“Rearrumar” feriados ou mover os que calham ao fim de semana para o dia útil seguinte e, assim, criar semanas de quatro dias? Vários partidos mencionam a redução do tempo de trabalho como necessária mas PAN e Livre têm ideias para agilizar a implementação da chamada semana de quatro dias — de forma mais pontual ou duradoura. O Observador analisou as propostas das principais forças políticas que vão a votos a 10 de março e até ao domingo das legislativas vai dissecar uma medida por dia. Será que as ideias dos dois partidos com deputado único resultariam?
Rui Tavares, do Livre, tem defendido a continuidade do projeto-piloto à semana de quatro dias, que por cá se fez no privado com os trabalhadores a reportarem melhores níveis de saúde mental e melhor conciliação entre a vida pessoal e profissional, mas que ainda não apresentou resultados sobre a produtividade (essa divulgação só deverá acontecer em abril).
No programa eleitoral, o partido quer nova experiência no privado e agora também no público, “trabalhando para uma experiência a nível nacional de um período de semanas de 4 dias”. O Livre menciona o exemplo da cidade de Valência, em Espanha, que em abril do ano passado aproveitou três feriados em segundas-feiras seguidas e instaurou provisoriamente outro feriado na segunda-feira seguinte para, assim, testar durante um mês a semana de quatro dias.
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Embora não o inscreva no programa eleitoral desta forma, Rui Tavares foi mais preciso sobre a sua ideia numa entrevista que deu ao Público: quer rearrumar os feriados permitindo ter “um trimestre inteiro de semanas de quatro dias em 2026 e outro em 2028” (a escolha daqueles dois anos decorre da distribuição natural dos feriados).
Rui Tavares já garantiu, porém, que não quer mexer nos feriados do 25 de abril e 1 de maio porque “só faz sentido comemorar no dia que lhes dá nome”, mas não especifica que feriados quereria reorganizar (o Livre, no entanto, tem outra proposta para abolir o feriado de 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, e substitui-lo por um feriado a 9 de maio, dia da Europa). A ideia é que haja um alargamento da experiência da semana de quatro dias de base voluntária em 2026 para, após uma avaliação, se legislar na legislatura seguinte.
O PAN tem uma proposta semelhante que “mexe” com os feriados, neste caso para que aqueles que calham ao fim de semana sejam movidos para o dia útil seguinte, o que — embora o partido não trace esta ligação direta no programa — permitiria criar semanas de quatro dias. A medida não é estranha em muitos países, como o Reino Unido, onde o feriado passa normalmente para o dia útil seguinte mas não é necessariamente pago pelo empregador, ou a Polónia (só se pode aplicar quando calha ao sábado), entre outros.
O partido de Inês Sousa Real também propõe que os feriados que calham durante a semana sejam colados ao sábado ou ao domingo e quer consagrar a terça-feira de Carnaval como feriado obrigatório (atualmente, fica ao critério das empresas). E fala em “generalizar” a semana de quatro dias até ao final da legislatura, 2028, com uma implementação “inicial preferencial” no interior ou territórios de baixa densidade.
Uma eventual experiência com feriados para formar semanas de quatro dias teria efeitos benéficos para trabalhadores, empresas e economia? Há ainda poucas experiências e estudos sobre o tema. São, isso sim, mais comuns as investigações sobre os efeitos dos feriados na economia, embora com pouca expressão na realidade portuguesa recente.
Valência reorganizou feriados. Resultou?
É o exemplo mencionado por Rui Tavares para defender a sua “rearrumação” dos feriados. Teve efeitos positivos para os trabalhadores mas as vantagens não terão chegado a todos os setores da economia. Em Valência, Espanha, a Câmara Municipal implementou, em 2023, um projeto-piloto que aproveitou que três segundas-feiras consecutivas calhassem ser feriado (as duas últimas de abril e a primeira de maio). Instaurou um feriado extra, temporário, na segunda-feira seguinte para, assim, criar um mês de semanas de quatro dias. Para avaliar os resultados, entrevistou munícipes (2.100 de um total de 360 mil) e recolheu informação através de sensores que instalou na cidade para monitorizar a qualidade do ar ou o tráfego, entre outros métodos. Esses dados foram comparados com uma quinta semana, logo a seguir, já sem feriado.
Em termos gerais, os munícipes relataram sentir melhorias ao nível do seu bem-estar (passavam mais tempo em atividades de lazer e com a família, ao ar livre, sentiram-se menos stressados e até consumiram menor quantidade de tabaco e álcool).
No ambiente, a qualidade do ar melhorou às segundas-feiras, com menos dióxido de azoto na atmosfera e menos trânsito, de acordo com o relatório de avaliação da experiência. Na segunda-feira não feriado da quinta semana, o tráfego foi 17% superior à média das quatro segundas-feiras feriado; o número de viagens feitas com os autocarros da empresa municipal de transporte (EMT), foi na quinta segunda-feira 133% mais elevado do que na média das anteriores.
Pedro Gomes: “Numa semana de quatro dias pode haver pessoas que queiram monetizar” o dia livre
Quanto ao consumo energético, não se tiraram grandes conclusões dado que apenas foi monitorizado um edifício público, onde o consumo diminuiu — mas, por outro lado, pode ter aumentado o consumo energético nas casas dos munícipes, um indicador não analisado. Já os efeitos na economia não foram tão unânimes, com discrepâncias registadas quer se olhe para a saúde, o comércio ou para a hotelaria e a restauração.
No caso da saúde, os relatos analisados pela coordenação do teste apontaram para uma sobrecarga das urgências devido ao encerramento dos centros de cuidados primários, já por si atarefados. Além disso, as “entidades privadas que prestam serviços de apoio domiciliário e de assistência a idosos apontam para dificuldades que podem ter sido causadas pela retirada de um dia de serviços aos seus utentes, sobretudo no caso dos idosos que não têm familiares que lhes possam prestar os cuidados de que necessitam”, embora essas consequências não tenham sido estudadas com profundidade dada a curta duração do projeto-piloto.
Acresce outro problema reportado: neste setor, em Espanha, muitos trabalhadores (sobretudo mulheres) são pagos à hora pelo que viram a sua remuneração mensal cair. Uma das intransigências dos partidos que em Portugal defendem ou admitem a semana de quatro dias é que não haja um corte salarial.
No comércio, o cenário também não foi muito animador. Aqui, a avaliação também foi feita de acordo com relatos de comerciantes, e não com base nos dados objetivos de faturação. Os comerciantes falam numa redução das vendas em 20% que atribuem ao facto de os feriados terem calhado às segundas-feiras, um dia de “vendas elevadas”, apesar de muitos terem aberto portas no dia extra de descanso. Do mesmo modo, quando os cidadãos foram questionados sobre os impactos negativos da medida, 11,7% apontaram o encerramento das lojas.
Os comerciantes acreditam que o consumo foi transferido para a restauração e hotelaria. E, de facto, os munícipes relataram ter comido fora mais vezes, ter passado mais tempo do que o habitual em bares, esplanadas ou pubs, ou a viajar mais; mas também há quem tenha passado mais tempo a cozinhar em casa. Neste setor, nem todos os trabalhadores beneficiaram de todos os feriados. “Tiveram de trabalhar mais horas do que o habitual”, dizem os investigadores, pelo que a medida “pode gerar novos postos de trabalho”.
A coordenação do projeto admite, ainda, que a redução do horário poderia permitir diminuir o número de contratos a tempo parcial, que recaem maioritariamente sobre as mulheres. E deixa um conjunto de recomendações às experiências que venham a seguir: o modelo de redução dos horários deve adaptar-se às “especificidades” de cada empresa, através da negociação coletiva, “com base num quadro regulamentar nacional que estabeleça o limite do número de horas de trabalho semanal”; mas não deve significar redução de salário.
Além disso, pede que se preste atenção ao efeitos sobre o setor primário, sobretudo a quem trabalha por conta própria na agricultura ou na pecuária, onde a atividade “não pode ser interrompida” e para a qual os efeitos da medida não foram estudados.
A necessidade de “consenso alargado”
Pedro Gomes, coordenador do projeto-piloto da semana de quatro dias no setor privado em Portugal, aponta como vantagens na “rearrumação dos feriados” o facto de “obrigar” as empresas a experimentar a semana de quatro dias no seu contexto, “um pouco à semelhança do que a pandemia fez com o teletrabalho”. Além disso, é uma “experimentação coordenada”, ou seja, podem medir-se os efeitos a um grupo alargado de empresas, a nível económico, ambiental ou demográfico. Mas também reconhece dificuldades, como a necessidade de haver um “consenso alargado”, quer com a Igreja (no caso dos feriados religiosos) quer com os parceiros sociais. E aí não é claro que esse consenso consiga ser obtido.
Ao Observador, João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), diz que não rejeita, à partida, experiências mas entende que “não é realista” pensar-se que seria exequível, para já, em Portugal.
O líder da CCP considera que a discussão deve ser inserida num debate mais amplo sobre os horários dos setores do comércio e serviços, em relação ao qual a confederação já apresentou propostas que não foram bem recebidas — incluindo a redução dos horários de domingo a quinta-feira das lojas nos centros comerciais uma vez que as noites são, nesses dias, mais calmas, concentrando-se a procura sobretudo às sextas e aos sábados. Mas a proposta não foi bem recebida pelos proprietários dos centros comerciais.
Por isso, com a situação atual, implementar uma medida à semelhança de Valência implicaria contratar mais trabalhadores, logo, aumentar os custos a cargo das empresas, segundo entende. “Não nos opomos a que se façam experiências, mas é preciso discutir todo o enquadramento”, defende.
Quem dá mais no salário mínimo e nos dias de férias? As ideias dos partidos para o mundo laboral
Outros partidos mencionam a semana de quatro dias nos seus programas eleitorais. O Bloco entende que a esquerda “deve investir decididamente num programa de redução progressiva do horário de trabalho e num programa de estabelecimento da semana de quatro dias de trabalho, sem perda salarial e com progressiva redução do tempo de trabalho”, admitindo uma lei da redução dos horários “imperativa para todas as empresas“: em 2025, para as 38 horas, em 2026 para as 36 horas, em 2027, para as 34 horas semanais e, para as empresas que adiram à semana de quatro dias, 32 horas a partir de 2028.
Os bloquistas inscreveram no programa a consagração na lei da possibilidade de se optar pela semana de quatro dias sem redução de horário nem perda de rendimento (atualmente, há o chamado horário concentrado mas pode implicar aumentar o horário diário).
Também o PCP quer garantir que a semana de quatro dias “não pode ser aplicada à custa do aumento da jornada diária e/ou da diminuição do salário ou de outros direitos e remunerações, ou ainda da imposição de trabalho por turnos ou laboração contínua”.
Em Portugal, a experiência-piloto foi implementada de junho a novembro do ano passado com 21 empresas na fase de implementação (outras 20 avançaram por si) e cerca de 200 trabalhadores. 95% das empresas que testaram avaliaram a experiência positivamente e os trabalhadores relataram efeitos a nível de saúde mental, como o índice de ansiedade a diminuir 21%, a fadiga em 23%, insónias ou problemas de sono em 19%, estados depressivos em 21%, tensão em 21% e solidão em 14%. Já os níveis de exaustão caíram 19%. Além disso, a percentagem de trabalhadores que sente ser difícil ou muito difícil a conciliação entre trabalho e família desceu de 46% para 8%. Os efeitos na produtividade ainda não são conhecidos, nem quantas empresas pretendem manter o modelo.
Feriados fazem bem ou mal à economia?
“Rearrumar” feriados para criar semanas de quatro dias está longe de ser uma estratégia comum, pelo que não são ainda conhecidos em profundidade os efeitos potenciais que uma experiência poderia ter em Portugal (os próprios autores do estudo em Valência avisam que não se devem tirar conclusões profundas dada a curta duração da experiência). Mais comuns são estudos sobre os efeitos na economia dos feriados, com os mais variados desenhos.
Em 2011, Itália introduziu um novo feriado, a 17 de março, para celebrar a unificação do país. Não teve consenso social, dado que as confederações patronais antecipavam impactos negativos e um aumento dos custos numa altura em que as empresas ainda lidavam com uma recessão. Um estudo abrangente realizado pela Universidade Católica de Milão olhou para o período de 1950 a 2011 de forma a avaliar se os feriados prejudicariam a economia. E a resposta foi: não — os investigadores encontraram impactos “reduzidos mas positivos na atividade económica, ou pelo menos nulos“.
“Este resultado é surpreendente e inesperado, mas as empresas não são passivas. Ajustam a sua produção durante o ano para satisfazer a totalidade da procura”, indicaram os investigadores. Ou seja, conseguem recuperar o ‘tempo perdido’. E acreditam que os trabalhadores, no dia após o feriado, “são mais produtivos e eficientes porque estão mais descansados e relaxados”.
Uma outra análise, de 2020, feita pelo Centre for Economics and Business Research, uma consultora sediada no Reino Unido, concluiu que os feriados naquele país tiveram efeitos positivos sobretudo nas lojas de DIY (“faça você mesmo”), jardinagem e mobiliário. A discussão sobre os custos dos feriados voltou, naquele país, à ribalta no ano passado, com o feriado decretado no dia útil após a coroação do Rei Carlos III, a 8 de maio.
Esse foi o pretexto para uma análise da consultora EY que concluiu que o PIB do país caiu 0,1% em cadeia naquele mês, com o feriado a “pesar na atividade” económica. Mas essa queda foi menor do que a de 0,7% em junho e setembro de 2022, meses em que também houve feriados extraordinários (em junho, foi o jubileu da Rainha e, em setembro, a morte da monarca).
O Banco Central Europeu (BCE) também se debruçou sobre os impactos económicos dos feriados, mas não muito recentemente. Uma análise de 2004 estimava que cada dia de feriado na zona euro representaria uma perda potencial no PIB anual entre 0,05% e 0,1%, depois de analisar o efeito de 3,9 dias extra de trabalho, em média, naquele ano face a 2003. É menos do que se a conta for feita de forma simples: um dia de feriado a dividir pelos 250 dias (por ano) de trabalho (daria 0,4%) num ano típico, a título de exemplo.
Uma análise de Thijs Knaap, economista chefe da holandesa APG, que gere ativos de fundos de pensão, publicada no ano passado, procura explicar porquê: “o trabalho normal é transferido para outros dias e setores como a hotelaria e o turismo veem crescer o volume de negócios num feriado (…)”. Já se houver “muitos feriados extra, o efeito será maior porque se tornará cada vez mais difícil recuperar o trabalho mais tarde”. Ao Observador, Knaap conclui: “O mais interessante é que o impacto é muito inferior do que 1/250, que seria o que encontraríamos se toda a gente ficasse na cama o dia todo” num feriado.