- Porque está o BCE sob pressão para lançar mais estímulos?
- Porque está a inflação tão baixa?
- E porque é que a inflação baixa é um problema?
- Mas o BCE já não tem vindo a comprar dívida pública?
- E porque é que um plano de compra de dívida pública é "impensável"?
- O que é que o BCE já fez, até agora, para estimular a inflação?
- Se o BCE avançar mesmo, quanta dívida pública será comprada? E como?
- E vai resultar?
Explicador
- Porque está o BCE sob pressão para lançar mais estímulos?
- Porque está a inflação tão baixa?
- E porque é que a inflação baixa é um problema?
- Mas o BCE já não tem vindo a comprar dívida pública?
- E porque é que um plano de compra de dívida pública é "impensável"?
- O que é que o BCE já fez, até agora, para estimular a inflação?
- Se o BCE avançar mesmo, quanta dívida pública será comprada? E como?
- E vai resultar?
Explicador
Porque está o BCE sob pressão para lançar mais estímulos?
O Conselho de Governadores do Banco Central Europeu (BCE) reúne-se esta quinta-feira em Frankfurt, na sede da instituição, num encontro que poderá ficar para a História da zona euro. Estará iminente o anúncio de um programa de compra de dívida pública por parte da autoridade monetária, algo que já tem vindo a ser feito em outros “gigantes” económicos como os EUA, o Japão e o Reino Unido. A confirmar-se, será uma medida com implicações vastas para a economia europeia e uma decisão inédita e que era, até há bem pouco tempo, impensável. Porque está, então, o BCE sob toda esta pressão para lançar mais estímulos?
A resposta é simples: o BCE tem um mandato para cumprir – manter a taxa de inflação “perto, mas abaixo, de 2% no médio prazo” – mas há dois anos que a realidade se afasta cada vez mais do objetivo da inflação. A taxa de inflação anual deslizou em dezembro para -0,2% e, mais importante que isso, o próprio BCE não prevê uma aceleração significativa nos próximos dois anos. É preciso fazer mais para evitar que algo que pode não ser mais do que uma baixa transitória dos preços possa enraizar-se na economia, criando o risco de algo ainda mais grave do que uma inflação baixa por demasiado tempo: uma espiral deflacionista como a que se viveu no Japão nas últimas décadas.
Mario Draghi reconheceu, em entrevista publicada num jornal alemão a 2 de janeiro, que “o risco de não cumprirmos o nosso mandato da estabilidade de preços é maior do que era há seis meses”, o que foi lido como mais uma tentativa do presidente do BCE de preparar os mercados para um novo programa de estímulos e, também, de convencer os cidadãos alemães da eventual necessidade de avançar para a compra de dívida pública.
Porque está a inflação tão baixa?
A taxa de inflação tem vindo a cair de forma quase ininterrupta e em dezembro baixou para um nível negativo (-0,2%), segundo o Eurostat. A razão por que isto está a acontecer foi a questão que ocupou grande parte de um discurso que Mario Draghi fez, em maio de 2014, em Sintra, durante um fórum de banqueiros centrais e economistas.
A inflação há muito está abaixo do ideal na zona euro e, nos países mais fragilizados, os preços já estão há vários meses a registar uma evolução consistentemente negativa. O ajustamento económico que existiu (e continua) nesses países, incluindo Portugal, foi uma das razões invocadas pelo presidente do BCE para explicar a baixa inflação, já que a pressão sobre os salários e o desemprego travou a evolução dos preços em países como Portugal.
Contudo, olhando para a zona euro de forma global, as principais razões por que a inflação está tão baixa estão associadas à recuperação lenta da atividade económica e da concessão de crédito, bem como à forte queda recente dos preços da energia. Este fator foi o mais importante para a evolução negativa dos preços na zona euro, com o Eurostat a calcular que os preços dos produtos energéticos caíram 6,3% em dezembro, algo decisivo para a descida global de 0,2% dos preços no consumidor.
E porque é que a inflação baixa é um problema?
Para o BCE, é simples perceber porque é que a inflação baixa é um problema. Porque o seu único e exclusivo mandato é o de assegurar que esta ronda os 2% e isso está longe de estar a acontecer. Mas, de um ponto de vista geral, sendo bem conhecidos os perigos de uma inflação demasiado alta, é também importante perceber porque é que ter alguma inflação, num nível relativamente moderado como 2%, é algo desejável. Por várias razões.
Alguma inflação é uma causa e uma consequência de crescimento económico. Já uma inflação baixa ou deflação trava o crescimento económico. Se os preços e os ordenados estiverem a cair, e não houver perspetivas de essa situação mudar, dificilmente alguém se endividará para comprar um ativo, como uma casa ou um carro, que prenderá o devedor a uma dívida que, em termos relativos, se tornará cada vez mais pesada. Existir alguma inflação é, portanto, um incentivo ao consumo.
O principal risco de ter uma inflação demasiado baixa é que se está mais próximo de cair em deflação, um cenário em que os preços caem de forma persistente e, por isso, empresas e famílias tendem a adiar decisões de investimento e de consumo, à espera de preços mais baixos. O resultado é uma espiral de desemprego e falta de investimento. Esta é uma situação que, quando se instala, é muito difícil de inverter, como mostra a experiência do Japão nas últimas décadas.
Alguma inflação é, também, importante por uma outra questão. É que num mundo com inflação 0%, as poupanças existentes numa sociedade são canalizadas para os instrumentos mais conservadores, já que estes nem ganham nem perdem valor. Existir alguma inflação é importante para encorajar os detentores dessa poupança a encaminhar uma parte desta para ativos mais arriscados, como o investimento ou a compra de ações em empresas ou projetos de maior risco, mas também com melhores perspetivas de recompensa. Por outras palavras, mesmo que fosse possível manter uma inflação imóvel em 0%, a economia cairia no marasmo.
Nesta fase, a inflação está a ser um problema para as empresas e para os Estados da zona euro, já que a inflação – que causa erosão no valor real das dívidas – está mais baixa do que se previa no momento em que as dívidas foram emitidas. O que, só por si, funciona como um aumento intrínseco do peso real da dívida. A ausência de inflação não vem nada a calhar às empresas e aos membros da zona euro, entre os quais Portugal, que teriam aí uma grande ajuda para acelerar a redução real da dívida.
Mas o BCE já não tem vindo a comprar dívida pública?
Esta é uma questão que importa clarificar, porque há três medidas distintas que podem confundir-se. É verdade que o BCE já comprou dívida pública de países da zona euro em quantidades apreciáveis, entre meados de 2010 e até finais de 2011, quando Mario Draghi assumiu a presidência do BCE. Essas compras foram feitas ao abrigo do Securities Market Programme (SMP), um programa “limitado e temporário” que foi criado por Jean-Claude Trichet, o antecessor de Mario Draghi, e que fazia intervenções esporádicas no mercado para aliviar subidas súbitas das taxas de juro. O programa foi criado logo após o primeiro resgate à Grécia, numa tentativa de isolar o contágio a outros países.
Ao abrigo desse programa, o SMP, o BCE adquiriu dívida de países como Grécia, Itália, Espanha, Irlanda e Portugal. O BCE chegou a deter mais de 20 mil milhões de euros em dívida portuguesa só à conta deste programa. As compras eram feitas sem pré-anúncio, e o BCE tentava fazer intervenções em momentos cirúrgicos para ajudar os países a fazer leilões de nova dívida no mercado ou para tentar apanhar em contra-pé investidores mais especulativos, que apostavam na queda do valor das obrigações (e subida dos juros).
O SMP funcionou apenas pontualmente, já que era, por definição, limitado. Não evitou que países como Portugal e Irlanda pedissem assistência externa, nem teria evitado que Espanha e Itália tivessem seguido pelo mesmo caminho.
O que terá, eventualmente, evitado possíveis resgates a Itália e Espanha foi a segunda intervenção que importa clarificar. Depois de prometer, em julho de 2012, “fazer tudo, dentro do mandato, para preservar o euro”, Mario Draghi e o BCE anunciaram o chamado programa OMT (do inglês Outright Monetary Purchases, ou Transações Monetárias Definitivas). Aqui, o BCE disponibilizou-se a comprar quantidades ilimitadas de dívida pública em momentos de pico nos juros de um dado país no mercado. Por exemplo, se os juros de Itália (ou, em rigor, a diferença entre os juros de Itália e da Alemanha) se aproximassem de um nível considerado excessivo pelo BCE, o banco central interviria.
Os juros da dívida de um país sobem no mercado quando as obrigações em causa perdem valor. E estas perdem valor quando os investidores que querem vender os títulos ganham prevalência sobre quem os quer comprar. Ao surgir no mercado como comprador de bolsos fundos, o BCE seria decisivo para estancar a queda do valor de uma obrigação, absorvendo-a.
Isto nunca chegou a acontecer, ou seja, o OMT nunca foi ativado. Mas a simples perspetiva de ter o BCE disposto a intervir de forma audaz e ilimitada no mercado terá sido suficiente para convencer os investidores de que os juros nunca subiriam acima de um determinado nível. Um nível a partir do qual, como explica o BCE, se tornassem ineficazes os mecanismos de transmissão da política monetária do banco central à economia real. O que é que isto significa? Significa que, nessa situação, fosse o que fosse que o BCE fizesse em termos de medidas de política monetária – como, por exemplo, baixar o nível da taxa de juro de referência, isso não produzia resultados na quantidade e no preço do crédito.
O que o BCE parece preparar-se para fazer é algo diferente destas duas outras medidas. Trata-se de um programa generalizado de compra de ativos, em que se junta às compras de dívida privada que já estão em curso uma intervenção do BCE, também, no mercado de dívida pública. O inimigo, desta vez, não é os juros elevados – estes estão, aliás, em mínimos históricos, já a antecipar esta intervenção – mas sim a inflação baixa. É um problema bem mais complexo para Mario Draghi e para o BCE.
E porque é que um plano de compra de dívida pública é "impensável"?
A compra de dívida pública é vista, sem grandes tabus, como uma ferramenta de política monetária em regiões monetárias como os EUA, com a Reserva Federal a gerir o dólar, o Reino Unido, com a libra, e o Japão, com o iene. A Reserva Federal dos EUA percebeu, rapidamente, após a crise de 2008, que as taxas de juro em zero não seriam suficientes para estimular a economia e lançou, desde então, três programas de compra de dívida do governo federal norte-americano, as Treasury notes. O último desses programas nem sequer tinha um montante objetivo definido à partida. Era um programa aberto, e só ao longo de 2014 foi tomada a decisão de reduzir gradualmente as compras de dívida até à sua extinção, em outubro.
Na zona euro, uma união monetária composta por 19 países e com um Tratado europeu que proíbe o Banco Central Europeu (BCE) de fazer o chamado financiamento monetário – isto é, ter o banco central a subscrever a dívida emitida pelos estados, financiando os seus défices – é tudo bem mais complexo. Se o BCE avançar para um programa de compra de dívida terá de justificar essa decisão com a necessidade de tomar mais medidas para cumprir o seu mandato de estabilidade dos preços.
Um programa de compra de dívida pública é visto como um tabu por alguns responsáveis do BCE, com destaque para o governador do banco central nacional da Alemanha, o Bundesbank. Jens Weidmann avisa que essa medida poderá criar um “risco moral” e contribuirá para que os governos se endividem mais e interrompam as reformas estruturais, isto além de ser “questionável do ponto de vista legal”.
Jens Weidmann notou, ainda, que é “compreensível” que o Conselho de Governadores esteja a discutir mais medidas de estímulo, já que a taxa de inflação está muito abaixo do objetivo de 2%. Mas recomendou “alguma calma”, já que a inflação baixa é um resultado da descida dos preços da energia e do “processo de ajustamento necessário”.
O que é que o BCE já fez, até agora, para estimular a inflação?
Mario Draghi anunciou, em junho de 2014, um conjunto de medidas de compra de dívida privada. Aqui, fala-se em conjuntos de créditos que as instituições financeiras titularizam, isto é, empacotam créditos dispersos num ativo financeiro único e vendem no mercado. Estas já estão em curso mas os analistas duvidam, como duvidaram desde o anúncio, que sejam suficientes para fazer “inchar” o balanço do BCE na medida desejada por Mario Draghi. Um balanço maior significa maior quantidade de moeda a circular, um euro mais baixo face às outras divisas (o que torna as empresas exportadoras mais competitivas) e custos de financiamento mais baixos para os estados e empresas. O objetivo do BCE é o de elevar o balanço para mais de três biliões de euros, o que implicaria um aumento de cerca de 50% face aos valores atuais.
Além disso, o BCE já colocou a taxa de juro de referência no mínimo histórico de 0,05%, falando-se aqui da taxa que os bancos privados pagam pela liquidez obtida junto do banco central. Além disso, foi dado o passo inédito de passar a taxa dos depósitos para um valor negativo. Na prática, passou a cobrar-se aos bancos uma taxa quando estes estacionam recursos financeiros no banco central, ao invés de emprestarem essa liquidez às famílias e empresas, ou a outros bancos através do mercado interbancário.
A 21 de novembro, Mario Draghi deixou a garantia: “Vamos fazer o que tivermos de fazer para acelerar a inflação e as expectativas de inflação o mais rapidamente possível, como nos obriga o nosso mandato de estabilidade de preços”. “Se a nossa atual trajetória de política não for suficientemente eficaz para conseguir isto, ou se se materializarem mais riscos para as perspetivas de inflação, iremos aumentar a pressão e alargar ainda mais os canais através dos quais intervimos, alterando a dimensão, intensidade e composição das nossas compras” no mercado, atirou Mario Draghi.
Dias depois, o vice-presidente do BCE, o português Vítor Constâncio, reiterou a mensagem: “Esperamos que durante o decorrer do programa, as medidas adotadas façam regressar a folha de balanço à dimensão que tinha no início de 2012″, os tais três biliões de euros. “Senão, teremos de considerar comprar outros ativos, incluindo obrigações soberanas no mercado secundário”, atirou o responsável.
Se o BCE avançar mesmo, quanta dívida pública será comprada? E como?
Os técnicos do Banco Central Europeu (BCE) apresentaram ao Conselho de Governadores um plano de compra de dívida pública em que uma das opções é a de levar o banco central a comprar apenas dívida pública da zona euro que tenha “rating” máximo (AAA). Aí, as compras – que ascenderiam a 500 mil milhões de euros – iriam limitar-se à dívida de países como Alemanha, Holanda e Finlândia. Outra opção é a compra de dívida pública com “rating” acima de “lixo”, caso em que a notação financeira da DBRS deveria ser suficiente para que as obrigações do Tesouro português estivessem na “lista de compras” de Mario Draghi.
Há muita incerteza, ainda, sobre o modelo concreto que o BCE irá preferir, mas a maioria dos economistas vê como mais provável um programa em que o banco central compraria obrigações do Tesouro numa quantidade proporcional à quota de cada país no BCE. O Goldman Sachs antecipa que as compras irão incidir, em especial, nos títulos de dívida de prazo mais longo, superior a cinco anos.
Uma questão crucial que o BCE terá de definir é a de saber quem fica com o risco das obrigações compradas. Aqui, “está a emergir como a opção mais provável a compra por parte dos bancos centrais nacionais da compra de dívida do país respetivo”, escrevem os analistas do Commerzbank. Ou seja, o Banco de Portugal, membro do eurosistema, iria participar no processo de compra da quantidade de dívida portuguesa definida pelo plano do BCE e, no final, o risco recai sobre esse banco central específico e não sobre o BCE no geral. Para o Commerzbank, esta pode ser uma forma de convencer os críticos, dentro e fora do BCE, a um eventual programa de compra de dívida.
E vai resultar?
Pode argumentar-se que, em certa medida, só a perspetiva de uma intervenção mais agressiva pelo BCE já está a ter efeitos importantes e que podem ajudar – e muito – a economia da zona euro. A descida do euro é um dos impactos principais de qualquer programa de expansão monetária (o famoso quantitative easing, ou Q.E.), e pode, só por si, contribuir para estimular a atividade económica na região, já que torna as exportadoras mais competitivas no mercado global.
É impossível dizer até que ponto um programa deste género será eficaz naquilo que mais importa para o BCE – a aproximação da taxa de inflação da meta de 2% –, até porque ainda faltam informações importantes sobre como o plano irá desenrolar-se, na prática.
“Se fizermos uma analogia ao que se verificou nos EUA e no Reino Unido podemos inferir que o mercado acionista recuperou”, explica Eduardo Silva, gestor da corretora XTB Portugal. “A moeda cai e fomenta a exportação, a economia cresce e o desemprego desce. O crédito fácil aumenta. Estas medidas servem como estímulo de último recurso, mas existe um custo a médio prazo, como com qualquer política de facilitismo monetário”, conclui o especialista.
A principal motivação do BCE em avançar com este programa é, como já leu nas questões anteriores, contribuir para que o banco central mais facilmente atinja o seu objetivo de aumento do balanço, que é de um aumento de 50% para cerca de três biliões de euros. Assim que Mario Draghi anunciou as anteriores medidas de compra de dívida privada, a maior parte dos analistas defendeu logo que seria necessário fazer mais do que aquilo para atingir o objetivo de expansão de balanço. Daí a eventual necessidade de um programa de compra de dívida pública.
Os analistas já estão, contudo, a tentar antecipar o nível de eficácia que esta medida, a confirma-se, terá. Alberto Gallo, economista do Royal Bank of Scotland, diz que “por si só, o programa Q.E. terá um impacto limitado”. “Produzirá um efeito através das exportações e da desvalorização da divisa mas não tanto através do efeito-riqueza ou do ponto de vista do investimento/consumo ou, ainda, da expansão do crédito”.
O próprio Mario Draghi, presidente do BCE, já reconheceu que a política monetária, por mais medidas que a instituição tome, não conseguirá, sozinha, acelerar a recuperação económica na zona euro. Em entrevista recente, Draghi disse que “são necessários mais progressos estruturais importantes – mercados de trabalho mais flexíveis, menos burocracia, impostos mais baixos”. O jornalista do Handelsblatt perguntou: “Pode ser um pouco mais específico, Sr. Presidente? Que países da zona euro precisam de fazer mais esforços?”. “Todos“, respondeu.