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O chefe José Avillez acompanhado de duas das artistas que fazem parte do espectáculo servido à refeição no seu novo Beco - Cabaret Gourmet.
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O chefe José Avillez acompanhado de duas das artistas que fazem parte do espectáculo servido à refeição no seu novo Beco - Cabaret Gourmet.

Bruno Calado

O chefe José Avillez acompanhado de duas das artistas que fazem parte do espectáculo servido à refeição no seu novo Beco - Cabaret Gourmet.

Bruno Calado

Uma noite no novo restaurante-cabaret de José Avillez (atenção, este artigo contém spoilers)

Segue-se o relato minuto a minuto de um recente jantar no novíssimo restaurante-cabaret de José Avillez, o Beco. Mas atenção: se estiver a planear lá ir em breve leia o que se segue com precaução.

[O segredo é a alma do novo espaço de José Avillez. Assim, é importante ressalvar: quem não quiser ver prejudicada uma futura experiência no Beco pela leitura prévia deste texto deve ficar-se pelos cinco primeiros parágrafos.]

Há cerca de uma semana, aceitei um convite que implica que deixe de escrever sobre gastronomia durante algum tempo. Em reunião, ficou definido que só o voltaria a fazer caso surgissem estrondosas novidades na restauração lisboeta. Com o seguinte exemplo: “Se alguém como o Avillez abrir um restaurante és tu que escreves na mesma.” E apesar de saber que o chefe cascalense andava há meses a preparar um novo espaço dentro do seu Bairro, estava longe de imaginar que, apenas umas horas depois, receberia um telefonema da sua assessora de comunicação, Mónica Bessone, com uma notícia e um convite:

Tiago, o novo espaço já está em soft opening. Não posso revelar grande coisa, para já, mas queríamos muito que viesse conhecê-lo e jantasse cá uma noite destas.

Uma monumental Dita Von Teese desenhada por Henriette Arcelin e pintada por Patrícia Braga nas paredes da antiga capela do Convento da Trindade. (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

Gostava de pensar que foi de propósito — “Aquele gabiru acha que vai deixar de escrever sobre restaurantes? Vamos mas é tramá-lo” — mas não creio. Quando avisei a minha editora, a reação dela foi semelhante à que, suponho, tenha sido a da grande maioria dos leitores: “Vai abrir outro restaurante? Já?!” É que a inauguração do Bairro do Avillez, no último verão, ainda lhe estava bem fresca na memória — até por ter sido ela quem escreveu, e bem, sobre esse espaço para o Observador enquanto eu laureava a pevide algures na Costa Vicentina.

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Informações

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Nome: Beco — Cabaret Gourmet
Morada: Bairro do Avillez, Rua Nova da Trindade, 18 (Chiado), Lisboa
Telefone: 21 093 9234
Horário: Quinta, domingo e segunda: jantar-espectáculo das 20h30 às 22h45; bar das 23h à 01h. Sexta e sábado: jantar espectáculo das 19h30 às 21h45 e das 22h às 00h; bar das 00h às 02h
Preço: Ao balcão, 100€. Nas mesas 120€ (quintas, domingos e segundas) ou 130€ (sextas e sábados. As bebidas não estão incluídas.
Reservas: Para o jantar-espectáculo é obrigatório adquirir um bilhete previamente pelo site ou pelo telefone.
Site: www.becocabaretgourmet.pt

Até esse telefonema, confesso, ainda não sabia bem do que se tratava. Sabia o nome, Beco, sabia que ficava no interior do Bairro do Avillez, no espaço que fora da capela do Convento da Trindade, que tinha uma monumental Dita Von Teese em versão ilustrada numa das paredes mas pouco mais. Não sabia, por exemplo, que tinha como apelidos Cabaret Gourmet, que se inspirava nos clubes privados da primeira metade do século XX e que o que ali se serve é um jantar-espetáculo para maiores de 18 anos. Também não sabia que Avillez tem tradição familiar neste tipo de negócio: o trisavô, José Ereira, foi proprietário do mítico clube Maxim’s no Palácio Foz (mais informações neste artigo do excelente blogue Restos de Colecção) e outros familiares seus estiveram ligados aos casinos.

O Beco inspira-se nos clubes privados da primeira metade do século XX. (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

Foi só quando visitei o espaço pela primeira vez, ainda antes de lá ter voltado para o jantar-espectáculo, que fiquei a saber tudo isto. E mais: que só abrirá oficialmente dia 16 de março, que tem apenas 37 lugares (quatro deles ao balcão), que o acesso se faz por um bilhete adquirido previamente no respetivo site, que é sempre servido um menu degustação de 12 momentos e que o preço varia conforme o lugar e o dia da semana: 120€ às quintas, domingos e segundas e 130€ às sextas e sábados. Ao balcão o preço é fixo, 100€. Tudo o resto ficou para descobrir uns dias mais tarde, à mesa, na experiência que vem relatada ao minuto nas linhas que se seguem.

[A partir daqui, quem quiser reservar o elemento surpresa do Beco deve saltar para outro artigo. Algumas sugestões: um excelente perfil de Geert Wilders, o político mais islamofóbico da Europa, boas sugestões para baixar a fatura mensal de televisão ou esta deliciosa conversa com Paulo Futre no último “Questões do Forno Interno”.]

20h05: A reserva estava marcada para as 20h, mas a indicação de um dress code com a designação casual chic, atrasou-me cinco minutos, os mesmos que gastei a pensar por que raio alguém se lembrou um dia de combinar duas palavras que querem dizer o contrário uma da outra. Talvez fique bem, na hora do café, pedi-lo frio numa chávena escaldada.

20h06: “Beco? É ao fundo, depois das três portas”, explicam-nos (não é plural majestático, levei companhia) à entrada do Bairro do Avillez. E é ao fundo, depois das três portas, que somos recebidos por um indíviduo de cartola, colete e laço preto. Muito mais chic que casual, portanto. Pergunta-nos se fomos seguidos e acusa-nos de estar com pressa. O espectáculo começa aqui. Não, amigo, não temos pressa, apenas fome.

20h07: Atrás do nosso inquisitivo anfitrião e de uma prateleira insuspeita abre-se a porta de acesso ao Beco. Uma cortina veda os olhares indiscretos de quem janta no Bairro. Lá dentro, perguntam-nos pelo nome da reserva e conduzem-nos à mesa, entre sorrisos de cortesia. “Para começar, querem uma flûte de Perrier-Jouët ou ver a carta de cocktails?” O barman, um barbudo que podia ter saído de um qualquer catálogo dandy tem ar de quem sabe muito da poda. Venham de lá esses cocktails.

Tem ou não tem ar de quem sabe fazer bons cocktails? (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

20h10: Ficamos numa das mesas mais próximas do bar, com uma excelente perspetiva para toda a sala. O espaço não precisa de ser enorme, e não é, para ser imponente. Uma agência imobiliária gabar-lhe-ia o pé direito avantajado e o excelente isolamento acústico. Eu gabo-lhe as cadeiras resgatadas ao Belcanto pré-Avillez e a minha companheira os candeeiros Art Nouveau.

20h12: Decidi que não vou escrever “companhia/companheira” no resto do texto. Haja paciência. De agora em diante, passará a ser identificada como Nini, que dos hipotéticos diminutivos do seu nome verdadeiro é o que me parece mais apropriado à temática cabaret-gourmet. “Têm intolerâncias alimentares?”, perguntam-nos. Quantas mesas terão usado a velha piada: “Só à má comida”? A minha não foi uma delas, juro.

20h13: Em cima da mesa está uma rosa com pétalas vermelhas de cerâmica. Os guardanapos têm falsas marcas de batom. Faz tudo parte da narrativa. A música convida a um pezinho de charleston mas neste momento estamos mais preocupados em escolher os cocktails. A carta, disseram-me de antemão, tem consultoria de Dave Palethorpe, do Cinco Lounge. Sai um Kinky Boots (gin, erva príncipe e hortelã) para mim e um Miss Saigon (tequilla, estragão e maracujá) para a Nini.

20h19: Chega o primeiro snack. Ou melhor, chega mais uma rosa. O nosso empregado chama-lhe “sensualidade à mesa”. É suposto usar as pinças douradas que estão na mesa para retirar a pétala interior comestível. É doce, ligeiramente ácida. Informam-nos que se trata de uma “margarita de maçã, rosas e líchias”. Talvez precisasse de mais seis doses para identificar os sabores.

20h23: Estive a contar os empregados. Só no bar e na sala são 15. Isto para 37 potenciais clientes. Se fosse bom a matemática formulava já aqui o aparentemente impressionante rácio empregado-cliente. Ou talvez não: se fosse bom a matemática estava a salvar vidas num hospital ou a desenhar uma nova ponte sobre o Tejo.

20h26: A Nini queixa-se que as mesas são muito grandes, sente que estamos longe um do outro e que é difícil comunicar. Não sei se isto é um problema concreto ou uma figura de estilo para iniciar uma conversa sobre a nossa relação. Felizmente chegam os cocktails e isto deixa de ser um problema.

20h27: Eis outro snack, agora em dose dupla: Primeiro, duas pedras comestíveis, dentro de uma outra que não se come. Depois, as já célebres azeitonas explosivas de Avillez. “Cuidado que têm caroço”, avisa-nos o empregado. E, neste caso, não são assim tão explosivas. O caroço é de chocolate com cominhos, curioso. Já as pedras têm, no recheio, um estranho sabor a peixe. Discutimos o que será. Fígado de tamboril? Quase: “É fígado de bacalhau”, esclarecem-nos. Será que dá força, como nos xaropes de infância?

As já famosas azeitonas explosivas de Avillez incluem, aqui, um caroço de chocolate preto e cominhos. Aqui não são assim tão explosivas. (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

20h30: O terceiro momento da noite é um nigiri de salmão para comer à mão, sem pauzinhos nem pinças. A base não é arroz, mas merengue, que fica nos dentes tipo caramelos de Badajoz. A Nini garante-me que o empregado é um gémeo perdido do Vincent Cassel e desata a mostrar-me fotos do francês para provar esta teoria. E não é que tem razão?

20h33: O sósia do Cassel traz-nos mais comida. Só não garanto que é ele — e podia ser, tal a quantidade de franceses que se mudaram para Lisboa nos últimos tempos — porque fala num português imaculado. Apresenta uma pseudo pizza, que mais não é que um tártaro de atum, com cebolinho, ovas de truta, kimchi, creme de abacate e raspas de lima. Come-se à mão, segurando na base de alga nori. É fresco e picante, com o kimchi a fazer-se notar. Gosto.

20h34: Não é tudo, chega também um cornetto de sapateira, receita antiga de Avillez. Mas no recheio, em vez do habitual abacate temos mousse de algas. Já a bolacha é substituída por massa wonton. “Não aguento. Vou dizer-lhe que ele é igual ao Vincent Cassel.”, avisa-me a Nini. Seja feita a sua vontade.

20h36: E ela não perde tempo. “Desculpe, já lhe disseram que é igual ao Vincent Cassel?”, pergunta-lhe assim que se aproxima para recolher os suportes dos cornettos. “Já sim”, responde com um sorriso. “Até escreveram sobre isso no TripAdvisor”, conta com uma pontinha visível de orgulho. Escreva-se agora no Observador, que é um site mais confiável.

20h37: Não deve ser fácil ganhar dinheiro com um restaurante destes, penso. Arrisco fazer umas contas de cabeça: faturação potencial versus custos com pessoal, cachets dos artistas e food cost. Mais uma vez, desisto rapidamente. Se fosse bom nisto estava no Banco de Portugal a impedir o colapso do sistema bancário nacional. Ou então não.

20h38: É difícil não abanar os ombros ao ritmo da música. “Se quiserem dançar estão à vontade”, sugerem-nos. Duvido que seja para levar a sério, todas as mesas estão muito bem sentadas. A dança, aqui, fica para os/as profissionais.

20h40: Novo momento: um ceviche de gamba da costa e flores com leche de tigre granizado, bem picante. Um prato muito bonito, com grãos de milho lyo (liofilizados, uma invenção dos irmãos Adriá) mas que faz pouco por mim: a gamba é dos poucos bichos do mar que não me agrada ao natural. É uma questão de gosto pessoal: a Nini diz que está bem bom.

20h43: O que também deve estar bem bom é o cocktail dela, que está a dar as últimas. Eu estou a fazer uma gestão tão rigorosa do meu que merecia ser entrevistado pelo Pedro Andersen do Contas Poupança.

20h45: A Nini deu o trago final. Entretanto vê passar um outro cocktail, servido com um espelho, e pergunta o que é. A resposta obtida consta de qualquer Guia Prático do Vendedor de Sucesso : “Peça, não se vai arrepender.” Ela obedece, claro.

20h49: Chegam três tipos de pão: flat bread, baguete e de azeitonas. Com eles, duas manteigas e uma gema de ovo. Desafiam-nos a identificar os sabores. Nos próximos dez minutos armamo-nos em jurados de MasterChef, a barrar aqui e provar dali com um ar entendido e confiante. A gema é fácil: leva trufa e como tudo o que leva trufa é viciante. Uma das manteigas tem um sabor tão familiar como inaudito. “Parece fiambre”, diz a Nini. E parece mesmo. Mas é tutano. A outra manteiga é de chouriço e tomate. Mas mais de tomate que de chouriço.

21h01: “Galinha dos ovos de prata. Só vos posso dizer isto”, é a apresentação do prato que se segue. Parece uma recriação mais modesta da “Horta da galinha dos ovos de ouro”, um dos pratos emblemáticos do Belcanto. Temos, novamente, uma gema de ovo com trufa, ligeiras notas de queijo e trufa. Vem coberta por uma folha de prata comestível e lá para o meio ainda se distingue uma massa feita de lula. Resulta.

21h05: Começa o espetáculo. O tipo que nos interrogou à chegada é, afinal, o mestre de cerimónias. Apresenta as três artistas residentes enquanto canta num francês admirável — caramba, se calhar aprendeu com o Vincent Cassel. Vira o disco e não toca o mesmo: “I’m all about that bass, ’bout that bass no treble”. Ia jurar que esta canção tem no máximo dois anos e o Google confirma-me as suspeitas: é um cabaret todo modernaço este.

21h11: Termina a primeira atuação e o público hesita antes de bater palmas. O nosso anfitrião faz um olhar ligeiramente indignado que se alivia ao som dos primeiros aplausos. São merecidos, este cabaret não é da coxa.

É um ceviche bem florido este que é servido no Beco — Cabaret Gourmet. (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

21h13: O último dos pratos de peixe chega à mesa pouco depois e é um velho conhecido de Avillez: carabineiro com cinzas de alecrim, que o nosso fiel garçon garante serem de arroz. Ele chama-lhe sereia e pede-nos para usarmos todos os meios ao nosso alcance para não desperdiçar a cabeça. Jamais cometeria tal crime, mesmo que não tivessem colocado sobre a mesa aquelas toalhitas em forma de aspirina que crescem quando regadas. “É magia”, diz-nos. “Pelo contrário, é tecnologia”, não respondo.

21h17: Estou eu a sugar tranquilamente as entranhas do (delicioso) carabineiro quando, subitamente, alguém desliga as luzes. “Diamonds Are a Girl’s Best Friend” é o motivo do apagão. Agora sim, sentimo-nos nos anos 50. Se isto acabar cedo, vamos ver o boxe no Coliseu, hoje luta o Belarmino.

21h19: Depois de cantados, os diamonds chegam agora à mesa, bem reluzentes. Neste caso, são os melhores amigos do palato: servem para limpá-lo, sinal de que vem aí a carne.

21h23: A Nini acabou o seu segundo cocktail. Vai passar para o vinho branco. Eu, apesar de não parecer, estou em trabalho. Se seguir o mesmo caminho vou ter que inventar muito texto daqui para a frente e ainda falta mais de uma hora de espetáculo. Assim, mantenho-me nos goles pequenos e espaçados.

21h25: O escanção sugere dois vinhos: Soalheiro e Quinta do Boição, um mais seco outro mais frutado. Serve-os e a Nini finge que não se decide para poder ficar com os dois. Espertalhona.

21h26: É-nos servido um “tributo aos alfacinhas”: trata-se de um naquinho de leitão bem suculento estendido não nas palhinhas mas antes numa pequena folha de alface, com pickles e batatas frita pala-pala num pacote comestível, feito de fécula de batata. Avillez, que é membro da Confraria do Leitão, trata muito bem o bicho, que também já fez parte da carta do Belcanto. Com o mesmo truque no acompanhamento.

21h34: “E um copinho de vinho tinto, não?” A pergunta do sommelier é quase de retórica. Claro que a Nini aceita. Mais uma vez, chegam à mesa dois vinhos, um CARM outro Filipa Pato. Novamente, o drama, o horror, a indecisão. Desta vez, contudo, não resulta: servem-lhe metade da dose de cada copo.

Uma falsa pizza que mais não é que um fresquíssimo e picante tártaro de atum. (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

21h40: Os tintos não estão na mesa por acaso, passados seis minutos chega o último prato salgado da noite. O nosso amigo Cassel chama-lhe, com um ar misterioso, “sabores de caça à mesa”. Mais um desafio: que é pombo, disso não há dúvidas, que traz lascas de foie gras também não. O puré que acompanha não é tão fácil de identificar. Será cheróvia? Será nabo? Nabos somos nós e a cheróvia não sabe assim. Fui ver, era tupinambo.

21h42: Silêncio que já se está a cantar o fado. “Já Me Deixou”, um original do madeirense Max que Mariza recuperou anos mais tarde. De repente, evoluímos para um tango e, uns passos depois, para o clássico “Baby It’s Cold Outside”. Apesar da descrição soar ao shuffle do Spotify, no local tudo parece fazer sentido.

21h51: Anuncia-se a sobremesa. “Vão desejar café?” Preferimos chá e o nosso empregado prova, mais uma vez, que não pode ser o Vincent Cassel, recuperando a antiga cantilena: “chaááá, chá da Pérsia, chá da Índia, chá chinês.” Não, nem da Pérsia, nem da Índia, nem chinês. Já agora, nem de camomila, ou de erva-doce. É de hortelã que queremos, se faz favor.

21h53: A sobremesa não é decadente como talvez se esperasse num cabaret mas tem outras qualidades. Frescura e originalidade: trata-se de um tzatziki doce, com espuma de iogurte grego, maçã e pepino. Desta vez a Nini não aceita um vinho de sobremesa. E esta, hein?

22h01: “E se vos disser que ainda não acabou?” Bom, não é lá grande surpresa, os chás ainda não chegaram e um espetáculo deste calibre não ia acabar sem aplausos, sem música, sem mais nem menos. Isto é o que me passa pela cabeça, mas a resposta é bem mais diplomática: “Não acabou? Ufa, que surpresa.”

Galinha dos ovos de prata. Come-se tudo, até a prata. (foto: Bruno Calado)

Bruno Calado

22h06: Os chás vêm em boa companhia: um tabuleiro de xadrez com duas peças comestíveis, o rei, de chocolate negro e gengibre e um peão, de chocolate branco e yuzu. “Xeque-mate” é a palavra-passe. Acaba assim?

22h11: Não. Há mais um petit four. Agora é um batom vermelho de beterraba e um fruto vermelho anónimo. Debatemos com o casal da mesa do lado o que será. “Será groselha?” pergunta ela. “Não, é morango”, garante o seu consorte. E é, de facto, morango. Se calhar ele é que devia estar a escrever este texto.

22h19: Agora sim, estamos a acabar. O mestre de cerimónias sobe novamente ao palco. Canta “Destination Moon” e pede para não divulgar fotografias nem vídeos para não estragar a surpresa de quem ainda não visitou o espaço. É verdade, posso estar a desrespeitar a sua vontade com este texto. Mas eu avisei.

22h27: O final é apoteótico, ao som de “Let’s Be Bad”. Todos os empregados sobem ao palco perante a ovação da sala. O nosso é o último a fazê-lo e o primeiro a sair de cena. Ou é magnânime ou não quer que o resto da sala perceba que é igual ao Vincent Cassel.

22h30: Colocam na mesa um sapato vermelho de salto alto, de número 36, para desconsolo da Nini que calça o 40. Um desconsolo temporário: depressa percebe que o sapato é da H&M e de qualidade duvidosa. Dentro desse mesmo sapato está um envelope que contém o menu que nos foi servido e um guardanapo marcado de batom, com o número de telefone e o site do Beco. Numa noite normal também chegaria assim a conta, mas como fomos convidados podemos agradecer e sair. Decido então terminar o cocktail, que já está num estado desgraçado de degelo. Antes ele que eu.

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