A indemnização paga de forma duvidosa a uma administradora que saíra da TAP, que desencadeou todo o novelo em que o Governo está enredado nos último meses, já parece apenas um detalhe longínquo. O caso ultrapassou o criador e segue, já com dimensão assinalável, na comissão de inquérito da TAP. Chegou a um complexo emaranhado que surgiu no preciso ponto em que se juntou na mesma frase secretas e o gabinete do primeiro-ministro. António Costa respondeu a 15 perguntas do PSD, mas nada acrescentou ao que já tinha dito, deixando sem resposta perguntas concretas que continuam a pairar.

Mendonça Mendes foi contactado por João Galamba?

O nó mais complexo está agora no único telefonema referido pelo ministro João Galamba que não foi confirmado até agora: a chamada para o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. No dia em que falou dele pela primeira vez, a 29 de abril, Galamba dava garantias de ter reportado o que se passara no seu Ministério, nomeadamente a parte do computador levado pelo adjunto exonerado, ao gabinete do primeiro-ministro, que tutela as secretas. O primeiro-ministro e o seu Adjunto, António Mendonça Mendes, nunca confirmaram este contacto — e não faltaram momentos em que foram confrontados muito diretamente com isso mesmo.

Até aqui todos os outros telefonemas descritos por Galamba foram confirmados pela outra parte, incluindo aquele que António Costa recebeu — e a que só respondeu mais tarde — quando estava a conduzir. Depois de várias fintas à questão nos últimos dias, o primeiro-ministro respondeu a perguntas do PSD sobre o caso e voltou a deixar sem resposta esta pergunta concreta. “Quando ocorreu e em que termos [o contacto com António Mendonça Mendes]?”

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Costa continua sem confirmar telefonema entre Galamba e Mendonça Mendes

Nesta altura, a oposição levanta dúvidas sobre o conteúdo do telefonema, ou até mesmo sobre a existência do mesmo. Se não tiver existido, o caso ganha outra dimensão, uma vez que o telefonema a António Mendonça, hora e sítio onde aconteceu, foi relatado pelo ministro João Galamba quando esteve na comissão parlamentar de inquérito. Estas comissões têm poderes idênticos aos das inquirições judiciais e quem prestar falso testemunho nesse âmbito pode sofrer consequências penais — este mesmo ponto tem sido lido antes de cada audição no inquérito sobre a gestão da TAP pelo presidente da comissão (também está longe de ser a primeira acusação de eventual mentira a uma comissão parlamentar de inquérito na história destas comissões, basta ir aos arquivos).

A misteriosa novela de São Bento. Costa e Mendonça Mendes fugiram 28 vezes a confirmar versão de Galamba

Sugestão de reporte ao SIS, pelo gabinete do primeiro-ministro, existiu?

João Galamba foi aos detalhes sobre este telefonema concreto: estava em casa e tinha acabado de saber o que se passara no seu Ministério e foi aí, às 21h52, que contactou o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes. Foi dele que recebeu, segundo disse na comissão parlamentar de inquérito, a sugestão de reportar ao SIS a situação — na conferência de imprensa que dera a 29 de abril tinha dito outra coisa: que essa mesma sugestão tinha resultado dos contactos que fez para Mendonça Mendes e para a ministra da Justiça, mas entretanto Catarina Sarmento e Castro disse que nunca falou com Galamba sobre o SIS e o ministro passou a não se lembrar dessa referência.

O que Costa diz sobre esta sugestão? Nada. Refugia-se numa fórmula que não esclarece sequer se a sugestão existiu: “De acordo com o exposto pelo ministro das Infraestruturas e confirmado pela sua Chefe do Gabinete, a iniciativa de contactar o Serviço de Informações de Segurança partiu da própria Chefe do Gabinete do ministro das Infraestruturas, não tendo resultado de sugestão do Secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.”

O Governo mantém o empenho de se manter afastado de uma ordem direta às secretas para intervir, circunscrevendo a mesma aos serviços que agiram de acordo com o reporte da chefe de gabinete de Galamba — que o primeiro-ministro continua a considerar que agiu bem. Para trás ficou a garantia dada por Galamba, também da conferência de imprensa de 29 de abril, de que esse mesmo reporte tinha sido “articulado” com Eugénia Correia.

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Qual a base legal da ação do SIS?

Outro problema que a ação das secretas tem levantado é sobre a sua legalidade. O primeiro-ministro tem referido sempre que ela existe, mas nunca concretiza qual a base legal em que se fundamenta. Nestas respostas ao PSD continua a não esclarecer. Os social-democratas perguntam muito concretamente sobre o enquadramento legal desta convicção de António Costa, mas o primeiro-ministro aponta apenas para “a avaliação do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa” que obteve “junto da Secretária-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa”.

Costa mantém que considera que o SIRP “agiu adequada e proporcionalmente no âmbito das suas competências de natureza preventiva”. Mas as dúvidas ainda se mantêm, tanto que a Procuradoria-Geral da República está a investigar a ação do SIS neste caso, podendo estar em causa a prática do crime de abuso de poder. De acordo com o relato já tornado público pelo ex-adjunto de João Galamba, Frederico Pinheiro, existiu uma abordagem de um agente do SIS, na noite do dia 26 de abril, para a devolução do computador do Ministério. Pinheiro disse que foi contactado duas vezes e que o agente que se encontrou com ele lhe disse que estava “a ser muito pressionado de cima”.

Não devia ter sido a PJ a intervir?

Na noite em que tudo aconteceu, o SIS recebeu um reporte sobre o computador levado com documentos classificados, mas também foram feitos contactos para os diretores nacionais da PSP e para a PJ, com o respaldo dos ministros das respetivas tutelas, Administração Interna e Justiça (dois telefonemas de Galamba que foram confirmados pelos próprios). A PSP foi chamada por causa dos acontecimentos no Ministério (houve queixas de agressões e de sequestro) e a PJ contactada a conselho da ministra da Justiça. A Judiciária só atuou no dia seguinte, para a recuperação do computador entretanto já resgatado pelo SIS.

O PSD quis saber a razão desta “descoordenação”, entendendo que competia à PJ intervir num caso no âmbito da polícia criminal e não o SIS. Costa não responde sobre a ação prévia (que é o que é questionado), mas apenas sobre o que aconteceu a seguir. “Tanto quanto é do meu conhecimento o Serviço de Informações de Segurança articulou-se devidamente com a Polícia Judiciária, designadamente na preservação da integridade e integralidade da informação contida no computador que lhe foi entregue pelo Dr. Frederico Pinheiro”. Nada diz sobre uma eventual descoordenação e sobre a quem cabia agir no terreno naquela diligência concreta.

Mantém que existiu um “roubo”?

Ao ter existido um roubo, como o primeiro-ministro chegou a referir-se publicamente ao computador levado pelo adjunto exonerado, a ação não deveria ter sido centrada na PJ? A questão tem sido colocada por diversas vezes e o PSD questionou diretamente Costa sobre se “mantém a versão de que existiu um “roubo” do computador”.

Na resposta Costa repete a legalidade da ação do SIS. Mas não usa a palavra roubo, recuando para uma formulação a meio caminho, que — mais uma vez — não o comprometa: “Apropriação indevida e com recurso a violência”. E diz que enquadra a ação do SIS sobretudo com a “avaliação do quadro de ameaças sobre infraestruturas críticas e perante o alerta de quebra de segurança de documentos classificados no Ministério das Infraestruturas”.

Porque não foi também recuperado o telemóvel das Infraestruturas?

No dia em que foi ouvido na comissão parlamentar de inquérito, Frederico Pinheiro mantinha consigo o telemóvel do Ministério, que descreveu como “um mini-computador” onde podia ter continuado a aceder à documentação classificada — entretanto formatou-o e foi deixado na CPI. Ninguém pedira a sua devolução, como aconteceu com o computador. E Costa também foi confrontado com esta duplicidade de critérios, mas deixou-a sem resposta assumindo não dispor de “informação que permita responder a essa questão”.