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Rodrigo Castelo abriu em Santarém a Taberna Ó Balcão em 2013. Agora deixa cair a Taberna e fica só Ó Balcão
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Rodrigo Castelo abriu em Santarém a Taberna Ó Balcão em 2013. Agora deixa cair a Taberna e fica só Ó Balcão

Rodrigo Castelo abriu em Santarém a Taberna Ó Balcão em 2013. Agora deixa cair a Taberna e fica só Ó Balcão

Rodrigo Castelo encostou a Taberna e ficou Ó Balcão. "A mim emociona-me cozinhar o que tenho aos meus pés e à mão de semear"

Rodrigo Castelo deixou cair a Taberna, mas continua Ó Balcão. A cozinha está mais refinada e abraça o produto ribatejano como o que de mais valioso tem. E a estrela? "Um dia vai ter de chegar".

O entusiasmo com que nos guia pela cozinha é só um cheirinho da vontade incomensurável de Rodrigo Castelo em mostrar o trabalho que desenvolve no seu Ribatejo. Com duas embalagens de vácuo na mão, abre-as e não contém a emoção: “Estão a ver aqui? Isto é tudo curado por nós, fomos os primeiros a produzir cecina, é espetacular, vão perceber quando provarem”, diz, retirando esta espécie de presunto de vaca que deixa à vista os pequenos cristais de sal, e uma língua do mesmo animal, bem escuro e consistente, resultado das curas distintas que o chef lhe deu na Escola Superior Agrária de Santarém, onde estudou e com quem continua a colaborar ainda hoje por ser “um amor que nunca morreu”. É com finas rodelas destas duas carnes curadas que o seu novo menu de degustação (75 euros) arranca, ao lado de um cestinho de pão caseiro, feito com cereais moídos na pedra, e de uma terrina de manteiga de salva e outra de azeite ribatejano. O mote está dado e a essência do produto salta à vista, naquele que é o agora Ó Balcão de Rodrigo Castelo.

A Taberna saltou do nome, mas não está morta: “está dentro de mim e é a minha inspiração”, vinca Rodrigo. “Sentavas-te aqui e perguntavas ‘o que é que isto tem de taberna?’ e a resposta era complicada. Eu também me sento aqui a comer para tentar sentir o que as pessoas sentem”, explica. “Já não representava o que éramos e isso está à prova com a evolução constante e muito consistente da nossa cozinha”. O Ó Balcão é agora menos taberna, mais cuidado e “menos bruto”, diz-nos. Mas o trabalho de Rodrigo ali é o de sempre e é o que o motiva: uma ode ao produto e aos produtores. Tudo é feito na casa, tudo tem olho e mão de Rodrigo Castelo, dono e senhor de um Ribatejo que se quer dar a conhecer de boca em boca.

Prova disso é o menu de degustação que ali apresenta — e que serve tantos ao almoço como ao jantar — e que leva os comensais às profundezas ribatejanas, a provar sabores inexplorados que o chef ali trabalha como ninguém e onde cada momento é pensado e trabalhado ao miligrama, para que se chegue ao fim sem “parecer que vais rebolar”. Este bailarico de sabores passa por vários estágios e vai da carne ao seu tão adorado peixe de rio. Aqui leva-se à boca uma bucha de capado, um escabeche de coelho, uma sopa de peixe de rio com ovas de barbo e lúcio curado, um cremoso de caranguejo e lagostim do rio, ou uns pézinhos de coentrada, berbigão e molho holandês com água do bivalve. Há uma carne maturada, tenra e em sangue, com puré de nabo ou o chamado final surpresa — uma falsa cabidela de enguia fumada com cevada. Tudo culmina nos doces como é o caso do pudim de abafado, caramelizados com crumble de boletos. O café vem com petit fours inevitáveis do Ribatejo: pampilho, arrepiado e celeste.

A mudança deixou o espaço mais refinado, mas a trabalhar o produto de sempre: o do Ribatejo

O espaço também mudou. As paredes deixaram a claridade dos tons neutros e ganharam tons verde garrafa — e, por falar nisso, também a garrafeira aumentou ocupando já o lugar da antiga ardósia preta que anunciava os pratos da casa ribatejana, isto quando ainda era Taberna. As mesas mudaram, assumem agora uma nova pedra marmoreada, e as cadeiras também, desenhadas por Rodrigo e feitas por um artesão. “As pessoas não sentiam isto tão importante, está muito mais sofisticado, e agora está cheio de pormenores que dantes não tinha, até têm um guardanapo bordado”, conta. A acústica melhorou, as mesas estão iluminadas e os pratos decorativos na parede dão azo à nostalgia de quem já visitou esta casa, aberta desde 2013, noutros tempos.

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À porta do restaurante, a placa de Taberna pode ter caído, mas há espaço para outra que assinale a conquista de uma estrela Michelin, um desejo que não esconde, apesar de deixar a decisão aos seus melhores inspetores: os clientes.

A taberna caiu. Porquê?
Ela não caiu, ela está dentro de mim, e a minha inspiração vem muito do que sempre foi a minha cozinha que tem a ver com os produtos, com as memórias que eu tenho da minha mãe e da minha avó, do meu pai a cozinharem, da vivência que tive com o meus avós. A taberna caiu porque já não fazia muito sentido e estávamos num caminho cada vez mais gastronómico, para não dizer fine dining, e o que acontece é que não fazia já sentido continuarmos a chamar a isto e à nossa cozinha Taberna ó Balcão. Independentemente disso, toda a gente vai continuar a chamar taberna, ainda custa a cair. Mas eu quero que seja aquilo que as pessoas quiserem sentir que é o restaurante, são os meus clientes que mandam, são para eles que eu trabalho.

Mas não foi só o nome. O espaço está de cara lavada, mais aprumado. O que é que aconteceu? 
Uma coisa já não batia com a outra, por isso se nos aprumámos na comida e no serviço, tínhamos de mudar o espaço também. Há pequenos detalhes que fazem a diferença e não tinhas aqui antes. Dá ideia que nos deu para isto tudo agora, mas tem sido uma coisa que veio a ser pensada.

É uma mudança a pensar na estrela Michelin?
Vamos ver se ela vem ou não. Nunca escondi que a queria. Eu sempre quis ser como os melhores, caminhar nessa direção. Mas quando me perguntam isso eu fico contente porque é importante as pessoas sentirem isso, que estamos a traçar um caminho para chegar lá. Compete aos senhores do Guia, claro, avaliarem o que eles acham. Estou como Bib Gourmand, agora.

Esta carta e o menu são reflexo de um chef mais maduro? De uma evolução natural ou planeada?
Eu nunca evoluí tanto quanto gostaria, e continuo a não estar num patamar que eu gostaria, confesso, mas isso faz parte da minha natureza de me desafiar ao máximo. Sou insaciável e isto tem a ver com toda a minha pesquisa e a minha procura e a minha inquietação em querer melhorar todos os dias. Eu nunca li tanto como leio agora sobre cozinha, mas não leio sobre um chef ou outro, eu prefiro ler sobre técnica, e procuro técnica, não procuro a cozinha de ninguém, eu procuro a minha cozinha. Aquilo que me sai diariamente sou eu, por isso essa evolução é um misto de planeamento porque trabalho todos os dias para ela, mas também é natural porque o que seria de um cozinheiro que não fosse aprendendo com os erros?

Alguns dos pratos do menu também estão na carta do Ó Balcão

Porquê virar os holofotes agora para os menus de degustação?
Os menus de degustação já os fazíamos há cerca de três ou quatro anos, e com bastante consistência, não fazemos isto há pouco tempo, e claro que fomos evoluindo, evoluindo até chegarmos aqui ao que temos hoje, e eu tenho ideia que podemos evoluir mais. A minha preocupação é melhorar todos os dias, isto porque eu quero ser melhor que eu próprio e não melhor do que ninguém.

Prefere trabalhar a carta ou os menus de degustação?
Para mim ou para o cliente?

Para ambos…
Ambas são muito enriquecedoras, porque depende do dia, depende da ocasião, da disposição da pessoa…É tudo relativo, mas tentamos cada vez mais ter os pratos da carta no menu, para darmos mais consistência ainda ao que fazemos. Se tu hoje comes o menu, amanhã provavelmente não queres ir lá comê-lo novamente, mas gostaste tanto daquele peixe ou daquele arroz e preferes comer só isso — pedes à carta. Acho que o facto de isso ser possível mostra valências da nossa parte, de conseguirmos servir as duas coisas, a nossa versatilidade está aqui e o cliente volta porque gostou daquele prato do menu, há essa vantagem.

"Cada vez mais as pessoas veem a gastronomia como cultura. E é cultural, é património cultural a gastronomia. E sendo um património nós queremos estar mais ricos todos os dias"
Rodrigo Castelo

Mas e para si? Ganha o menu ou a carta?
[risos] É óbvio que é o menu que me dá muito mais gozo, acho que quem me vê no restaurante percebe logo isso quando estou a servir menus, como é que fico. Os meus olhos brilham. É diferente, sabes? No menu consigo contar a nossa história toda e isso emociona-me, poder percorrer esse caminho com o cliente, mostrar-lhe o que fazemos na Escola Agrária, dar-lhe a provar o peixe do rio de uma forma completamente transformada. É o menino dos meus olhos.

E a pandemia mudou o fine dining? Ou a forma como as pessoas lidam com a experiência de ir a um restaurante…
Não sei se a pandemia veio ajudar ou não. A cultura gastronómica portuguesa evoluiu muito mesmo nos últimos anos, muito à conta de colegas meus, outros chefs, que têm vindo a cultivar isso com os seus restaurantes. E essa evolução aconteceu quer a nível do consumidor final, quer a nível dos próprios cozinheiros, e isso faz com que o consumidor procure uma experiência, que é um nível acima de ir jantar fora só porque sim. As pessoas querem a experiência num todo, e não é só comer, querem saber a história daquele produto, porque é que o cozinhamos assim, porque é que eu estive na indústria farmacêutica e agora sou chef ou porque é que decidi servir isto assim e não assado.

Mas isso também tem a ver com a forma como o próprio cliente se cultiva gastronomicamente, não?
Claro. Isto está de braço dado inevitavelmente com a cultura gastronómica que tu tens e a que procuras ter, porque cada vez mais as pessoas veem a gastronomia como cultura. E é cultural, é património cultural a gastronomia. E sendo um património nós queremos estar mais ricos todos os dias. Isto faz com que as pessoas sejam mais curiosas sobre o que comem, como comem e de quem comem — e tu consegues saber isso na plenitude quando fazes o menu dessa pessoa, neste caso o meu. Vais ao meu restaurante e podes sentir aquilo que eu sou, e podes provar um bocadinho desse meu eu se escolheres à carta, mas podes conhecer-me na totalidade se fizeres o menu. Aí a experiência é plena, ouves e comes a história toda, enquanto que à carta só ouves parte da história.

Acho que as pessoas querem saber cada vez mais sobre cozinheiros, e sei que se diz que há uma mediatização desses mesmo cozinheiros que são cada vez mais famosos. Eu não acho que seja nesse sentido de celebridade, pelo menos não em Portugal. Acho que é o reconhecer, finalmente, de um trabalho muito desgastante. Nós temos um desgaste tremendo, rápido e acho que é uma profissão que precisa de ser reconhecida e valorizada — e aí estou a falar monetariamente. E aqui falo do Estado que tem de começar a olhar para nós, para a restauração.

As paredes ganharam um tom verde garrafa e a taberna à entrada deu lugar apenas a "Ó Balcão"

Não é apenas cozinheiro, é proprietário. Tem o dobro da responsabilidade?
Exato. Os impostos são altíssimos e isso é uma bola de neve porque não conseguimos pagar ordenados que se coadunam com aquilo que os meus colegas de cozinha e de sala fazem. A crise não vem de agora, atenção. Os apoios que nós tivemos foram o que foram, falo do lay off, mas houve muito apoio ao endividamento. Então e agora quando começarem a cair moratórias e empréstimos que tiveram de se fazer, isto não vai ser nada fácil, vai haver muitas portas a fechar. Esta crise já se arrasta porque já pagávamos muito ao Estado; 48% do nosso restaurante vai para o Estado e os 52% são para pagar ordenados, fornecedores, despesas fixas. É difícil partilhar lucros com os nossos colaboradores, porque esse lucro não existe.

Mas não desiste.
Nunca.

Esta mudança faz parte da vontade de tentar impor o restaurante e Santarém como sítio ideal para uma escapadinha gastronómica?
Já o faço há muito tempo, essa minha vontade não é de agora. A verdade é que já somos um marco de Santarém e já há muita gente que vem cá para vir ao Ó Balcão. Mas tenho noção que nasceram coisas depois de nós e que fomos de alguma forma os motivadores para que outras pessoas tivessem coragem de abrir negócio em Santarém e tentar a sua sorte. Fez com que as próprias pessoas de Santarém deixassem de se movimentar para outros concelhos para almoçarem ou jantarem fora.

"No Ribatejo somos riquíssimos a nível de produto, aqui no Ribatejo temos terras muito férteis. Somos o coração da agricultura, não há dúvida, e da agropecuária"
Rodrigo Castelo

Há um antes e depois de Santarém com a chegada do Rodrigo?
Não tenho a menor dúvida. Respeitando sempre os que cá estavam, claro que eram agregadores e que muitas pessoas iam jantar aos seus restaurantes mas que os restaurantes deles não tinham capacidade para toda a gente. E agora há uma coisa melhor: os nossos clientes não são só de Santarém, são também de fora. E aí tu percebes o impacto, temos muito turismo português, mas também internacional, isso é bom, porque os clientes ficam cá e acabam por ir a outros sítios aqui. A restauração é um dos principais motivos de visita a Santarém e, antes a Taberna, e agora o Ó Balcão é o grande pilar de Santarém e do Ribatejo, mas eu sou suspeito.

Porque é que não se olha mais para o Ribatejo?
Nós estávamos em bruto, assim como a minha cozinha começou em bruto, o Ribatejo também estava. Faziam-se alguns pratos, mas havia alguma vergonha em dizer que não tínhamos assim tantos pratos típicos e não existem de facto. O Ribatejo pode não ter pratos típicos, mas tem muito produto, e a cozinha é feita de produto. A tipicidade do Ribatejo começa nesse mesmo produto e havia produto que estava a cair no esquecimento.

E por que não criar agora essas receitas típicas?
Ai, eu digo isso muita vez. Se essa receita não existe, a partir de amanhã passa a existir, e daqui a 10 anos já é um prato típico com 10 anos. Isso não me impede a mim de agarrar em produtos ribatejanos e fazer um receituário daqui, acho que tem de ser feito.

No fundo, o Rodrigo foi um desfibrilhador de receituário e produtos da zona que estavam a cair no esquecimento? 
Foi um bocado isso, acho eu. Nunca tinha pensado assim, mas acho que foi isso mesmo que aconteceu. Porque eu não sou fundamentalista e se tiver de agarrar num berbigão para pôr nos pezinhos de coentrada eu ponho, porque acho que funciona bem, e eu uso berbigão de mar e não de rio, portanto não sou fundamentalista a esse nível. A minha inspiração foram, de facto, as pessoas e os produtos. É o que eu amo aqui. Epá, nós temos um terroir mesmo incrível, temos lezíria junto ao rio que nos dá produtos inacreditáveis. Temos serra que nos dá desde cabras a carneiros saborosas, a nível de fruta e até de frutos secos nós temos tudo. O Ribatejo é  riquíssimo a nível de produto, temos terras muito férteis. Somos o coração da agricultura, não há dúvida, e da agropecuária.

"Quando faço os pratos eu sinto as pessoas neles, sinto o produto e sinto o que as pessoas me disseram, por isso é que eu não tenho dúvidas de que a cozinha é emoção"
Rodrigo Castelo

Tem mais escalabitanos a sentarem-se à sua mesa agora? 
Sim, sem dúvida que tem aumentado muito o número de pessoas de Santarém que vem aqui regularmente, o que antes não acontecia.

Acha que as próprias pessoas desconheciam a riqueza da região? 
Não, não. Nós estamos numa cidade que tem muito campo, as pessoas gostam de ver os pratos cheios. O que acontecia antes é que simplesmente não percebiam o conceito do que nós tínhamos, e hoje tens pessoal mais novo que está muito mais aberto a ter estas experiências e a cultura gastronómica evoluiu. Se fomos catalizadores para isso? Acho que fomos, e continuamos a trabalhar para isso. Batalhamos contra tudo e contra todos.

Há momentos complicados?
Muito. Durante o inverno era mesmo muito rigoroso para nós. Trabalhamos muito bem de março a outubro, porque temos sempre muitos passantes. Agora começo a notar essa diferença com mais clientes de Santarém que, no fundo, nos ajudam todo o ano. Já não veem uma barreira à entrada do Ó Balcão.

Desde o início destes projetos que o Rodrigo é uma voz ativa no que diz respeito a trabalhar de perto e diretamente com os produtores da terra. Foi assim desde sempre?
Eu fui criado no meio de uma família que sempre me deu alguma cultura gastronómica, porque planeávamos sempre as nossas viagens e tudo em torno da comida. E começava muito pelo que tínhamos aos nossos pés e visitar os restaurantes aqui ao pé de nós, que eram nossos. Acho importante as pessoas de Santarém sentirem o Ó Balcão como deles, como eu senti outros restaurantes antes. A mim emociona-me cozinhar o que eu tenho aos meus pés, o que tenho à mão de semear. Quando faço os pratos eu sinto as pessoas neles, sinto o produto e sinto o que as pessoas me disseram, por isso é que eu não tenho dúvidas de que a cozinha é emoção. É como ver um espetáculo, tem momentos altos em que nos apetece levantar das cadeiras e bater palmas.

A cecina e a língua de vaca curadas por Rodrigo

Bater palmas a quem o ajuda a ter a cozinha que tem? 
Sim, acho que a melhor homenagem que posso fazer às pessoas que estão aqui ao pé de mim é o meu trabalho. Elas ajudam-me muito, ajudam-me com o produto e muitas das vezes por maus bocados que temos passado, e começam a criar-se sinergias entre mim e produtores e acabamos a criar coisas incríveis. O que sou hoje grande parte devo-o aos produtores que estão comigo, a outra parte é aquilo que os meus pais fizeram de mim. Eu faço aquilo que eu acredito e não aquilo que vejo nos outros.

O convívio com estas pessoas — pescadores, produtores, agricultores, criadores de animais — ajudou-o a crescer enquanto cozinheiro? 
É esse convívio, precisamente, que me dá confiança para falar dos pratos. O produto é a maior gasolina dos pratos, por isso ter a oportunidade de trabalhar com quem o faz é algo que todos nós na cozinha devíamos poder fazer.

Está nas mãos de chefs como o Rodrigo, que olham para as origens, fazer  com que as pessoas e os clientes acordem para a importância que têm os produtores e o bom produto?
Olha, o João Rodrigues tem sido um mentor para todos nós, ele tem feito um trabalho incrível com o Projeto Matéria. Eu faço um trabalho regional, ele faz um trabalho nacional e de uma importância extrema para todos na comunidade. Temos de lhe tirar o chapéu. Mas, no fundo, eu acho que devia haver pessoas assim em todas as regiões, que valorizassem cada região pelo que ela tem e que a elevassem. Há em alguns sítios, claro, mas é preciso ir mais fundo tal como o João faz por Portugal e eu acho que faço de alguma maneira pelo Ribatejo. Acho que vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

É uma mudança inevitável?
A cozinha, assim como a moda, tem tendências, e a tendência agora é o regionalismo, voltarmos a olhar para dentro e para o bom que temos em cada lugar. Não vamos ao Algarve a querer comer Porto. Quem procura gastronomia, procura regionalismo. Até porque acaba por isso que também te faz querer voltar aos sítios — no Ó Balcão comes peixe de rio que não comes em mais lado nenhum, ou uma cecina curada por nós…

Tudo o que é servido no restaurante é de produção e criação própria

E por falar nessas curas, como é que surgiu a parceria com a Escola Superior Agrária de Santarém? 
É um amor que eu não larguei. Quando estudei lá passei dos melhores momentos da minha vida, quer a nível de amizades, experiências académicas e, obviamente, aprendizagens que levo para a vida. Eu sempre estive muito ligado à agricultura e à terra, apesar de viver num 4.º andar. Eu sou um gajo do campo, entendes? E a Agrária mostra-te aquilo que precisas de saber enquanto cozinheiro, que é conheceres a fundo uma planta ou um animal, toda a cadeia desde que ele nasce até que morre e depois como se pode transformar.

Para poder transformar naquelas cecinas ou na língua curada…
Exatamente, isso é a parte de engenharia alimentar que me fascina imenso. É lindo perceber o porquê de certa coisa acontecer de uma maneira e não de outra. A cura do produto é uma técnica ancestral mas tem tendência a cair em desuso, e é brutal porque consigo tirar tudo do produto, não há desperdício, dissecamos completamente o animal e o produto. Eu quero ficar com o fumeiro daquela escola.

O cremoso de lagostim e caranguejo de rio; e a falsa cabidela com enguia fumada

Mas tem outro amor, que é o peixe do rio. O que é que torna este peixe tão especial?
Isso está aliado a uma série de coisas. Primeiro, eu nasci ao lado do rio e desde pequeno que convivi com os pescadores, isso é o que mais me move, porque emociona-me trabalhar coisas que me reavivam memórias e me lembram os meus primos e a minha avó, vivências antigas. Depois, porque estou a trabalhar algo que tenho aos meus pés, e acho que a diferenciação deste peixe é importante porque mais ninguém trabalha mas estou a fazer também alguma coisa pelo património gastronómico ribatejano, porque estamos a fazer algo pela cultura avieira. São coisas que não podemos deixar morrer porque se não, qualquer dia, não há pescadores no rio.

Mas também o trabalha de forma menos convencional…
Sim. Há cozinheiras que trabalham o peixe de rio de forma muito direta, mas eu enquanto cozinheiro que sou, cabe-me elevar o produto de outra forma, que não é melhor nem pior, é diferente. Isto porque uso a diferenciação e a técnica é mostrar que o peixe de rio é gastronómico e pode estar perfeitamente num menu de degustação se houver transformação. Eu gosto de me testar e o peixe é um desafio. Eu olho para aqueles peixes que trabalho e penso: se este peixe fosse de mar o que seria? E aí começo a transformação.

Nas vossas redes sociais podemos ler que falar de Ó Balcão é falar de partilha: os sabores, as memórias e a tradição de ser português”. Que memórias são essas?
Desde que me conheço que tenho uma paixão imensa por comida, sempre tive a casa cheia de família ou amigos e sempre, sempre, sempre em torno da mesa. Sempre comi de tudo — comia cabeças de peixe cozidas com cinco ou seis anos e entranhas, adorava tudo. E por isso são essas memórias que eu também tento trazer para aqui quando as pessoas se sentam à mesa do meu restaurante. Até quando eu trabalhava na indústria farmacêutica, aproveitava para fechar negócios em torno da mesa, e conheci muita coisa à conta dos meus clientes nessa altura.

Rodrigo prepara um dos momentos do menu: o coscorão do rio até ao mar

Que desafios na cozinha tem hoje que não tinha quando abriu a Taberna?
O meu maior desafio é mesmo conseguir manter uma equipa sólida e motivada, porque na altura quando abri não me preocupava com isso, porque havia muitas pessoas a trabalhar na área, para além de não conhecer bem a dificuldade de ser restaurador, o meu maior desafio é manter uma sala e cozinha motivada. Dou tudo pelos meus colaboradores, como se fossem meus irmãos mais novos, e custa-me vê-los partir.

Hoje fala-se muito em sustentabilidade na cozinha ou em políticas de desperdício zero. Como é que o Rodrigo aplica essa consciência no restaurante?
As coisas a mim saem-me naturalmente, e desde o momento em que eu estou quase sempre ligado a causas solidárias, portanto o desperdício é impensável para mim. Estive a treinar com uma vaca para o Chefs on Fire e dei mais de metade para instituições. Mas na cozinha é diferente, já tenho isso dentro de mim, e eu olho para o produto e não consigo desperdiçar nada, até porque me corre nas veias toda aquela vontade de transformação, por isso invento sempre qualquer coisa.

"Se ela [a estrela] vem agora, eu não sei, mas ela um dia vai ter que chegar. Mas não sou eu que tenho de dizer que mereço, são os meus clientes que mandam, são eles os melhores inspetores"
Rodrigo Castelo

A nível financeiro também é importante essa questão para quem gere?
Sem dúvida. É a tua contabilidade, é a tua margem o que tiras do produto. E como nós já não ganhamos dinheiro nenhum por tudo aquilo que falei antes, acho que temos a responsabilidade de pensar desta maneira. Não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar nada.

Pelo meio deste rebuliço e sucesso em Santarém, apareceu o Mariscador em Lisboa, focado no produto do mar e do rio. Depois fechou. Essa incursão em Lisboa deu vontade de ter mais projetos na capital? 
Não, não digo nunca mais, mas estou muito focado. A minha cabeça está aqui, acabei de lançar também aqui a Galinha da Vizinha, um restaurante de frango assado, que eu quero agora começar a franchisar, talvez esse possa aparecer em Lisboa um dia.

Chef Rodrigo Castelo e a sua nova (e ambiciosa) Galinha da Vizinha

O frango assado é muito consensual…
Pois, por isso. Este restaurante foi pensado no confinamento com outros dois sócios e desde o início que a ideia é franchisar, porque também é um sítio muito à base de produto. As receitas são minhas e quem estiver à frente de uma Galinha da Vizinha não precisa de saber muito, porque nós fazemos a papinha toda e é uma coisa fácil de reproduzir com qualidade.

Mas o Ribatejo em Lisboa vai demorar? 
Agora, o Ribatejo em Lisboa pode acontecer, mas não vejo isso num futuro próximo.  Há muitos restaurantes em Lisboa típicos de outras zonas, mas meu não será agora.

Há algum objetivo ainda por concretizar?
Eu no dia em que tiver uma estrela vou querer duas. Atualmente é o meu maior desejo, isso e ter um restaurante cheio de pessoas felizes, são eles que me movem, tanto a nível de funcionários como a nível de clientes. O meu maior sonho é ter saúde para conseguir concretizar tudo isso, chegar à estrela e aos meus objetivos. Se ela vem agora, eu não sei, mas ela um dia vai ter que chegar. Mas não sou eu que tenho de dizer que mereço, são os meus clientes que mandam, são eles os melhores inspetores.

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