Os tempos médios de espera acima das 15 horas que se chegaram a registar esta terça-feira no Hospital Santa Maria (Centro Hospitalar Lisboa Norte) estão a ser causados por uma maior concentração de doentes complexos, que sofrem de problemas crónicos e cujos quadros clínicos descompensaram — em alguns casos, consequência dos excessos típicos das festividades, noutros por causa do frio e do impacto das infeções respiratórias.
As explicações foram avançadas ao Observador por fonte oficial do Centro Hospitalar Lisboa Norte: não está a haver uma afluência aos serviços de urgência maior do que é habitual nesta época, mas há mais doentes avaliados com as pulseiras amarela e laranja, ou seja, considerados urgentes ou muito urgentes. Na maior parte dos casos, são pessoas idosas que já padeciam de doenças como a diabetes, insuficiências cardíacas e insuficiências respiratórias, e cujas situações se degradaram pelos excessos alimentares dos últimos dias, as complicações trazidas pelo frio dos últimos dias e as síndromes gripais.
Às oito da manhã desta terça-feira, por exemplo, havia 180 doentes em permanência no serviço de urgência do Hospital Santa Maria. Habitualmente, 60% desses utentes acorrem às urgências com quadros clínicos urgentes, muito urgentes e emergentes, enquanto os restantes 40% são considerados pouco urgentes e não urgentes. Esta terça-feira, as proporções alteraram-se: os casos urgentes correspondiam a 70% dos 180 doentes que estavam nas urgências às primeiras horas da manhã; e só 30% não tinham critérios de urgência hospitalar.
Como os quadros clínicos eram mais complexos do que o normal, até mesmo para um hospital em fim de linha (que já tende a receber casos mais agudos), nem mesmo os 18 médicos em funções — um número que, segundo o centro hospitalar, é “adequado” e que preenche na totalidade as escalas — conseguem dar vazão rapidamente a este perfil de doentes porque o tratamento exige a realização de múltiplos exames e análises, cujos resultados costumam demorar mais a ser obtidos. Mais: neste momento, 60% das pessoas atendidas no Santa Maria são de fora da área de referência do hospital. E isso acrescenta uma dificuldade porque é mais difícil encontrar toda a informação clínica necessária para o diagnóstico.
Os serviços de urgência no hospital também estão a sofrer com uma menor capacidade do internamento para absorver utentes. Numa época em que muitas camas estão ocupadas por doentes respiratórios, há pessoas que permanecem no serviço de urgência enquanto esperam por uma vaga no serviço de internamento. É por isso que, para garantir uma maior fluidez na resposta nas urgências, o Santa Maria está a agilizar altas de modo a retirar das urgências os doentes crónicos com casos agudos que precisam de internamento. De facto, os tempos médios de espera foram diminuindo ao longo do dia: às 18h45, a expetativa do tempo de espera das 52 pessoas nas urgências, embora acima do recomendado, era já de oito horas e 37 minutos — quase menos seis horas do que se registava pela manhã.
Ministério estuda fechos alternados das urgências gerais
Mas as medidas podem vir a ser mais estruturais do que isso. Em declarações aos jornalistas a partir do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, o ministro da Saúde já tinha admitido outra estratégia: o alargamento às urgências gerais do modelo de rotatividade, com fecho alternado de serviços, que se aplicou nos últimos dois fins de semana (Natal e Ano Novo) às urgências de ginecologia e obstetrícia — mas só depois de um estudo técnico. Manuel Pizarro apontou a região Norte como exemplo desse funcionamento, que foi implementado há cerca de 10 anos pelo atual diretor executivo do SNS, Fernando Araújo.
Na região Norte funcionam já há muitos anos as chamadas urgências metropolitanas, em que há concentração de várias especialidades no que diz respeito ao serviço de urgência num dos hospitais da região”, disse o ministro. Mas, “antes de uma qualquer decisão política, tem de haver um estudo técnico que fundamente e dê segurança a essa decisão política”, defendeu.
No caso do Hospital Santa Maria, que é o maior do país, por volta das 15h a página do Serviço Nacional de Saúde (SNS) apontava para que, com base no tempo médio de espera dos utentes que passaram pela urgência desde as 13h, um caso urgente — e havia 56 — teria de esperar quase 13 horas para ter resposta. Mesmo os casos avaliados como muito urgentes ainda tinham de suportar uma hora e 15 minutos na sala de espera. Os casos pouco urgentes (30) tinham quase seis horas de espera.
São números que estão muito acima dos tempos previstos de atendimento da Triagem de Manchester, que avalia os quadros clínicos dos doentes que chegam à urgência com base na gravidade da situação; e que os classificam com uma de cinco cores: vermelho (emergência), laranja (muito urgente), amarelo (urgente), verde (pouco urgente) e azul (não urgente). Idealmente, os casos urgentes não devem esperar mais de 60 minutos antes de serem atendidos e os casos muito urgentes devem começar a ser acompanhados em apenas 10 minutos. No Santa Maria, os doentes urgentes estão a esperar 15 vezes mais. Os muito urgentes, sete vezes mais que o recomendado.
Parte da resposta também está na pressão que as infeções respiratórias estão a provocar nos hospitais neste momento, como de resto é habitual nesta época do ano. O último relatório com os resultados da monitorização e vigilância da Direção-Geral da Saúde (DGS) e do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), referente à semana entre 19 e 25 de dezembro, já apontava que, apesar de ter havido “uma ligeira diminuição da proporção de episódios de urgência hospitalar por síndrome gripal”, a atividade epidémica da gripe estava com “tendência crescente”.
Ou seja, os novos casos de infeção por vírus respiratórios que começavam naquela semana a adensar os números da síndrome gripal podem estar agora a dar entrada nas urgências hospitalares por agravamento dos sintomas. E isto numa altura em que, a jusante dos serviços de urgência, os serviços de internamento também já estão a ser sobrecarregados pela maior afluência aos hospitais: o relatório dizia também que “a proporção de episódios de urgência por síndrome gripal com destino ao internamento”, que estava perto dos 13%, “apresentou uma tendência crescente”. Em alguns hospitais, isto traduz-se numa saturação dos internamentos: sem capacidade para receber mais doentes, os serviços de urgência ficam entupidos por quem não tem cama para ficar internado.
Centros de saúde estão a funcionar, mas há menos gente a procurá-los
Já esta terça-feira, o ministro da Saúde explicou a origem das complicações que se estão a sentir nas urgências hospitalares — sobretudo no Santa Maria e no Beatriz Ângelo, em Loures, onde os casos urgentes estão a esperar mais de 11 horas para serem atendidos. Em declarações aos jornalistas à margem de uma visita ao Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Manuel Pizarro deixou um apelo: “Pessoas que não têm razão para ir à urgência, deixem de ir à urgência. Procurem a Linha de Saúde 24 [SNS24], ou os centros de saúde”.
Neste momento, e tal como a Autoridade Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo explicou ao Observador, os cuidados de saúde primários na região continuam a responder às exigências e “têm adaptado a sua resposta à realidade epidemiológica da gripe e de outras patologias próprias do outono/inverno”: “Isso implica o ajustamento dos horários de funcionamento das unidades de saúde, procurando fazer uma melhor gestão dos recursos e garantir uma resposta à procura.”
Aumento das consultas nos centros de saúde com pouco reflexo nas urgências
É o que está a acontecer em todos os 15 agrupamentos de centros de saúde (ACES) de Lisboa e Vale do Tejo, que dispõem do regime de “Atendimento Complementar” — mais conhecidos por “centros de saúde fora de horas” — para situações de doença súbita que necessitem de resposta imediata; e cujo funcionamento vai sendo adaptado às necessidades. Neste momento, há 36 atendimentos complementares em Lisboa e Vale do Tejo, cujas localizações e horários podem ser consultados aqui. Em Lisboa Norte, onde fica o Hospital Santa Maria, há um: o centro de saúde de Sete Rios, cujo horário alargado vai até às 22h em dias úteis.
De acordo com o governante, neste momento, duas em cada cinco pessoas que vão à urgência — e, em alguns hospitais, metade delas — “poderiam ser melhor tratadas se não recorressem ao serviço de urgência e diminuíam a pressão sobre o serviço de urgência”. A DGS já tinha confirmado que, apesar das medidas que ditavam o alargamento dos horários de funcionamento dos centro de saúde e a prestação de cuidados em pleno aos fins de semana, estava a haver uma diminuição do número de consultas nos cuidados de saúde primários. Os atendimentos triados pelo SNS24 e as chamadas recebidas pelo INEM também diminuíram.
Em resposta ao Observador, a ARS de Lisboa e Vale do Tejo repetiu o conselho do ministro da Saúde e instruiu os utentes a contactarem a Linha SNS24 antes de irem ao centro de saúde ou à urgência do hospital: “Há situações de doença súbita que podem ser orientadas e/ou resolvidas através deste contacto telefónico, evitando-se assim deslocações desnecessárias às unidades de saúde”, insistiu.
Mas, de acordo com a Associação de Medicina Geral e Familiar, cerca de 200 centros de saúde estão a funcionar com horários de atendimento alargado ou complementar, mas “não é totalmente transparente” se está registar-se alguma diminuição do recurso às urgências hospitalares: “O que nós vemos é que as urgências hospitalares andam sempre com um número mais ou menos constante, elevado, entre os 15 mil e os 20 mil episódios de urgência por dia, e isso não tem uma relação direta com o número de consultas que estão a ser feitas de forma não programada nos cuidados de saúde primários”.
Em declarações à Agência Lusa, no final do mês de dezembro, o presidente da associação, Nuno Jacinto, sublinhou: “Não podemos assumir que a responsabilidade das urgências estarem cheias é dos centros de saúde, porque não é. O que verificamos é que, mesmo quando os centros de saúde estão a dar essa resposta, o reflexo que existe a nível das urgências é pouco, acaba por ter pouco impacto e os números, que são públicos, são oficiais, traduzem isso mesmo.”