Cumprimento o Francisco Assis e agradeço  a sua presença e apoio a esta candidatura (…) cumprimento todos os autarcas, presidentes de federação, sindicalistas(…) presidentes de federação, sindicalistas (…) Quero começar esta intervenção por cumprimentar e agradecer a vossa presença num momento particularmente difícil para o nosso partido.

Logo a abrir, a exposição de armamento. Pedro Nuno Santos chegou à sede nacional do PS, no Largo do Rato em Lisboa, acompanhado de Francisco Assis. Uma imagem que vale por mil juras de capacidade de moderação do antigo jovem turco, sempre colocado como líder da ala esquerda radical do partido. Assis está do lado oposto, nos socialistas moderados, e foi um dos muito poucos que se opôs à geringonça que Pedro Nuno coordenou. Agora, na mais fina ironia política, aparecem de braço dado. Depois, o socialista que agora se candidata à liderança do PS sublinhou a presença de “autarcas, presidentes de federação, sindicalistas”, o arsenal todo junto e exposto na primeira fila da sala cheia de tudo o que o partido tem: da base ao ministro (ver em baixo).

Cumprimento também José Luís Carneiro, a sua candidatura enriquece o debate e dá força ao nosso partido”

Os cumprimentos continuaram até ao adversário José Luís Carneiro, que entrou na corrida a disparar contra a candidatura de Pedro Nuno antes mesmo dela existir. Mas Pedro Nuno quis evitar responder e entrar em despique e “alimentar conflitos artificiais”, como havia de dizer mais à frente. Só não cumprimentou os ministros na sala, um deles sentado na fila da frente, João Costa, da Educação. A outra foi uma presença menos esperada: Ana Abrunhosa, a ministra da Coesão que, em julho de 2022, ficou de “coração apertado o dia todo” quando Pedro Nuno esteve na berlinda por ter ultrapassado o primeiro-ministro decidindo sozinho a localização do novo aeroporto de Lisboa. É uma figura que o próprio primeiro-ministro, durante a campanha numa reunião a que o Observador assistiu, cola ao PSD. Certo é que, nos últimos anos, Ana Abrunhosa (que não é do PS) foi ganhando cotação junto dos autarcas do país, com o contacto permanente a que o cargo obriga. Depois há também os ministros ausentes só porque estavam ocupados: Duarte Cordeiro, o mais antigo apoiante e amigo de Pedro Nuno, estava no Parlamento a ser ouvido por causa do Orçamento; a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, que foi sua adjunta, chefe de gabinete e secretária de Estado; o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que também não conseguiu estar no Rato, mas apoia o candidato.

Os portugueses, tal como os militantes do PS, conhecem-me. Conhecem as minhas qualidades e os meus defeitos. Conhecem o meu inconformismo e a minha combatividade; conhecem a minha vontade de fazer acontecer e os meus sucessos; conhecem também os meus erros e as minhas cicatrizes. Sim, os erros que cometemos e as cicatrizes que carregamos fazem parte das nossas vidas”

Os fantasmas estão todos lá, recentes, e têm nomes: decreto de localização do novo aeroporto revogado pelo primeiro-ministro e indemnização substancial paga a Alexandra Reis para sair da TAP. A primeira polémica deitou-o por terra por uns tempos, a segunda atirou-o mesmo para fora do Governo num episódio que havia de arrastar-se por uma longa comissão parlamentar de inquérito e uma silenciosa travessia do deserto, que terminou há muito pouco tempo. A memória recente fez com que começasse logo por aí, através da imagem das “cicatrizes” que traz e que, sem outro remédio, assume. Mas vai tentando já uma justificação benigna para os erros do seu passado: “Aqueles que não fazem e não decidem, os que se limitam a gerir e a manter o que existe, esses raramente cometem erros”. A experiência governativa é um activo que Pedro Nuno quer usar já nesta campanha interna, garantindo que “quem aprende com os erros, está preparado para os evitar e melhor decidir no futuro. Quem decide e faz não pode ter medo de os cometer”.

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Sou neto de sapateiro e filho de empresário. Cresci com as dificuldades das famílias trabalhadoras e com tantas desigualdades e injustiças diante dos meus olhos. Não é por acaso que falo tantas vezes das gaspeadeiras: aquelas mulheres que trabalham horas e horas em frente a uma máquina de costura para poder criar os seus filhos e ajudá-los a ter uma vida melhor do que a delas”

Na campanha eleitoral de 2022, fez um discurso que se tornou uma lenda entre os seus, o famoso discurso das “gaspeadeiras”, com que atirou à direita num palco em Aveiro, fazendo a sua afirmação política numa intervenção cravada de ideologia que António Costa ouviu na primeira fila. Nessa altura atirava à direita que acusava de falar “em mérito para justificar e aceitar as desigualdades. Mérito? As gaspeadeiras não têm mérito? (…) Os técnicos de manutenção da CP não têm mérito? (…) As técnicas dos lares não têm mérito?”, questionou. Pôr as gáspeas em calçado é uma atividade do universo em que cresceu este “neto de sapateiro e filho de empresário” do sector (o pai trabalha com maquinaria sobretudo para fábricas de calçado) que aparece empenhado em fazer render essa experiência laboral que não é sua — até porque Pedro Nuno tudo o que tem é uma longa carreira política e isso é muitas vezes visto como uma fragilidade política. Esta é a forma de fazer crer que não é totalmente alheio à base da força do trabalho e que conhece o que se passa “fora da bolha” — uma expressão que usou nas entrevistas que daria horas depois na SIC.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a candidatura de Pedro Nuno Santos à liderança do PS.

Pedro Nuno Santos vai salvar o PS?

O setor do calçado foi sempre um dos maiores exemplos de concertação social, de acordos entre trabalhadores e empresários. Foi esta cultura de diálogo, de negociação e de concertação que me ajudou nos anos em que trabalhámos diariamente com os partidos que apoiavam o governo do Partido Socialista”

E as raízes servem ainda outro propósito: colocar-se como o político que conhece a realidade do trabalho nos vários níveis, do sapateiro ao empresário.  Pedro Nuno vem da “terra de empresários e trabalhadores, de trabalhadores que se fizeram empresários e de empresários que voltaram a ser trabalhadores”, descreveu a dada altura. Ou seja, não só sabe das horas de costura das gaspeadeiras, como dos “desafios e ansiedades permanentes dos empresários que lutam para conseguir encomendas que garantam a sobrevivência das suas empresas.” E isto com o objetivo de se colocar como capaz de concertar posições, usando como capital, mais uma vez, uma experiência indireta: “A produção na minha terra nunca se fez colocando umas pessoas contra as outras.”

Tive a oportunidade de trabalhar com um dos melhores políticos portugueses que conheci. António Costa foi o líder que derrubou os muros erguidos entre o PS e os outros partidos da esquerda parlamentar, foi ele quem teve a iniciativa de desfazer o bloqueio que colocava o PS em desvantagem face a uma direita que se conseguia entender para governar”

Era o elogio aguardado, ao socialista que lhe deu pela primeira vez poder executivo e que se demitiu antecipado em muitos anos o dia que chegou esta segunda-feira. A pressa de Pedro Nuno em chegar a liderança era notada por António Costa, que o foi mantendo sempre mais ou menos perto. A relação estava mais fria nos últimos tempos e foram muitas as críticas que fez ao Governo no curto espaço de tempo de comentário televisivo, mas nem por isso o socialista renega esse “legado”. Aliás, começa logo pelo elogio à construção da “geringonça”, que já assumiu não querer que “seja um parênteses na história da política nacional”.

Foram anos em que Portugal cresceu acima da média europeia, em que colocámos o país numa trajetória sustentada de redução da dívida pública e onde voltamos a colocar o emprego em níveis que já não tínhamos desde o início do milénio”.

Enumerou as várias crises geridas por Costa, mas acabou por focar sobretudo nas conquistas económicas dos governos de que fez parte, nomeadamente o crescimento “acima da média europeia”, a “trajetória sustentada de redução da dívida pública” e “o emprego em níveis que já não tínhamos desde o início do milénio”. Quem o ouviu querer fazer “tremer as pernas aos banqueiros”, durante o período da troika, desafiando a que não se pagasse a dívida, dificilmente o imaginaria nesta linha de moderação dez anos depois. É capital que promete não desperdiçar, tal como o do “emprego, emprego e emprego”. “Foram mais de 600 mil empregos criados desde que o PS assumiu funções no final de 2015”, lembrou a dada altura fazendo adivinhar parte dos seu argumentos de campanha (seja agora, seja uma eventual mais adiante, a enfrentar a oposição no país).

Estas matérias são fundamentais e a justiça é central para o funcionamento de uma democracia de qualidade. Mas o PS não vai passar os próximos quatro meses a discutir um processo judicial. O nosso dever é preparar e defender uma política para o país. Ao longo dos próximos meses apresentaremos as nossas ideias, nas diversas áreas, para dar resposta aos problemas e anseios dos portugueses”

Mais direto a tentar sacudir a última semana do capote, não podia ser. Os problemas judiciais que apanham vários membros dos governos que integrou, incluindo Duarte Cordeiro e João Galamba (o primeiro sempre próximo do seu percurso político e o segundo em parte dele), queimam muito diretamente a sua candidatura, mas Pedro Nuno quer evitar que a sua campanha se resuma à explicação desses casos judiciais. Não vai “ignorar”, mas o que tem a dizer nesse sentido é que não quer falar só nisso e que “o combate à corrupção constitui uma tarefa prioritária e indeclinável do Estado; em segundo, sublinhar a necessidade imperiosa de observância das regras do Estado de direito democrático, como a presunção da inocência e a independência do poder judicial”. Daqui não quer passar sobre o pesadelo que se abateu sobre o seu partido, evitando um confronto (mais um) entre o partido e o Ministério Público. Quanto aos temas em que prefere focar-se, coloca à cabeça os salários, a habitação e a valorização do território.

É muito importante lembrar todas as promessas que a direita prometeu e não cumpriu porque ainda agora nos promete que não fará acordos com a direita populista, racista e xenófoba, quando é precisamente isso que se prepara para fazer”

Foi um fantasma que rendeu votos na última campanha, Pedro Nuno Santos também o abraça: a extrema-direita está à espreita e muito próxima do PSD, mesmo que este jure que não. Quando falou da direita foi para enumerar que não conseguiu conter as contas públicas, que cortou salários e pensões, na saúde e na educação e ainda aumentou impostos. “A direita simplesmente não tem credibilidade”, afirmou, aproveitando para avisar que mesmo que agora Luís Montenegro diga que não, no dia a seguir às eleições pode entender-se com o Chega. A esse propósito ainda disse que se chegar ao poder será a primeira vez que o país será governado por alguém que nasceu em liberdade e que isso não pode distrair esta sua geração. “Talvez por não termos memória pessoal desses tempos, possamos esquecer que a democracia e o Estado Social são as maiores construções coletivas de que fomos capazes. Talvez as vejamos como conquistas irreversíveis. Mas não são”, sentenciou.

Muito se tem falado de uma suposta divisão no PS entre uma ala ‘centrista e moderada’ e uma ala de ‘esquerda e radical’. Mas esta discussão tem pouco sentido. Alimenta conflitos artificiais e apenas serve a quem combate o PS. Na pluralidade que sempre existiu neste partido, o que está em causa não é uma disputa entre a moderação e o radicalismo”.

A mensagem para acalmar as hostes de um partido que sai ferido para eleições internas e depois nacionais é que o candidato a líder não quer que se divida nesta primeira luta. No entanto, a tirada vai direta ao seu adversário José Luís Carneiro, que entrou na campanha a atirar ao esquerdismo de Pedro Nuno Santos. Com o argumento de que essa conversa só serve a oposição, o socialista diz que o que está em causa na disputa interna é tirar a limpo quem está em “melhores condições de unir o partido” e quem “é o melhor intérprete e executante do projeto de transformação do país de que o PS tem de ser o portador”. Para Pedro Nuno Santos a resposta é há muito tempo ele mesmo. A oportunidade formou-se agora.