No dia em que foi conhecido o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) referente ao caso das gémeas luso-brasileiras, uma publicação no Facebook alega, baseando-se nas notícias publicadas sobre o documento, que a atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins — que foi presidente do Hospital de Santa Maria –, esteve “na origem” da primeira consulta marcada (de forma irregular, segundo as auditorias já conhecidas) para as duas crianças. Segundo o mesmo post, foi também a atual ministra que recomendou o tratamento com Zolgensma, à época o medicamento mais caro do mundo. Serão estas alegações verdadeiras?

O relatório da IGAS aponta várias irregularidades no processo. Os inspetores concluíram que foi o à época secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, que pediu à sua secretária pessoal que, em novembro de 2019, recolhesse os dados das crianças junto do filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, e os encaminhasse para o Departamento de Pediatria do Hospital de Santa Maria.

O Hospital de Santa Maria também é visado no relatório, por não ter seguido os critérios de referenciação para uma primeira consulta hospitalar, definidos pela lei. Os inspetores da IGAS concluíram que foi o então diretor clínico do hospital, Luís Pinheiro, a dar indicação à diretora do Departamento de Pediatria, Ana Isabel Lopes, para que fosse marcada a consulta para as gémeas. Ana Isabel Lopes autorizou depois a neuropediatra Teresa Moreno (sua subordinada e especialista em Atrofia Muscular Espinhal) a agendar a consulta.

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Depois de serem observadas no Serviço de Neuropediatria, Teresa Moreno considerou que as crianças cumpriam os requisitos para terem acesso ao Zolgensma, aquele que era, em 2019, o medicamento mais caro do mundo — cada tratamento tinha um custo de 1,9 milhões de euros. Uma vez que o medicamento ainda não era comercializado em Portugal, os hospitais do SNS que o quisessem administrar teriam de submeter um pedido de Autorização de Utilização Especial. Foi isso mesmo que o Santa Maria fez. Primeiro, Teresa Moreno fez o pedido à Comissão de Farmácia e Terapêutica da unidade hospitalar, que deu parecer favorável. De seguida, cabe ao hospital submeter o pedido na plataforma informática do Infarmed que analisa estes pedidos, o Sistema de Informação para Avaliação de Tecnologias de Saúde (SIATS).

No entanto, é aqui que terá surgido outra irregularidade. Segundo a IGAS, o diretor clínico do Santa Maria enviou um email ao Presidente do Infarmed, Rui Ivo, a pedir a colaboração neste caso e a remeter os pedidos de acesso ao fármaco. No entanto, a IGAS concluiu que esses mesmos pedidos “não seguiram o circuito de aprovação e validação dos pedidos de AUE”, uma vez que deveriam ter sido primeiro submetidos no SIATS. Desta forma, foram analisados pelo Infarmed de imediato e ainda antes de serem inseridos na plataforma.

Conclusão

O relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) refere várias irregularidades no processo, mas nunca menciona o nome de Ana Paula Martins. Nem podia fazê-lo, uma vez que a agora ministra da Saúde não teve qualquer intervenção — nem direta nem indireta — neste caso. Ana Paula Martins só assumiu a presidência do Conselho de Administração do Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Norte (que abarcava o Hospital de Santa Maria) em fevereiro de 2023, muito depois da consulta e da administração do Zolgensma às gémeas, que acabaram por ocorrer em janeiro e em junho de 2020, respetivamente.

Segundo a IGAS, no hospital de Santa Maria, quem deu indicação para a que a consulta fosse marcada foi o então diretor clínico, Luís Pinheiro. Já em relação ao tratamento, e uma vez que se trata de uma decisão clínica, o pedido foi feito pela neuropediatra Teresa Moreno, que seguiu as gémeas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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