal é a luta contra a ocupação israelita”, reitera Shahd Wadi, doutorada em estudos feministas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. “Não quero tornar isto num assunto pessoal, quero deixar claro que o mais importante é aquilo que está a acontecer na Palestina”, sublinha.

Adiamento de eleições aumentou frustração na Palestina

Se o assassínio de Nizar Banat e os protestos que se seguiram foram um momento de viragem, na verdade, a contestação à Autoridade Palestiniana chefiada por Mahmoud Abbas vinha ganhando força nos últimos anos, sobretudo entre os mais jovens, que exigem melhores condições de vida e uma maior democratização nos territórios palestinianos. O sentimento de frustração aumentou ainda mais no final de abril, quando Abbas adiou as eleições legislativas (que seriam em maio) e presidenciais (marcadas para julho) para data incerta.

Funeral ceremony of Palestinian opposition Nizar Benat

Funeral de Nizar Banat juntou milhares de pessoas

Anadolu Agency via Getty Images

A Autoridade Palestiniana foi criada em 1994, na sequência dos Acordos de Oslo assinados por Yasser Arafat, presidente da Organização para a Libertação da Palestina, e Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, no ano anterior, que previam a criação de um Estado palestiniano. O plano inicial era que a Autoridade Palestiniana fosse uma entidade de transição com a duração de cinco anos que ajudasse à criação de um Estado independente. Contudo, a falta de avanços no processo de paz fez com que a organização se perpetuasse e mantivesse o poder em parte dos territórios palestinianos.

“Os palestinianos não tinham a ilusão de que as eleições em maio não trariam mudanças dramáticas no sistema político palestiniano, mas estavam com esperança que pelo menos houvesse um momento democrático que pudessem utilizar para começar um processo mais vasto de mudança"
Alaa Tartir, analista do think tank palestiniano Al-Shabaka

Desde 2005, um ano depois da morte de Arafat, a Autoridade Palestiniana é liderada por Mahmoud Abbas, 86 anos, presidente da Fatah, e as acusações de corrupção e nepotismo têm sido constantes ao longo dos anos, sobretudo depois de 2006, quando deixaram de haver eleições da Palestina, depois de o Hamas ter saído vencedor em Gaza.

Eleições palestinianas realizam-se se Israel permitir votar em Jerusalém, diz Abbas

Este ano, no entanto, havia esperança de que existissem avanços na democratização dos territórios palestinianos. Contudo, com o Hamas em crescimento e o processo de paz com Israel estagnado, Mahmoud Abbas deitou um balde de água fria nas aspirações dos palestinianos, ao adiar as eleições legislativas e presidenciais, que seriam as primeiras em 15 anos.

“Os palestinianos não tinham a ilusão de que as eleições em maio não trariam mudanças dramáticas no sistema político palestiniano, mas estavam com esperança que pelo menos houvesse um momento democrático que pudessem utilizar para começar um processo mais vasto de mudança, em que se pudessem aproximar do centro do seu sistema político”, explicou ao Observador Alaa Tartir, analista político do think tank palestiniano Al-Shabaka. “Mas isso foi-lhes negado, e a principal razão porque isso lhes foi negado foi porque a liderança palestiniana e a Fatah sabiam muito bem que iriam perder as eleições”, acrescenta.

Uma sondagem publicada em meados de junho, dias antes do assassínio de Nizar Banat, publicada pelo Palestinian Centre for Policy and Survey Research, mostrava que, se houvesse eleições presidenciais, Abbas teria apenas 27% dos votos, enquanto Ismail Haniyeh, líder do Hamas, teria 59%.

O crescimento do Hamas e as reivindicações dos palestinianos

Estes dados revelam que o grupo islamista que governa a Faixa de Gaza tem vindo a ganhar influência entre os palestinianos, inclusive na Cisjordânia, sobretudo depois dos 11 dias de guerra entre Israel e o Hamas.

"As exigências são simples: justiça, dignidade e liberdade. O direito de viver, a oportunidade de seguir as nossas vidas, sem medo e sem a probabilidade de sermos mortos, presos ou atacados”
Mariam Barghouti, escritora e ativista palestiniana

Ao lançar milhares de rockets contra Israel, enquanto as bombas israelitas caíam em Gaza, o grupo islamista conseguiu apresentar-se perante uma parte significativa dos palestinianos — 77%, segundo a já referida sondagem, acreditam que o Hamas saiu vencedor da guerra com Israel — como o seu defensor, enquanto a credibilidade da Autoridade Palestina, apontada pelos críticos como uma máquina burocrática e até conivente com Israel, caiu ainda mais. Os protestos das últimas semanas, no entanto, não têm sido a favor do Hamas.

“Tanto o Hamas e como a Fatah são igualmente responsáveis por todos os danos causados ao projeto nacional palestiniano nos últimos 15 anos e devem ser responsabilizados por isso. A sociedade palestiniana não o vai esquecer, e é isso que temos visto nas ruas: a revolta dos jovens que exigem responsabilização como forma de preencher uma lacuna entre os palestinianos da Cisjordânia e de Gaza”, afirma Alaa Tartir.

World Leaders Address The United Nations General Assembly

Mahmoud Abbas é presidente da Autoridade Palestiniana desde 2005. Últimas eleições na Palestina foram há 15 anos

Getty Images

No mesmo sentido, a escritora e ativista palestiniana Mariam Barghouti, que vive em Ramallah, nota que os palestinianos estão cada vez mais unidos na contestação quer à ocupação israelita quer às lideranças palestinianas, considerando que ver o Hamas como única alternativa à liderança palestiniana atual é uma visão redutora da política palestiniana.

“A alternativa é empoderar a juventude, confrontar os abusos colonialistas de Israel e garantir espaços seguros para a criação de novos órgãos de governo que incorporem o direito de mudar e transformar”, afirma Barghouti ao Observador. “As exigências são simples: justiça, dignidade e liberdade. O direito de viver, a oportunidade de seguir as nossas vidas, sem medo e sem a probabilidade de sermos mortos, presos ou atacados”, acrescenta.

Pressão sobre comunidade internacional aumenta

Com o aumento da contestação, aumentou também a repressão, que atingiu uma nova dimensão com o assassínio de Nizar Banat, embora já há muitos anos que sejam denunciados atos de violência por parte das forças de segurança da Autoridade Palestiniana.

“Isso mostra-nos a fragilidade da Autoridade Palestiniana e como está completamente afastada dos palestinianos, servindo, ao invés, os seus interesses pessoais e fortalecendo um sistema de segurança opressor que é treinado, apoiado e sustentado pela comunidade internacional”, denuncia Mariam Barghouti.

Apesar das críticas e pedidos de explicações, a Autoridade Palestiniana parece manter a confiança da comunidade internacional, sendo encarada como a única organização capaz de fazer avançar o processo de paz com Israel, motivo pelo qual a União Europeia e os Estados Unidos, em especial, continuam a financiar a organização, na esperança que a Fatah não acabe destronada pelo Hamas, que é considerado um grupo terrorista por Washington e Bruxelas.

Israel/Palestina. A solução de dois Estados para alcançar a paz ainda é possível?

Após o assassínio de Nizar Banat, a União Europeia emitiu um comunicado a condenar a morte e a exigir uma investigação independente e transparente. Os acontecimentos das últimas semanas, no entanto, têm levado a um aumento da pressão sobre a comunidade internacional no que diz respeito ao seu apoio à Autoridade Palestiniana, com alguns analistas a defenderem que, no caso da União Europeia, principal financiador da organização, é necessário uma mudança de paradigma, já que a estratégia de seguir os Acordos de Oslo de 1993 não tem sido eficaz, tendo em conta que o processo de paz está estagnado.

"Se os governos europeus ainda veem a solução de dois Estados como sendo o caminho a seguir, então devem trabalhar urgentemente para reverter a queda da Palestina no autoritarismo de Abbas"
Hugh Lovatt, analista do think tank European Council on Foreign Relations

“A União Europeia tem tratado a manutenção da Autoridade Palestiniana, sob Abbas, como uma questão de extrema importância, mas esta estratégia provou ser um fracasso”, afirmou ao Observador Hugh Lovatt, analista do think tank European Council on Foreign Relations, especializado no conflito israelo-palestiniano. “Se os governos europeus ainda veem a solução de dois Estados como sendo o caminho a seguir, então devem trabalhar urgentemente para reverter a queda da Palestina no autoritarismo de Abbas”, acrescenta.

Nesse sentido, segundo Lovatt, Bruxelas deve deixar claro à Autoridade Palestiniana que a continuação da repressão terá consequências ao nível das relações bilaterais, e a posição da União Europeia “deve vincular explicitamente o seu financiamento à contínua redemocratização palestiniana e ao respeito pelos direitos humanos”. Para o analista, um passo importante seria a convocação de novas eleições, mas ainda não deverá ser em 2021 que os palestinianos terão hipóteses de escolher os seus representantes.

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