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A fila em frente a um barbeiro era a maior do centro do bairro de Benfica na manhã desta segunda-feira
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A fila em frente a um barbeiro era a maior do centro do bairro de Benfica na manhã desta segunda-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A fila em frente a um barbeiro era a maior do centro do bairro de Benfica na manhã desta segunda-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Voltou a escola, o café e a missa — mas as grandes filas foram as do barbeiro. Uma manhã nas ruas de Lisboa

O regresso à escola, o café ao postigo, a primeira missa e as filas no barbeiro. Crónica de um passeio pelas ruas de um bairro lisboeta que esta segunda-feira voltou a amanhecer desconfinado.

Às 8h15 em ponto desta segunda-feira, os portões de ferro da escola básica Pedro de Santarém, no bairro de Benfica, em Lisboa, voltaram a fechar-se. É assim há décadas, com o encerramento do portão a dar lugar ao início das aulas, sempre à mesma hora. Estamos na movimentadíssima Estrada de Benfica, um importante eixo da zona noroeste da capital, junto a um complexo educativo que inclui as escolas básicas Pedro de Santarém e Quinta de Marrocos e a secundária José Gomes Ferreira. Em dias normais, aquelas três escolas explicam grande parte do movimento da rua, onde abundam restaurantes, cafés, pastelarias, todo o tipo de comércios locais e um quartel de bombeiros: ao início da manhã, os carros apinham-se para largar estudantes, os muitos autocarros que ali param descarregam dezenas de crianças e jovens e as famílias que vivem nas proximidades vão chegando a pé, com os filhos pela mão.

Quando, no final de janeiro, os efeitos do Natal e a variante britânica do coronavírus levaram o Governo a decretar o encerramento das escolas portuguesas, aquele troço da rua ficou subitamente deserto. Esta segunda-feira, a rua voltou ao rebuliço matinal, mas a meio gás. Das três escolas, só a Pedro de Santarém — a única que tem alunos do primeiro ciclo (1.º – 4.º anos de escolaridade) — reabriu. As outras duas continuavam de portões encerrados, guardadas para as próximas fases do desconfinamento.

O ambiente à entrada da escola básica Pedro de Santarém, em Benfica, Lisboa, na manhã desta segunda-feira

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Em bom rigor, este regresso às aulas não foi inédito. Em maio de 2020, depois do confinamento nacional imposto quando a pandemia chegou a Portugal, os alunos voltaram à escola num ambiente radicalmente diferente. Máscaras, medição de temperatura à entrada, desinfetante de mãos em cada esquina, horários ajustados para evitar ajuntamentos desnecessários — e dúvidas, medos e angústias sobre o regresso a um mundo novo. Quase um ano depois, não surpreende que o segundo regresso não seja tão estranho quanto o primeiro. Na verdade, as primeiras horas da manhã foram vividas na Estrada de Benfica com uma normalidade, essa sim, curiosa: como numa coreografia bem ensaiada, os menores chegaram a conta-gotas pela mão de um adulto de máscara, dirigiram-se intuitivamente à funcionária que à porta da escola lhes apontava um termómetro à testa, receberam diligentemente uma dose de álcool-gel nas mãos e juntaram-se, cautelosamente, aos colegas no interior do recreio.

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Junto ao portão, os ajuntamentos de outrora dissiparam-se mais rapidamente, após curtas conversas entre pais e funcionários, sem delongas. O arranque tranquilo da manhã escolar concretiza como poucos outros cenários o célebre “novo normal” de que se fala há meses: ainda que tudo pareça estranho, nada parece estranho. Às 8h15, o portão fechou-se como sempre se fechou.

O calendário para desconfinar em quatro fases

Fora da escola, a rua de prédios altos começa a adquirir um movimento que nos últimos meses lhe fora estranho. Durante as semanas que passaram, o bairro chegou a estar mergulhado num silêncio profundo, cortado a espaços pelos autocarros — que circulavam praticamente vazios na maioria das horas do dia. À medida que a fadiga do confinamento se impôs, os passeios higiénicos de quem ali vive tornaram-se mais frequentes e mais longos. Mas só esta segunda-feira, quando a sucessão de portas fechadas deu lugar à abertura tímida de barbearias e cafés, a rua recuperou alguma da vida que lhe é habitual.

As ruas do bairro de Benfica estavam, nesta segunda-feira, mais movimentadas do que o habitual das últimas semanas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Pela avenida larga sucedem-se as pastelarias de novo abertas. As portas não convidam a entrar; em vez disso, uma pequena mesa de esplanada junto à entrada faz de postigo (que entrou no nosso léxico quotidiano nos últimos meses e que na manhã desta segunda-feira era a palavra mais pesquisada no dicionário digital Priberam), onde agora já se vendem cafés e todo o tipo de bebidas. Os funcionários acenam a quem passa, cada um atrás da sua mesa de esplanada convertida em postigo, como em bancas de um grande mercado em que a rua se transformou. Na verdade, os café e restaurantes já podiam estar abertos com venda ao postigo, mas a proibição de venda de café e outras bebidas forçara muitos a nem abrir portas.

Na famosa pastelaria Nilo, em frente à igreja de Benfica, mesmo no centro do bairro, tinha sido esse o caso. À porta, um pequeno grupo de habitantes comenta o desconfinamento. “Para o mês que vem já se pode sentar na esplanada”, atira o empregado de balcão, perdão, de postigo, a uma cliente satisfeita por finalmente beber uma bica fora de casa. Paramos ali para o pequeno-almoço e para dois dedos de conversa. “Fechámos por causa disso. Ia estar aqui sem poder vender café nem água?”, questiona o empregado, enquanto serve os cafés. Mas não está desanimado — antes, é entre sorrisos que vai dando que fazer à máquina de café. “Agora, vai retomar devagarinho.” À falta de esplanada, a clientela vai aproveitando outro dos desconfinamentos desta semana: já é possível permanecer nos espaços públicos de lazer. Os bancos de jardim que povoam o largo, com a igreja de um lado e a pastelaria do outro, ainda conservam vestígios das fitas de plástico que durante várias semanas indicaram que não podiam ser usados. Agora, contudo, é neles que os cafés (em copo de papel) e os bolos (sempre embrulhados) são consumidos.

A esplanada ainda não pode abrir (só no dia 5 de abril), mas os bancos de jardim vão cumprindo a função

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Do outro lado da rua, começa a formar-se uma pequena fila na porta lateral da igreja. São quase 9h — a hora de uma das missas mais populares da paróquia de Benfica. Por indicação da Conferência Episcopal Portuguesa, a Igreja Católica também retomou esta segunda-feira as missas presenciais ao fim de quase dois meses de suspensão. O padre Nuno Fernandes, pároco local, recebe os fiéis à porta da igreja e vai esclarecendo dúvidas sobre o novo funcionamento das missas. Também no caso da religião, o primeiro desconfinamento permitiu aprender as lições necessárias para que o segundo regresso fosse pacífico.

A partir da porta da igreja, avista-se aquela que é, sem qualquer margem para dúvida ou hesitação, a maior fila do bairro: a do barbeiro. É incontestável que, nesta manhã de segunda-feira, a barbearia que fica do outro lado da rua atraiu mais fregueses do que a igreja. Até o padre o admite. Aliás, o próprio padre tentou marcar um corte de cabelo. Mas, antecipando os muitos pedidos de uma freguesia que passou dois meses com os cabelos por cortar, o barbeiro decidiu que atenderia apenas por ordem de chegada. No interior da igreja, a mensagem é de esperança. “Voltamos a estes lugares, que são os vossos lugares”, ouve-se do altar.

A primeira missa da manhã na igreja de Benfica, com máscaras e distanciamento físico

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A missa foi rápida — pouco mais de meia-hora, como habitual nas curtas missas dos dias de semana. Mas foi o suficiente para que, à saída da igreja, o cenário do bairro tivesse mudado de modo considerável. Por esta altura, a fila do barbeiro já tinha triplicado. “Um gajo tem de se pôr a pau”, comenta um cliente à porta da barbearia. “Quem é o último?”, vão perguntando os que chegam. Poucos metros ao lado, há uma outra fila: a da padaria. Do interior do estabelecimento, ouvem-se berros: “DE-ZAS-SE-TE!” Ninguém espera lá dentro — todos os clientes aguardam na rua, com senhas e máscaras.

A poucos metros de distância, duas filas comparáveis: para o pão e para o barbeiro

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Os bancos de jardim converteram-se decididamente na esplanada possível para quem ainda bebe o primeiro café matinal. O movimento das ruas aproxima-se do ritmo pré-pandémico, embora continuem a faltar as esplanadas dos restaurantes, mas uma caminhada pela avenida principal do bairro confirma o padrão: é nas barbearias e cabeleireiros que encontramos as maiores filas.

Poucos minutos antes das 10h, a barbearia Fonseca abriu para um dia cheio

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Poucos minutos antes das 10h, o barbeiro Rúben, um dos dois cortadores de cabelo da barbearia Fonseca, abre o estabelecimento, antecipando um dia cheio. Logo depois, chega o dono da barbearia — o próprio Fonseca —, e ambos se lançam de imediato ao trabalho. Os primeiros clientes chegaram quando a porta ainda se abria. “Já parece o Natal”, comenta o dono, enquanto corta à máquina o primeiro cabelo da manhã. Vai ser um dia longo. “Hoje já não dá. Só consigo amanhã”, responde a todos os clientes que aparecem à porta ou que telefonam para a barbearia: as marcações começaram a chegar no dia em que António Costa anunciou o plano de desconfinamento. O corte de cabelo do primeiro cliente a sentar-se na cadeira da barbearia é interrompido por constantes telefonemas com marcações para os três primeiros dias de atividade. É essa a estimativa dos barbeiros: a partir de quinta ou sexta-feira, tudo há de voltar ao normal após “três dias de loucura”.

Nos primeiros minutos depois da abertura, a barbearia Fonseca recebeu os primeiros clientes

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