Definida como um problema crónico do esqueleto, que se caracteriza pela diminuição da densidade mineral e resistência ósseas, tornando os ossos mais susceptíveis a fraturas, a osteoporose é uma doença considerada “silenciosa”, já que se pode ir instalando durante décadas sem qualquer manifestação. Atinge cerca de meio milhão de portugueses, em particular mulheres acima dos 50 anos, sendo por isso urgente aumentar a literacia da população sobre este problema, nomeadamente sobre as vantagens de prevenir ou controlar as suas consequências. As zonas do esqueleto mais atingidas por fraturas osteoporóticas são: as vértebras (especialmente na região dorsal e lombar); o punho (epífise distal do rádio); o ombro (colo do úmero); e a anca (trocânter e colo do fémur). Segundo os especialistas, a origem da osteoporose está relacionada com um desequilíbrio da normal remodelação óssea, resultante da atividade das células que promovem a formação da substância óssea e das que a reabsorvem, verificando-se uma alteração no ciclo fisiológico da renovação do osso, que vai originar a sua fragilidade. É essa fragilidade que dá origem àquele que muitas vezes constitui o primeiro sinal desta doença: a fratura. Nos casos em que a doença está mais avançada, juntam-se questões associadas a múltiplas fraturas vertebrais, como por exemplo a perda de altura e a uma alteração postural que acentua a curvatura dorsal (hipercifose), com consequente inclinação e desequilíbrio do tronco para diante. Esta modificação estática do corpo é responsável por uma maior probabilidade de quedas, quedas estas que constituem o principal fator desencadeante de fraturas.
A boa notícia é que prevenir a osteoporose é algo que todos podemos fazer, através de pequenos — mas saudáveis — hábitos de vida. Em entrevista ao Observador Lab, Pedro Cantista, médico fisiatra e presidente da Associação Portuguesa de Osteoporose (APO), aponta os principais impactos desta doença, e indica o que todos podemos fazer para a prevenir.
Quais as principais consequências da osteoporose nos doentes, sem falarmos em termos físicos?
A osteoporose leva à ocorrência de fraturas, com consequências ao nível de morbilidade e mortalidade, mas também de funcionalidade (pode gerar incapacidade e dependência, ou afetar as nossas performances motoras). Além disto, verificam-se frequentemente consequências emocionais, nomeadamente um medo muito acentuado de sofrer uma queda, que conduz por vezes à própria inibição de realizar atividades quotidianas que acarretem deslocação. Ou seja: uma perturbação muito séria na nossa vida de relação, a qual constitui uma componente importante de Saúde.
A questão financeira também é algo a considerar nos doentes com osteoporose? Em que sentido?
Sem qualquer dúvida. Tem impacto direto nos custos assistenciais, desde o tratamento da fase aguda da fratura, seja este tratamento cirúrgico ou conservador, passando pela reabilitação e pela medicação. Podemos colocar estes custos ao nível individual (quanto vai gastar o doente e os prejuízos que a sua incapacidade temporária ou definitiva pode acarretar) e ao nível do erário público, concretamente no peso orçamental do Serviço Nacional de Saúde [SNS] e da Segurança Social.
Qual o impacto em termos financeiros de uma doença como a osteoporose para o SNS?
É difícil dar uma resposta exata a essa pergunta. Mas, de acordo com alguns estudos efetuados, eu arriscaria dizer que os custos anuais devem ultrapassar os 120 milhões de euros, muito provavelmente com mais de 75% desses custo atribuíveis à Osteoporose nas mulheres.
E em relação a possíveis tratamentos, o que se preconiza e o que se aconselha caso a caso? Pelo que sabemos, só está disponível em Portugal um osteoformador, a teriparatida…
A abordagem clínica da Osteoporose começa com o diagnóstico, com destaque para a deteção da presença de fatores de risco de fratura. É com esta base que se deve estabelecer uma política de combate à doença, com ênfase primordial assente na prevenção, objeto de uma outra pergunta desta entrevista. Quanto ao tratamento, ele assenta em medidas não farmacológicas e em alguns medicamentos. De entre eles alguns atuam inibindo a reabsorção óssea, como os bifosfonatos ou o denosumab, por exemplo; e outros, promovendo a formação, como é o caso da teriparatida. Referência também para o efeito antirreabsorptivo ósseo dos estrogénios.
Em termos de rastreios ou exames regulares, o que se aconselha, em que fase da vida e a quem em particular?
Em primeiro lugar, a visita ao médico assistente, uma correta anamnese (história clínica) e um indispensável exame físico. Este pode ser complementado por exames auxiliares de diagnóstico, nomeadamente análises de sangue e urina, e imagiológicos.
Sobressaem na osteoporose os exames de avaliação de massa e densidade mineral óssea. O pedido destes exames deve ser equacionado pelo médico assistente, de acordo com o perfil de risco de cada doente. Se não houver riscos conhecidos que justifiquem a realização mais cedo de uma densitometria óssea por dupla absorciometria de raios x (vulgarmente conhecida pela sigla em inglês – DEXA). De acordo com as normas de orientação para a osteoporose, este exame só deve ser pedido às senhoras a partir dos 65 anos e aos homens com mais de 70. Isto porque, do ponto de vista epidemiológico, o principal fator de risco é de facto a idade. Sublinhe-se, para que não restem dúvidas, que em caso de presença de possível causa de osteoporose secundária, este exame deve ser pedido mais cedo e sempre de acordo com o critério prevalente do médico assistente.
Os rastreios podem ter interesse, sobretudo em populações que possam ter fatores de risco e que muitas vezes não têm facilitado o acesso à DEXA.
Existem algumas formas de prevenir esta doença?
A prevenção é sempre a estratégia mais importante. Diria que começa pela Informação e Educação, que é no fundo o que aqui nos traz. É necessário educar nas famílias, na escola, nas empresas, em todas as estruturas sociais. É um imperativo cívico. Mas também é muito importante formar nesta área os profissionais de saúde, pois ainda se verifica algum défice de conhecimento técnico e científico nesta matéria.
As principais medidas de prevenção assentam na nutrição, na prática de exercício físico, na evitação do consumo de tabaco e no excesso de álcool, café, sódio e proteínas. Referência ainda à toma de alguns medicamentos que vão originar perda de massa óssea. Se pudermos, devemos evitá-los. Cabe ainda uma palavra importantíssima para a adoção de uma estratégia de prevenção de quedas, dado serem estas as principais causas diretas das fraturas. Podemos incluir nesta estratégia medidas dirigidas à proteção do indivíduo (treino de coordenação motora e equilíbrio, uso de auxiliares de marcha) e ao ambiente que as rodeia (evitar pisos escorregadios, tapetes não fixados, obstáculos, má iluminação).
Qual a média diária de cálcio que deve ser ingerida?
A dose diária necessária de cálcio varia consoante as fases da nossa vida. Se quiser uma média, eu diria 1200 mg, mas as doses corretas devem ser ajustadas em função da idade ou fase da vida. Existem tabelas para mais fácil orientação destas necessidades. Dou exemplo prático: crianças de 1 a 3 anos, 700 mg; de 4 em diante, 1 000 mg; adolescentes, 1 300 mg; adultos, 1 000 mg; senhoras a partir da menopausa e idosos, 1 200 mg; grávidas, 1500 mg.
O leite é uma das fontes privilegiadas de cálcio e outros nutrientes. Quais os tipos mais adequados deste alimento e com que frequência devem ser ingeridos à medida que envelhecemos?
Como mamíferos que somos, começaria por dizer que o leite materno é importantíssimo na fase inicial da nossa vida. Além de uma composição nutricional equilibrada e ajustada ao bebé, este leite contém anticorpos maternos que vão proporcionar ao lactente meios de defesa imunitária, muito importantes nos primeiros tempos de vida. Cessado o aleitamento materno, o leite e seus derivados continuam a fazer parte da nossa alimentação. Não nos podemos esquecer que, além do cálcio, o leite é fonte de proteínas, fósforo, iodo ou vitamina B12. Atualmente, existe uma oferta muito diversificada de vários tipos de leite e produtos lácteos.
Podem ser disponibilizados com diferentes teores de gorduras, mesmo até quase completamente “desnatados”. Igualmente é possível dispor de leites sem lactose ou com suplementação de diversos nutrientes, nomeadamente cálcio, vitamina D, proteínas, fibras. Assim, a criança de tenra idade pode encontrar leites adequados à sua transição nutricional; o desportista, maior fonte de proteínas; o idoso, reforço de cálcio e vitamina D. Os obstipados podem optar por leites com suplementação de fibras, por exemplo.
E quem tem alguma intolerância ao leite e derivados, como fazer?
Aqui teremos que ter em conta a que se deve essa intolerância. Isso deve ser objeto de avaliação clínica. No caso de a intolerância ser à lactose, ela é hoje facilmente ultrapassada, uma vez que, como já adiantei, existirem leites sem esse açúcar.
Podemos e devemos diversificar as fontes de cálcio. Cito alguns elementos ricos em cálcio: peixes gordos e mariscos, ovos, leguminosas, hortaliças verdes (espinafres, couve galega), frutos secos e sementes.
Existem alguns alimentos podem prejudicar a saúde dos ossos?
Sobretudo os excessos de álcool, café, sal (sódio), proteínas. São vários os mecanismos pelos quais estas substâncias prejudicam a saúde óssea. Seria muito fastidioso explicar. Mas numa palavra, diria que atuam como tóxicos interferindo em processos metabólicos múltiplos.
Perante um diagnóstico confirmado de osteoporose, que reforço alimentar deve ser realizado para superar o défice de cálcio e vitamina D?
Deve ser realizado um inquérito alimentar para cada indivíduo, e uma vez calculados os valores de cálcio e vitamina D que a sua dieta habitual lhe está a proporcionar, estabelecer um programa de reeducação nutricional e se necessário proceder a suplementação. Somos favoráveis a uma diversificação das fontes de cálcio em alimentos muito variados e de uma sistemática suplementação de vitamina D nas fases iniciais e tardias da nossa vida, ou seja, nas crianças e nos idosos.
No que toca ao exercício físico, qual a importância da uma prática regular e com que periodicidade deve ser feito, tendo em conta o escalão etário?
Há que distinguir entre atividade física e exercício. Falamos em exercício quando se trata de uma prática programada (prescrita e orientada). O exercício é crucial. Tem absolutos benefícios, mas também pode comportar alguns riscos. Na minha opinião, deve ser prescrito de forma individualizada, tal como um medicamento ou um programa dietético. A periodicidade do exercício pode ser estabelecida nesses programas. Há que distinguir diversos tipos de exercício. Por exemplo, o exercício aeróbico (marcha, bicicleta, natação) pode ser efetuado preferencialmente todos os dias, mas também pode praticar-se três, quatro, cinco vezes semana. Depende da dose. Já o exercício de fortalecimento muscular, importantíssimo para a prevenção da osteoporose, deve respeitar um intervalo de 48 horas entre as sessões de trabalho muscular, se consideramos os mesmos grupos de músculos. Se trabalharmos músculos diferentes, a situação é obviamente diversa.
Qual o tipo de exercício mais recomendado mediante a idade?
Todas as idades devem ter estes dois tipos de exercício. No entanto, eu acrescentaria que nos idosos é recomendável a implementação de exercícios para melhorara a postura, a coordenação motora e o equilíbrio. Em todas as idades, devemos ter exercícios em carga gravitacional (marcha, corrida), quer exercícios que solicitem também movimentos anti-gravitacionais. Ao fazê-lo, estamos a fortalecer tanto os feixes trabeculares ósseos que sustentam o nosso peso (carga) como os que resistem aos movimentos de tração muscular (por exemplo nos braços). Lembro que as fraturas osteoporóticas tanto ocorrem nas estruturas de “carga” (coluna, anca) como também nos membros superiores (no braço — colo do úmero —; no antebraço — rádio distal).
Quem já tem um diagnóstico de osteoporose, que tipo de exercício físico deve fazer?
Deve ter um programa individualizado. O diagnóstico de osteoporose carece de maior especificidade. Podemo-nos estar a referir somente a “osteoporose densitométrica”, isto é, baseada em valores de densidade mineral óssea, ou a osteoporose fraturária, o que são realidades muito diferentes. Era como se eu estivesse a falar de Diabetes. Que tipo e gravidade? Que complicações? Cada caso merece um esquema de tratamento apropriado.
Existem algumas práticas desportivas que podem prejudicar a saúde dos ossos?
Sim. Há práticas desaconselháveis por apresentarem risco de queda, ou até mesmo de fratura mesmo sem queda. Devem ser contraindicadas. Cito a título de exemplo alguns exercícios que solicitam a coluna vertebral em carga com hipercifose dorsal (encurvamento exagerado do segmento torácico em flexão anterior) ou hiperlordose lombar (encurvamento em extensão do segmento lombar). Já vi muitos doentes sofrerem fraturas osteoporóticas nestas situações. Assim por exemplo se se recomendar uma prática de modo generalista sem especificar quais os exercícios que se devem ou não efetuar, podemos estar a cometer erros graves. O Yoga é um caso elucidativo. Muitas das suas posições não têm qualquer problema, mas outras não devem ser praticadas em doentes com fragilidade vertebral.
Qual a importância da exposição solar para repor as necessidades de vitamina D?
As nossas necessidades de vitamina D são satisfeitas essencialmente à custa da sua síntese no nosso organismo. Inicia-se pela ação da radiação ultravioleta presente na luz solar sobre um éster de colesterol (o 7-dihidrocolesterol), que existe na nossa pele. Vai-se formar a pré-vitamina D, que posteriormente vai sofrer uma dupla hidroxilação ao nível do fígado e do rim, obtendo-se finalmente o 1, 25 (OH) 2 Colecalciferol, também denominado ou 1,25 (OH) 2 Vit. D3 ou ainda Calcitriol.
Acontece que nem sempre temos uma exposição ao sol suficiente. Ou porque se está em casa (idosos institucionalizados, por exemplo) ou porque tememos riscos (cancro da pele, nomeadamente). Se usarmos filtros solares, a radiação ultravioleta é barrada, não há produção de pré-vitamina D e todo o processo fica comprometido. Devemos, sempre que possível, ter uma exposição solar de meia hora, com o rosto, o pescoço e os braços ao sol. Se tivermos o corpo todo coberto, não receberemos radiação solar ultravioleta suficiente. Lembro ainda que o vidro não deixa passar esta radiação. Portanto, atrás de uma janela fechada de casa ou do automóvel não há irradiação UV.
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