A Operação Influencer fará cair o Governo depois da demissão de António Costa com o próprio a reconhecer que provavelmente não voltará a exercer cargos públicos no futuro. Minutos antes de Duarte Cordeiro iniciar a sua audição no Parlamento sobre a proposta de Orçamento do Estado apresentada pelo Governo demissionário, demitia-se o ministro das Infraestruturas, João Galamba, que foi seu secretário de Estado da Energia até janeiro. Uma hora e poucos minutos depois, Pedro Nuno Santos, que foi substituído por João Galamba na pasta das Infraestruturas, lançava a sua candidatura à liderança dos socialistas com a promessa de que os socialistas não “vão passar os próximos quatro meses (até à data das eleições legislativas) a discutir um processo judicial”.
Galamba demite-se pela família mas considera que tinha condições políticas para continuar em funções
Depois de mais de cinco horas de audição, Duarte Cordeiro disse aos jornalistas (usando o plural) que “estamos relativamente tranquilos relativamente às decisões que tomámos durante o exercício das nossas funções”. E acrescentou mais tarde não ter “qualquer expectativa de vir a ser constituído arguido. Antes pelo contrário”.
Confrontado com a pergunta inevitável no arranque da audição — vai demitir-se? –, o ministro do Ambiente e Ação Climática repete o que já tinha dito no domingo: “Não estou constituído arguido. Tivemos buscas no Ministério do Ambiente e estamos a colaborar.” Sem responder à Galamba — que confrontado pela mesma pergunta respondeu: não tenciono apresentar demissão (o que, no entanto, viria a fazer 72 horas depois) — o ministro do Ambiente afirmou:
“Faço parte de um governo demissionário e sinto que é meu dever o de serviço público até ser substituído por um novo Governo. Foi por decisão do Presidente que isso acontecesse só depois da aprovação do OE. Estamos aqui por dever, para termos o orçamento aprovado. É com sentido de dever e responsabilidade que estamos aqui”.
Ao longo da audição, Duarte Cordeiro não se foi furtando a responder a perguntas sobre as suspeitas que recaem sobre a atuação do Governo e do ministério que dirige, assinalando que é preciso distinguir entre as investigações e as conclusões. E assumiu a “frustração perante os episódios da semana passada por se ver impedido de desenvolver os projetos para o nosso país”. Defendeu o lítio e o hidrogénio, referindo que estes projetos essenciais para a transição energética nunca serão consensuais.
“Vai haver sempre contestação e devemos ouvir as populações. Mas temos de ter maturidade de perceber que há projetos de natureza nacional que devem avançar”.
Defendeu que o processo de avaliação de impacte ambiental do projeto do data center da Start Camp em Sines cumpriu a lei. Tal como as autorizações ambientais dadas à exploração de lítio em Montalegre e Boticas, um processo que se iniciou em 2012, mas que só conseguiu a aprovação ambiental da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) este ano, quando Duarte Cordeiro já estava em funções. E convidou os deputados a consultarem o relatório desta avaliação no site da APA, a qual se iniciou já com as regras do simplex ambiental cuja importância defendeu. Para além de assegurar que o processo do hidrogénio está a ser conduzido de forma transparente.
Ainda no capítulo das demissões, o ministro foi questionado sobre o afastamento do presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (constituído arguido por causa do papel que teve no licenciamento do data center), mas acabou por não responder. Informou apenas que Nuno Lacasta tinha pedido para sair antes do fim do mandato e antes de ser envolvido nesta investigação, tendo contudo admitido auditoria independente a alguns procedimentos da agência.
Presidente da APA pediu para sair do cargo antes de ser envolvido em Operação Influencer
Já sobre o presidente do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Duarte Cordeiro não vê razões processuais nem de conduta para afastar Nuno Banza cujo nome é referido no despacho do Ministério Público, mas não é arguido.
Poucos temas do Orçamento passaram pelo debate, mas Duarte Cordeiro defendeu a medida mais impopular da proposta. O aumento do Imposto Único de Circulação (IUC) para carros anteriores a 2007 ganhou uma repercussão excecional, mas o ministro acha que todas as medidas vão ser necessárias para a transição energética, lembrando que também está prevista a subida da taxa de carbono cobrada nos combustíveis.
“Nenhuma camada da população deve ficar isenta. Estamos a falar de um orçamento que devolve rendimentos. Não acho que pagar 2 euros por mês (25 euros por ano) seja algo tão chocante.”
Ao longo da audição, vários foram os deputados que aproveitaram para fazer balanços da liderança de Duarte Cordeiro no Ambiente ou mesmo dos governos de Costa. Balanços positivos para os socialistas e negativos para a oposição. Ainda assim, Duarte Cordeiro foi alvo de algumas manifestações de simpatia à direita. E Bernardo Blanco da Iniciativa Liberal revelou mesmo satisfação pessoal por o nome do ministro do Ambiente não estar envolvido na investigação que fez cair João Galamba e o próprio António Costa. O que Duarte Cordeiro retribuiu.
Operação Influencer. Juiz valida indícios que implicam Galamba e Cordeiro
Com o passar das horas — e esta foi uma audição tradicional do Orçamento nesta pasta com 45 perguntas na terceira ronda (uma hora e meia) — foram saindo notícias (do Observador) sobre o despacho do juiz da Operação Influencer que, tendo libertado todos os arguidos detidos na semana passada, concluiu existirem indícios de crimes económicos e financeiros, entre os quais o da vantagem indevida por causa das refeições pagas pelos gestores da Start Campus a João Galamba, mas também a Duarte Cordeiro. No final da audição, o ministro desvalorizou as implicações para si.
“Fala da fundamentação da indiciação de oferta indevida de vantagem. Não fala de fundamentação de qualquer recebimento de vantagem. Não muda nada no que diz respeito à minha pessoa”.
Nestas explicações aos jornalistas, Duarte Cordeiro procurou também normalizar as refeições pagas pelos promotores do projeto do data center. “Optamos reunir por vezes em almoços, por vezes em jantares. Nada disso significa em momento algum qualquer tipo de postura que não representa a defesa do nosso interesse público”. E garante que quer relativamente ao data center em Sines e zona especial de conservação “foi salvaguardada o cumprimento da lei”.
Na atribuição de capacidade de injeção na rede elétrica em Sines, que na investigação do Ministério Público foi designado de “despacho bar aberto”, refere que foi criado um processo concorrencial para todas as empresas que quisessem manifestar a necessidade que teriam de consumo de eletricidade para a REN poder planear os investimentos necessários de reforço.
Sobre os projetos do ministério que estavam a ser preparados — os concursos para a prospeção do lítio a nível nacional e para a atribuição de potência offshore eólica — explicou o Governo vai fazer uma avaliação em conjunto sobre as medidas e projetos que podem avançar com o Governo demissionário e as que devem passar para o próximo.