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Xavier Martinet esteve à frente da Renault Portugal, entre 2013 e 2015. Agora é um dos homens-fortes ao comando da Dacia, como vice-presidente sénior da marca romena. Tem sob a sua alçada vendas, marketing e operações
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Xavier Martinet esteve à frente da Renault Portugal, entre 2013 e 2015. Agora é um dos homens-fortes ao comando da Dacia, como vice-presidente sénior da marca romena. Tem sob a sua alçada vendas, marketing e operações

Xavier Martinet esteve à frente da Renault Portugal, entre 2013 e 2015. Agora é um dos homens-fortes ao comando da Dacia, como vice-presidente sénior da marca romena. Tem sob a sua alçada vendas, marketing e operações

“Se a Dacia está satisfeita, se os concessionários estão satisfeitos e se os clientes estão satisfeitos, para quê mudar?”

A Dacia passou de marca baratinha a escolha racional. Mesmo sem descontos, as vendas disparam e as fábricas não param. Mas “o melhor ainda está por vir”. Entrevista ao vice-presidente Xavier Martinet.

Pertença do Grupo Renault desde 1999, a Dacia é uma verdadeira caixinha de surpresas. Ressurgiu pela mão dos franceses como um construtor low cost, com veículos que se apoiavam nos preços reduzidos, mas rapidamente se começou a apoiar no value for money, onde o preço acessível é tão importante quanto o conteúdo. E esta estratégia funcionou tão bem que, hoje, a marca romena dos franceses vende mais de 800.000 veículos por ano e lidera as vendas europeias no que respeita aos clientes particulares. Tudo isto sem descontos e com uma grande fidelização de clientes.

Um dos principais elementos na administração da Dacia é Xavier Martinet, que ocupa o lugar de vice-presidente sénior de vendas, marketing e operações, um francês que conhecemos desde os tempos em que liderou a Renault Portugal, entre 2013 e 2015.

Em entrevista ao Observador, Martinet explicou a estratégia que elevou a Dacia ao estatuto de “galinha dos ovos de ouro” dentro do grupo gaulês, capaz não só de liderar na fidelização de clientes como, nos dias que correm, de até já conseguir vender a frotistas sem descontos. Tudo isto mantendo-se fiel aos concessionários tradicionais (de que muitos construtores querem abrir mão), com os quais pratica uma política de preços fixos que ajuda a controlar a desvalorização dos usados.

Antes de ser comprada pela Renault, em 1999, a Dacia vendia um carro velho e ultrapassado como o R12. Partindo dessa base, como é que foi possível fazer com que a marca passasse a ser considerada um cash cow dentro do Grupo Renault, sendo uma das que mais vende a clientes particulares?
Basicamente, apostámos em conceber um modelo de negócio que fosse complementar ao da Renault. Isso levou-nos a aplicar o princípio design to cost, que passa por colocar no veículo tudo o que cliente necessita, mas não mais do que isso, e essa directiva permitiu-nos fazer da Dacia a marca com o melhor conteúdo no value for money do mercado.
Quando lançámos a Dacia, há quase 20 anos, a marca era percebida como um construtor low cost. Com o tempo, essa percepção evoluiu graças a um sistema industrial altamente eficiente e graças também a um modelo de negócio muito racional no que respeita às vendas e ao marketing, com pouca diversidade, o que se traduz por poucos modelos, poucas opções de equipamento e nada de descontos. Foi assim que conseguimos passar de uma marca low cost para algo que hoje é verdadeiramente value for money, concentrando-nos naquilo que é essencial para o cliente. E acreditamos que hoje há muitos clientes que não podem aceder a veículos mais caros, ou preferem não o fazer, optando por adquirir o carro de que verdadeiramente necessitam. É por isso que a Dacia tem o sucesso que se lhe reconhece, estando perfeitamente alinhada com o tempo em que vivemos. Digo mais: acreditamos que, para a Dacia, o melhor ainda está por vir.

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Já falaremos do futuro. Antes disso, pergunto-lhe se há uma reacção negativa dos clientes aos carros baratos, que acaba por condicionar o desempenho comercial? Isto porque, quando a Dacia estava focava na estratégia low cost, havia muitas pessoas que não consideravam sequer a possibilidade de adquirir um modelo da marca. Reconhece isso?
O low cost no mercado automóvel não funciona tão bem como num produto do supermercado. Um carro é algo muito caro, sendo o segundo maior investimento de uma família, depois da casa. Havia clientes que preferiam não comprar um carro low cost por temerem que isso transmitisse uma imagem de insucesso na vida, optando muitas vezes por adquirir um carro usado. A nossa decisão de fazer evoluir a Dacia para veículos value for money alargou a nossa base de clientes. Basta recordar que, em 2010, cerca de 55% dos nossos clientes vinham dos automóveis usados e decidiam comprar um Dacia por ser novo e possuir garantia. Em 2021, este valor baixou para apenas 30%, o que significa que muitos mais clientes vinham dos carros novos e passaram a comprar os nossos modelos por gostarem e por acreditarem ser uma boa opção, sem lhes prejudicar a imagem.
Mudar a imagem de um construtor é um processo lento, mas nós conseguimos fazê-lo com sucesso e os novos modelos ajudaram imenso. O novo Sandero e o facelift do Duster tiveram um papel importante, tal como o Dacia Spring, que provou que nós conseguimos produzir um modelo eléctrico sem romper a promessa com os clientes de ter um veículo com um preço acessível. Temos também o Jogger e, dentro de uns anos, o Bigster, além da nova identidade do construtor que se vai reflectir na rede de distribuição. Tudo isto leva-nos a ter a certeza que a Dacia vai continuar a crescer.

  • A gama da Dacia actualizada com a nova identidade da marca
  • Dacia Duster
  • Dacia Sandero Stepway
  • Dacia Jogger
  • Dacia Spring
  • Dacia Sandero

Quão importante foi o Duster para a estratégia da Dacia?
O Duster foi um game changer. A Dacia ainda era uma low cost à época e se na altura havia muitos clientes que não ponderavam comprar os nossos modelos, a realidade é que não tinham qualquer problema em adquirir um Duster, por verem nesta proposta um SUV robusto com um preço imbatível. Depois o modelo evoluiu, alinhando com a nova estratégia e está cada vez mais competitivo. Costumamos dizer que o Logan foi a primeira revolução, o Duster foi a segunda e o Spring, provavelmente, é a terceira, pois produzimos um modelo eléctrico por um preço que ninguém tinha conseguido antes.

Guiámos o Dacia Spring. Além de barato, gasta pouco

Como é que foi possível conceber um eléctrico tão acessível como o Spring?
Não é fácil e poucos construtores julgavam ser possível. Mas tivemos a coragem de tomar algumas decisões difíceis, como optar por conceber um carro leve, com somente 970 kg, pois isso obrigava-nos a menos baterias, logo menos peso e custos inferiores. Optámos por um modelo do segmento A, vocacionado para circular em meio urbano e com um pequeno motor para ser económico, uma vez que não pretendíamos ter um carro muito rápido no arranque, nem capaz de percorrer 400 km entre recargas ou com uma velocidade máxima de 160 km/h. Eu lembro-me que, quando trabalhava na Renault em Portugal, não era fácil encontrar um local em Lisboa ou nos arredores onde se pudesse ultrapassar 125 km/h, a velocidade máxima do Spring, pelo que este valor serve à maioria dos clientes. Depois, a potência não é muita, mas a força do motor eléctrico é surpreendente, o que torna o pack muito competitivo. E os clientes gostam, como prova o facto de a maioria dos que compram o Spring optar pelo nível de equipamento mais elevado.

"Lembro-me que, quando trabalhava na Renault em Portugal, não era fácil encontrar um local em Lisboa ou nos arredores onde se pudesse ultrapassar 125 km/h, a velocidade máxima do Spring, pelo que este valor serve à maioria dos clientes"

Para o sucesso da Dacia é determinante produzir na Roménia?
Admito que fabricar os Dacia na Roménia e em Marrocos tem o seu peso, porque nesses dois países os ordenados são mais reduzidos do que na Europa Ocidental, mas este não é o único factor. O sucesso da marca é tal que todas as fábricas estão a trabalhar em pleno, sempre com três turnos para garantirem 24 horas de produção, durante sete dias por semana. A relação com os fornecedores também é muito importante para a máxima eficiência do processo produtivo.

Recentemente, a Mercedes anunciou que vai abandonar os seus modelos mais pequenos e baratos, concentrando-se nos maiores e mais caros, que são aqueles que geram margens de lucro superiores. Como é que a Dacia consegue ser uma “mina de ouro”, quando só produz carros pequenos e baratos?
Na Europa, todos os anos há 15 a 16 milhões de clientes que compram veículos e todos eles têm determinadas expectativas e necessidades específicas. Muitos vão encontrar o seu carro ideal na Mercedes, ou em qualquer outra marca, e muitos vão preferir os nossos Dacia. Contudo, também é preciso ter em conta que as exigências ambientais e de segurança são crescentes. O Euro7, o GSR2 (General Safety Regulation 2) e o EuroNCAP obrigam a cada vez mais equipamento a bordo, para incrementar a segurança e proteger o ambiente, o que encarece os novos modelos. E é neste contexto que, na Dacia, nos entregamos a uma tarefa desafiante: temos de continuar a desenvolver veículos que sejam interessantes para os clientes e interessantes para nós.
O Spring é um excelente exemplo de como é possível conciliar as novas exigências do mercado com as necessidades dos clientes. Todos os meses recebemos 5000 encomendas para o Dacia eléctrico, o que é um bom valor, mas convém ter presente que seria impossível, com as novas e crescentes obrigatoriedades impostas pela regulamentação, conceber um veículo acessível do segmento A, como o Spring, com motor de combustão. Daí que tenhamos avançado para um eléctrico.

"Todos os meses recebemos 5000 encomendas para o Dacia eléctrico, o que é um bom valor, mas convém ter presente que seria impossível, com as novas e crescentes obrigatoriedades impostas pela regulamentação, conceber um veículo acessível do segmento A, como o Spring, com motor de combustão"
Xavier Martinet

E o Bigster pode vir a ser o Duster do segmento C?
Pode ser, mas temos de ter cuidado, uma vez que as expectativas dos clientes do segmento C são distintas das dos clientes do segmento B, como o Duster. O Bigster não pode ser apenas um Duster em ponto grande. Pode retomar a filosofia e até partilhar algumas soluções e elementos estilísticos, mas não pode seguir a mesma receita. Os clientes do segmento C têm mais dinheiro e são mais exigentes, pelo que temos de conceber o Bigster respeitando esta diferença.
A Dacia quer que os clientes comprem o Bigster não por ser barato, mas por ser exactamente o modelo que lhes faz falta. O nosso modelo do segmento C tem de os convencer racionalmente, mas também aspiracionalmente. É o tal conceito value for money em que estamos a investir. E, para isso, contamos apresentar um design mais atraente e desejável.

A ofensiva SUV da Dacia vai continuar com o Bigster, mas não lhe basta ser um Duster em ponto grande, diz Martinet, porque os clientes deste segmento "têm mais dinheiro" e são "mais exigentes"

GREG

Até há umas semanas, o Xavier Martinet era senior vice-president da romena Dacia e da russa Lada. Qual é a situação actual da Lada?
A guerra implicou muitas alterações e, a 17 de Maio, o Grupo Renault vendeu as suas acções da Lada, pelo que a marca já não faz parte do grupo. É um desperdício, mas foi algo que tivemos que fazer com base na situação criada.

A sede da Dacia está em pleno leste europeu, numa zona muito complicada devido à guerra e que tem imposto limitações a alguns fornecedores da indústria. A Dacia tem enfrentado dificuldades a este nível?
A sede da Dacia é na Roménia, mas o aparelho industrial está dividido pela Roménia e por Marrocos. A capacidade fabril marroquina é inclusivamente maior, uma vez que nas fábricas de Casablanca e de Tanger são produzidos 450.000 veículos por ano, a que se juntam as 300.000 unidades da fábrica romena.
Os problemas dos fornecedores têm afectado todas as marcas, umas mais que outras. Nós, por exemplo, temos sentido faltas de ABS, mas assim que surge uma falha, tentamos encontrar uma solução, uma alternativa. É preciso considerar igualmente outras alterações provocadas pela guerra, como por exemplo o preço do aço. Os veículos são essencialmente construídos com peças de aço e quando o preço do aço duplica, como está a acontecer agora, é preciso enfrentar o problema.

"Os clientes querem saber onde compram o carro e a quem o compram, bem como e onde o assistem, pelo que neste caso o actual sistema de concessionários é o ideal para nós, porque é o desejado pelos nossos clientes"

Agora fala-se muito da alteração do sistema de vendas, substituindo a tradicional concessão pelo novo agenciamento, para reduzir os custos associados à cadeia de distribuição. Qual é a posição da Dacia?
O que queremos é encontrar a melhor forma de servir os nossos clientes, tanto na venda como no pós-venda, e toda esta conversa a propósito do melhor esquema de distribuição só se refere a vendas. O mundo está a evoluir, mas se já não há muitos clientes que processem a compra só fisicamente, tão pouco há muitos clientes que só realizem a aquisição digitalmente. Na realidade, o que hoje existe é o que se denomina “figital”, ou seja, é uma mistura de ambas. Acreditamos que a rede de concessionários continua a ser a chave para o Grupo Renault e Luca de Meo já afirmou isso mesmo. Os clientes querem saber onde compram o carro e a quem o compram, bem como e onde o assistem, pelo que neste caso o actual sistema de concessionários é o ideal para nós, porque é o desejado pelos nossos clientes.

A nova imagem da Dacia vai chegar aos concessionários

Mas a troca dos concessionários pelo agenciamento não tem como objectivo, para as marcas, acabar com os 15% a 20% absorvidos pelas actuais redes de distribuição?
Sim, mas isso não acontece com a Dacia, pois já trabalhamos há muito com uma margem fixa de 5% e todos os nossos clientes sabem que os nossos preços também são fixos, o que nos ajuda a ter valores residuais elevados e a possuir uma das mais altas taxas de lealdade no mercado europeu.
Se a Dacia está satisfeita com a actual situação, se os concessionários estão satisfeitos com a forma de realizar os negócios e se os clientes estão igualmente satisfeitos, então não há qualquer motivo para mudar.

10 milhões

  •  A Dacia já vendeu mais de 10 milhões de automóveis desde 1968, ano da sua fundação. Um Dacia Duster foi o automóvel n.º 10 milhões
  • 2,6 milhões de Dacia Sandero e Sandero Stepway foram vendidos desde então, o que faz deste modelo o best-seller da marca e o automóvel mais vendido a clientes particulares na Europa desde 2017. Em Portugal, também é líder de vendas a particulares desde 2020
  • 2,3 milhões de Dacia 1300 (e suas variantes) foram também comercializadas desde a criação da marca em 1968 até à aquisição da mesma pelo Grupo Renault, em 1999
  • 2.1 milhões de Dacia Duster foram vendidos desde a sua primeira geração, fazendo dele o SUV mais procurado por clientes particulares na Europa desde 2018
  • 1,95 milhões de Dacia Logan e Logan MCV entregues a clientes

A Dacia pratica preços fixos para clientes particulares. Para incrementarem as vendas, os descontos de 30% a 40% para frotistas podem ser uma possibilidade?
Nós não fazemos descontos, nem mesmo a frotistas, e mesmo assim a Dacia tem conseguido vender frotas de veículos a clientes. Há frotistas que procuram SUV 4×4 com um preço acessível e o nosso Duster é muito competitivo, mesmo sem descontos. O mesmo acontece com o Dacia Spring, que já é muito competitivo face à concorrência, sem qualquer desconto.
Simultaneamente, estamos a tentar gerir o nosso negócio de forma mais eficiente, por exemplo reduzindo os stocks. E esta é uma das poucas consequências positivas da crise actual, que nos está a forçar a tornar todo o processo mais eficaz e com menos perdas. Há quem aproveite o facto de ser mais eficiente para fazer descontos e assim vender mais carros, mas esse é um caminho sem retorno. Depois de começar a fazer descontos não há forma de parar e, com isso, os veículos perdem valor comercial, o que é mau para os clientes. A estratégia que temos seguido nos últimos 15 anos tem funcionado bem, por isso tencionamos mantê-la.

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