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Victoria Eugenia Henao — hoje Maria Isabel Santos — tinha 12 anos quando conheceu Pablo Escobar. Não poderia imaginar que o homem sorridente e charmoso de 24 anos que a convidava a subir à sua mota se viria a tornar num dos maiores narcotraficantes de sempre, nem que o seu destino permaneceria perpetuamente enlaçado ao dele, como sua mulher durante cerca de 20 anos e mãe dos seus dois filhos. Mas foi precisamente isso que aconteceu.
O colombiano Pablo Escobar e o seu cartel de Medellín chegaram a controlar 80% do tráfico de cocaína mundial. De mãos dadas com a droga vieram a fortuna, as extravagâncias, as amantes, mas também a violência — não apenas a dos sicários, mas a do terrorismo, já que Escobar e o seu cartel declararam guerra aberta ao Estado colombiano. No final dos anos de 1980 e início da década de 90, a violência provocada por Escobar resultou em centenas de ataques terroristas (incluindo a explosão de uma bomba num avião) e milhares de mortes. Serão cerca de 15 mil as vítimas mortais, incluindo centenas de polícias, cuja morte Escobar recompensava com dois milhões de pesos por cabeça. “Não me cansarei de, até ao último dia da minha existência, de lhes pedir perdão por tanta dor”, assegura hoje em dia a viúva de Escobar, que morreu atingido a tiro em 1993.
Victoria Eugenia — ou Tata, como lhe chamava Escobar — esteve formalmente ao lado do homem que cometeu estes e outros crimes, por força do casamento, embora a fase mais aguda da guerra tenha sido passada em fuga com os dois filhos e quase sempre afastada do marido. Antes disso, contudo, houve uma vida de glamour, em que Tata se dedicava a comprar grandes obras de arte e em que voava de helicóptero para a Fazenda Nápoles, onde Escobar recebia dezenas de convidados e mantinha um zoo particular. As suspeitas sobre de onde viria tanto dinheiro existiam na cabeça da sua mulher, mas, garante, nunca obteve respostas às perguntas que fez: “Em muitas ocasiões ele me disse ‘não perguntes, que disto não percebes nada’.”
Foi-se calando. Por medo? Conveniência? Amor? Talvez um pouco de tudo. Ainda hoje, 25 anos depois da morte de Escobar e há mais de 20 anos a viver na Argentina com outra identidade, Maria Isabel Santos reconhece que amava o marido e que acedia a todas as suas vontades. “Tornei-me a sua presa e ele passou a seduzir-me e a encantar-me, mas também a mostrar-me que eu era a única coisa que ele tinha na sua vida, que lutava por mim para termos uma família”, afirma.
Um processo que, garante, tinha raízes profundas por estar assente num episódio traumático do início da relação entre os dois, que revela agora no livro: aos 14 anos, foi abusada sexualmente por Escobar, que depois a submeteu a um aborto forçado. Um ano depois, casar-se-iam. “Pensei que iria para a campa com este segredo”, confessa. “Esta era uma história que eu tinha quase congelada no fundo das minhas emoções.” O filho, Juan Pablo Escobar (hoje Sebastian Marroquín), deu-lhe forças para a tornar pública. Foi isso que Maria Isabel fez, ao contar essas e outras humilhações a que foi submetida na relação com Escobar, no livro Pablo Escobar: Minha Vida, Minha Prisão (ed. Planeta).
Mas conta também os momentos felizes que passou com o homem que apreciava passar duas horas no banho, vestir camisas azul-claras e comer pequenos-almoços fartos ao lado de Tata. Que tudo o que fez, garante, fez para proteger os dois filhos.
Juan Pablo Escobar: “Agradeço aos meus inimigos terem-me tirado todo o dinheiro do meu pai”
Ao Observador, através de uma ligação por Skype, Maria Isabel responde a todas as perguntas e insiste em deixar claro qual é o seu objetivo com este livro, para além do seu próprio processo de recuperação emocional: “Quero evitar que as raparigas das novas gerações caiam em histórias como esta, porque personagens como Pablo há muitos. Amanhã pode calhar-lhe um marido destes a si”, avisa. “Nós, mulheres, esquecemo-nos de que temos direitos”, afirmou durante a entrevista. E — seja pela manipulação, seja pela acomodação — também é possível esquecer que se tem voz. Maria Isabel parece determinada em tentar recuperá-la.
Começo por perguntar-lhe: prefere ser chamada de Victoria Eugenia ou de Maria Isabel? E porquê?
São dois nomes que sinto que me pertencem ao longo da vida. Um porque foi com ele que nasci e foi o escolhido pelos meus pais. O outro adquiri-o aos 33 anos para poder recuperar a minha vida e a dos meus filhos [mudou de nome quando fugiu para a Argentina]. Foi o único caminho. Por isso, são dois nomes que são muito importantes na minha vida e tanto me agrada que me chamem Victoria Eugenia ou Maria Isabel.
Pode explicar um pouco como conheceu o Pablo? Era um homem com carisma e pode dizer-se que conhecê-lo foi um momento determinante na sua vida — mas a Maria Isabel era uma criança. Como o descreveria?
Eu tinha 12 anos. O Pablo conhecia muitos vizinhos no bairro e o meu primeiro contacto com ele foi um convite para subir à sua Vespa, que ele usava para se movimentar no bairro. E eu, como é óbvio, respondi-lhe que não poderia andar de moto porque os meus pais não deixavam. Eu tinha 12 anos, não era sequer possível imaginar isso. Acho que aí, como menina, fiquei deslumbrada com o facto de uma pessoa adulta fazer-me um convite desses. Nessa ingenuidade, era uma proposta muito atrativa… Sempre que me encontrava com ele no bairro sorria-me, dizia-me que estava muito bonita ou que eu era uma grande patinadora. São coisas que vão acontecendo na vida, não se entende porquê, mas sucedem-se.
O livro Pablo Escobar: Minha Vida, Minha Prisão é da editora Planeta
Decidiu incluir no final do livro o segredo que ao início não queria abordar [o de que Pablo a violou e sujeitou a um aborto forçado quando tinha 14 anos]. Porque mudou de ideias? Suponho que demorou muito anos a compreender completamente aquilo por que passou, mas… Porquê falar finalmente sobre isso?
Porque tenho feito um processo terapêutico de várias formas. Na última etapa da minha vida, nos últimos três anos, ando mais na linha da neurocência, da ciência, com especialistas em trauma. E pude, com eles, começar a falar sobre este tema sobre o qual não pude falar durante 44 anos. Em muitos casos, quando se sofre um trauma, o ciclo que demora até se conseguir falar [sobre o que aconteceu] é de 33 anos. E realmente pensei que iria para a campa com este segredo.
Esta era uma história que eu tinha quase congelada no fundo das minhas emoções. E, dado o processo do trabalho de campo e de contacto com a minha vida e com a minha história, que me dava muito medo e dor, apareceram de novo estas imagens. Pensava que iam desaparecer para sempre e… Foi com o meu filho que abri o coração. E isto faz parte do meu processo de recuperação emocional, poder falar destas experiências que vivi. E sou muito clara no livro: não o senti como uma violação forçada naquela altura, porque não sabia bem do que se tratava. Também não sabia que, quando se tem aquela idade e a outra pessoa tem mais cinco anos, é uma violação.
Foi um momento que acabou por definir a sua relação com Pablo, mas como era tão nova não o compreendeu à altura?
Absolutamente. Passaram 25 anos desde a morte do Pablo e também nunca tinha pensado escrever um livro de memórias. Tinha muito medo da exposição, passei muitos anos a esconder-me, pensando que era a forma de sobreviver, para que os meus filhos pudessem ter uma chance neste mundo. Tinha medo de dar este passo, mas com todo o processo pessoal que passei, entendi que o medo não desaparece. E que teria de pôr o meu corpo e a minha alma neste processo. Quero que os meus filhos, o meu neto e as gerações vindouras conheçam a minha história. Foi com esse compromisso que tomei coragem e sentei-me a escrever para entender a minha história. A vida acontece aos seres humanos, não se planifica, vai-se fazendo o que se pode. A mim aconteceram-me estas situações e muitos daqueles momentos eram momentos que até ali eu sentia que não podia falar sobre eles. Era um pecado mortal falar da violação, porque tenho uma família muito religiosa. Tinha medo.
“Fiz o possível para hoje estar viva. Se tivesse sido uma pessoa rebelde podiam ter-me acontecido muitas coisas”
O seu dia-a-dia com o Pablo era um dia-a-dia de medo? Ou era simplesmente um dia-a-dia separado do dele?
Era um dia-a-dia separado do dele. Porque no que convivi com ele, ele era um homem muito sedutor. O meu terapeuta de trauma fala como a partir da violação eu me tornei a sua presa e ele passou a seduzir-me e a encantar-me, mas também a mostrar-me que eu era a única coisa que ele tinha na sua vida, que lutava por mim para termos uma família. É parte de um processo que só entendi agora. Para mim foi muito difícil deixar de idealizar o homem romântico, poético, que dava abraços e que tantos cuidados me deu e me fez ficar. Por muito amor e por muita sedução da sua parte.
Era um dia-a-dia separado das partes más de Pablo, mas houve momentos em que ele a envolveu. Como na política, por exemplo, chegou a dizer-lhe “Prepara-te que vais ser primeira-dama”. Por que acha que a política foi tão importante para ele naquela altura?
Tinha a ver com a parte que ele trazia muito dentro de si desde jovem, quando foi secretário do presidente de ação comunitária do bairro e começou a plantar árvores… Interessava-se muito pela comunidade. Creio que isso foi crescendo e amadurecendo e a certa altura ele entendeu que a política era um passo que tinha que dar para poder dar outros.
Eu fiz o papel, como sempre, de esposa e cuidadora dos seus filhos e cumpri parte do protocolo, quando me pedia para o acompanhar, como quando tomou posse na Câmara dos Representantes. Ou como quando me dizia “vamos para [a fazenda] Nápoles” ou “ficas a tomar conta dos filhos”. Era algo deste género. Eu era como o amor da sua vida, se assim lhe podemos chamar hoje em dia, e cumpri um papel que lhe caía bem.
E era por isso que não lhe fazia perguntas sobre as suas atividades profissionais? Sentia que não devia fazer perguntas? Ou não perguntava mais porque quando tentava ele não respondia?
Fui criada numa cultura machista onde as mulheres são educadas para cumprir deveres. A mim o que me ensinaram é que tinha de cuidar do meu marido, que tinha de tratar da comida, dos filhos, da casa. E mesmo eu tendo feito muitas perguntas, o Pablo nunca esteve disposto a responder. Sempre negou todas as questões e em muitas ocasiões me disse “não perguntes, que disto não percebes nada”.
Então era mais fácil não insistir porque não haveria resposta? Ou sente que parte de si também preferia não saber?
Não, em muitos momentos chorei muito e confrontei-o. Dizia-lhe “eu sei que não sei nada, mas a única coisa que sei é que tenho de viver debaixo da terra, escondida com os meus filhos”. Mas apesar das minhas lágrimas e da minha dor, ele tinha o seu caminho… Não sei se decidido, porque às vezes custa-me entender que as coisas chegaram até onde chegaram. Sendo o Pablo um homem que se importava muito com a dor do outro, com a pobreza da comunidade, com as doenças… Não entendo isso a nível psicológico, não entendo como é que o Pablo não se deu conta para onde a sua paixão pelo poder o arrastou. Tenho estas perguntas.
A morte d[o ministro da Justiça] Rodrigo Lara [imputada a Escobar] marcou um antes e um depois na sua relação com Pablo ou foi apenas um momento de vários?
Pode explicar-me melhor essa pergunta?
A ideia que tive ao ler o livro é que foi um momento em que passou a entender melhor que Pablo estava envolvido no crime e não poderia continuar a negá-lo.
Eu estava de oito meses e meio [de gravidez] quando aquilo aconteceu. Para mim foi como um golpe de Estado. Imagine-se à espera de um segundo filho e a entender que o país está todo contra si, contra a sua família. Começámos a ser perseguidos, tivemos de fugir pela selva, eu acompanhada por um médico para o caso de a menina nascer durante esse caminho.
Sim, foi muito desanimador para mim, senti-me num poço absoluto. Estava na Fossa das Marianas, no local mais profundo do mundo. Sentia que a vida tinha acabado. Ao mesmo tempo, também o Pablo já tinha fugido, teve de ir sozinho para tomar conta de si. Eu fiquei sem sequer ter a hipótese de lhe perguntar [se tinha cometido o crime], porque tinha de correr a toda a velocidade e mudar de país naquele momento. Ou corria, ou era morta ou fazia uma pergunta que me custava a vida. A conclusão a que cheguei com o processo deste livro é que fiz o possível para hoje estar viva.
Foi um mecanismo de defesa?
Se eu tivesse sido uma pessoa rebelde e tivesse querido sair a correr, se me tivesse dado conta da cruel realidade, podiam ter-me acontecido muitas coisas.
“Nós, mulheres, esquecemo-nos de que temos direitos”
Conheceu o filho de Rodrigo Lara, Jorge Lara, e fala de como foi um encontro com sentimento, apesar de ser entre o filho de Rodrigo Lara e a viúva de Pablo Escobar. Sente que é importante pedir perdão às vítimas e fazer entender o que os dois lados sentiram?
Para mim ele é um presente que Deus colocou no meu caminho, um ser humano com a grandeza de coração de Jorge Lara que me deu a oportunidade de o olhar nos olhos como ser humano, como mãe. E de me deixar ouvir e entender como mulher. Agradecer-lhe-ei infinitamente e esse continua a ser o meu compromisso com as vítimas, sinto que tenho um compromisso moral. Nós pagámos o preço com o exílio, ao estar longe da nossa família e da nossa terra, do lugar onde nascemos. Foi isto que nos calhou em vida na loucura que Pablo gerou num país. Mas sinto uma grande responsabilidade moral e um respeito absoluto pelas vítimas e não me cansarei de, até ao último dia da minha existência, de lhes pedir perdão por tanta dor.
E sente que tem de pedir perdão pelos crimes de Pablo ou apenas pelas suas ações como mulher do Pablo?
Sinto que tenho uma responsabilidade moral como mulher, como mãe. E também tenho um compromisso para recuperar a voz da mulher: nós como mulheres pagamos os preços que pagamos por ficarmos e tentarmos cumprir os nossos deveres e esquecermo-nos de que temos direitos.
Diz que tentou preservar os seus filhos e dar-lhes uma infância o mais normal possível. Mesmo quando estiveram em fuga, nos momentos mais críticos, eles continuaram a estudar. Ou mesmo antes disso, quando na fazenda Nápoles se faziam grandes festas, por exemplo… Como se mantém a normalidade nessas situações?
Sempre li muitos livros de auto-ajuda, trabalhei com psicólogos e professores e fui criando uma espécie de bolha para eles onde os podia acompanhar. Agora, com a distância, às vezes não tenho muitas explicações para como Deus me deu a força e a sabedoria para lhes criar um espaço… Eu sinto que era semelhante ao do filme “A Vida é Bela”. Naqueles campos de concentração o pai dizia ao filho que estavam num jogo. De certa forma sinto-me nesse papel, apesar de ter a consciência de que era uma situação muito delicada.
Chegou a propor a Pablo ser a Maria Isabel a negociar a paz com o cartel de Cali e ele não o permitiu. Acabou por fazê-lo depois da morte dele. Acha que ele subestimou as suas capacidades como negociadora? Que não a achava uma mulher com força e inteligência suficiente para isso?
Absolutamente. Acho que o Pablo sempre ficou preso, ao nível das emoções, à menina de 13 anos que fui, à mulher que ele escolheu para ser a mãe dos seus filhos. Subestimou-me sempre, não acreditou em mim e via-me como uma pessoa demasiado jovem, que nunca tinha em conta.
“Há 25 anos que tentam encontrar as contas milionárias de Pablo. Seria tempo suficiente para as terem encontrado”
Como foi ter de refazer a vida depois da morte de Pablo? Dependia dele em tudo: do dinheiro, do nome… Chegou a sentir vergonha desse nome? A certa altura no livro recorda como num avião o piloto anunciou que o atraso se devia ao facto de levarem a bordo a família de Escobar. Sentiu que queria afastar-se de tudo aquilo ou que as pessoas não a compreendiam?
Sim, dá muita vergonha e dor ser parte desta história. Dói-me muito, porque gostaria muito de poder contar ao meu neto e aos meus filhos uma história diferente desta. Mas infelizmente não é assim. E aquilo que tenho de fazer é enfrentar a situação que me calhou e esperar que compreendam o que me aconteceu aos 12 e 13 anos e como fui ficando ao longo dos tempos. Penso que os leitores não têm tanta noção de que nos últimos 10 anos da minha vida com Pablo não vivia com ele, porque o Pablo vivia em fuga da Justiça. E eu também vivia a esconder-me com os meus filhos, para sobreviver. Por isso é muito doloroso.
Tudo o que faço desde a morte do Pablo até hoje é levantar-me todos os dias e voltar a sentir-me mulher, mãe e trabalhar em todos os aspetos do meu crescimento pessoal. Voltei a estudar, estudo a disciplina do coaching, que ajuda a trabalhar com as pessoas. Isto ajudou-me a dar um novo significado à minha vida e o que quero é ajudar outros, poder acompanhá-los a sair do poço mais profundo das suas vidas, como eu também sinto que estou a sair. Com um custo muito elevado a nível emocional, mas dou graças a Deus por me sentir com uma psique sã. Mas para isso trabalho todos os dias, medito, faço jogging, as minhas terapias… É um grande esforço. Também quero que os meus filhos vejam uma mulher com força e com vontade de continuar, porque me deram muita força e um sentido à minha vida. O meu neto é a ligação à plenitude e através dele acho que posso semear muitas sementes para que não ocorra tanta violência no mundo, para que as novas gerações aprendam com toda esta dor.
Conseguiu construir uma nova vida em Buenos Aires. Mas há muita gente que diz que Pablo terá deixado muito dinheiro à sua família e que ainda há ligações a esse dinheiro. É essa a razão pela qual a Justiça na Argentina continua a mover processos contra vocês? [Estão acusados de branqueamento de capitais provenientes de tráfico de droga, por ligações ao narcotraficante colombiano Piedrahita Ceballos]
Há uma fantasia, um mito, em torno disto. Parte daquela fortuna gastou-a o Pablo, em toda aquela loucura, outra parte está com o Estado colombiano e outra parte calhou a outros herdeiros que não somos nós [os líderes do cartel de Cali, a quem Maria Isabel diz que vendeu bens de Escobar para salvar a sua vida e dos seus filhos].
Continuo a explicar ao mundo, mas é difícil que acreditem nas minhas palavras. Tenho uma vida muito modesta e creio que isso é suficiente. O Estado argentino e o Estado colombiano há 25 anos que continuam a tentar encontrar as contas milionárias e passados 25 anos… Creio que é tempo suficiente para que os investigadores de todo o mundo as encontrassem.
A verdade é que me levanto todos os dias para ir trabalhar, como qualquer cidadão comum. E sinto-me feliz por chegar a casa e saber que as compras que aqui entram foram compradas com o esforço do meu trabalho, é uma bênção de Deus. Sinto-me tranquila, já estou neste país há 25 anos, vivo num apartamento alugado… Vivo em paz. Já não me preocupo tanto sobre se as pessoas acreditam ou não que esses milhões existem. Porque é palpável que a fazenda Nápoles está sob o poder do Estado colombiano, que são eles que decidem o que fazer com essas coisas, como vimos com o edifício Mónaco. Outros foram vendidos… Estou totalmente afastada dessa realidade e tenho a consciência muito tranquila. É claro que dada a mitologia que existe em torno disto, há os arrestos da Justiça argentina. Mas se arrestam 30 milhões de pesos e só se tem 5 pesos… Está tudo bem, percebe?
Falou do edifício Mónaco, que foi destruído. Como avalia a forma como o Estado colombiano lida com o legado de Pablo? O seu filho fala muito de como as séries como Narcos o romantizam. O que pensa disto?
Respeito as decisões de um autarca, de um Estado. Não sou a pessoa que deve opinar sobre isso. Fico apenas com o eco de muitas organizações colombianas que pediam para que fosse feito um museu da memória. Estou convencida que as sociedades aprendem a perdoar e que evoluem através do perdão. Acho que não é uma implosão [de um edifício] que vai apagar a História. As comunidades mais civilizadas são aquelas que se fortalecem e se reinventam com as suas próprias histórias, reconhecendo-as para poder tomar consciência. As sociedades aprendem conhecendo a profundidade das histórias.
Quando se lembra da sua vida no edifício Mónaco, quando recorda a sua vida com Pablo… Foram anos felizes? É possível ser feliz e amar quando há a manipulação de que falávamos?
Quando eu estava no edifício Mónaco, o Pablo estava fugido da Justiça. Ele só conseguiu viver no edifício Mónaco três meses. Vivi um inferno absoluto. O edifício Mónaco era fiscalizado pelo Exército colombiano três vezes por semana. E eram mais de 300 soldados do Exército a por-me contra a parede, com uma arma nas costas e eu com uma filha de um ano e um filho de nove anos. Diga-me como se pode viver num lugar destes quando três vezes por semana se está sob pressão psicológica total?
Ameaçavam-me, queriam saber onde estava a droga, onde estava o dinheiro do Pablo, onde estava o Pablo. Portanto, aquilo que o Exército e todas as autoridades e investigadores do mundo não sabiam, eu tinha de saber. Imagine a pressão psicológica sob a qual os meus filhos viviam. Recorda-se da imagem de uma criança que veio numa balsa de Cuba para os EUA e que quando o tentaram deportar lhe puseram as armas na cara? [Elián González] Quando isso aconteceu eu estava a ler o jornal e a chorar a ver a imagem do menino. E o meu filho Sebastián disse “Mãe, porque choras?” e eu respondi “Porque me parece horrível, uma falta de cuidado o que estão a fazer com esta criança, olha como lhe apontam a arma à cara” e ele disse — e é algo que ainda me dá muita tristeza — “os teus filhos viveram assim durante anos, mãe, a única diferença é que a nossa situação nunca saiu nos jornais”.
Diria que foi o amor pelos seus filhos que a susteve durante aqueles anos? Ou foi o amor por Pablo?
O amor pelos meus filhos sempre foi incondicional. Tão incondicional que a certa altura disse ao Pablo “não te posso acompanhar na tua loucura, porque temos dois filhos e um de nós tem de tomar conta deles”. E aquele que podia tomar conta deles na altura era eu. Portanto decidi deixar o amor da minha vida, ficar sozinha no mundo e ir-me embora com os meus filhos. E como mulher não é fácil escolher ficar com o amor da sua vida ou ir embora com os filhos. Os meus filhos foram para mim a minha força. O meu compromisso é passar cada dia a tentar tornar a vida deles o mais leve possível, apesar dos remorsos.