É mais uma publicação com informação falsa sobre as vacinas contra a Covid-19. Numa altura em que nos países com a vacinação mais avançada já são claros os benefícios de uma imunização generalizada na população, com internamentos e número de mortos por Covid-19 a descer significativamente, ainda há quem vá utilizando as redes sociais para espalhar informação falsa. Desta vez, a estratégia passa por confundir os conceitos de “redução do risco absoluto” e de “redução do risco relativo”.

A publicação original, que dá origem à imagem partilhada na publicação em análise, já foi alvo de verificação por várias plataformas, entre elas a da agência de notícias Reuters.

Publicação no Facebook sobre alegadamente as farmacêuticas mentiram na eficácia das vacinas contra a Covid-19

Para espalhar a informação de que as farmacêuticas tinham “enganado toda a gente” quando revelaram os níveis de eficácia das vacinas acima de 90%, a publicação indica que estas usaram os valores referentes à redução de risco relativo e não os dados relativos à redução do risco absoluto. Mas isso está errado?

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Antes disso, importa clarificar que, ao contrário do que é afirmado na publicação, a informação não foi publicada em qualquer “estudo revisto por pares”. Trata-se de um artigo publicado na The Lancet Microbe a 20 de abril por Piero Olliaro, Els Torreele e Michel Vaillant, Aliás, em declarações à Reuters, estes autores já lamentaram a utilização feita do artigo. Professor do Centro de Medicina Tropical e Saúde Global da Universidade de Oxford, Piero Olliaro diz que é “extremamente dececionante ver como a informação pode ser distorcida”, sublinhando a ideia de que os investigadores “não dizem que as vacinas não funcionam” e frisando que as vacinas são uma “boa intervenção na saúde pública”.

Voltando à confusão de conceitos que origina a desinformação. A redução de risco relativo indica quando o risco de infeção foi reduzido num grupo de testes, em comparação com outro grupo que não tenha recebido a vacina em estudo. A resposta obtida permite perceber o quanto os participantes estão protegidos contra as várias formas da doença, da mais ligeira à mais grave.

E essa é a eficácia das várias vacinas. No caso da AstraZeneca, uma eficácia de 76%; no caso da Pfizer, uma eficácia de 95%; da Moderna, 94%; e, no caso da vacina da Johnson&Johson, a eficácia é de 66% na prevenção da Covid-19 moderada e 85% na forma mais grave da doença.

A redução de risco absoluto é a diferença aritmética entre, por exemplo, a percentagem de pessoas que foram infetadas dentro dos dois grupos (vacinados ou não vacinados). Pode encontrar uma explicação mais detalhada dos conceitos neste ficheiro disponibilizado pela The University of Western Australia.

A título de exemplo, facultado pela Meedan Health Desk à Reuters, imaginemos que há 20 mil pessoas num grupo que é inoculado com placebo e 20 mil pessoas de outro grupo que recebem a vacina em estudo. No estudo, 200 pessoas no grupo que recebe placebo ficam doentes e no grupo de pessoas que receberam a vacina ninguém adoeceu. Mesmo que a eficácia da vacina seja de 100%, a redução do risco absoluto ia traduzir-se numa redução de apenas 1%. Isto porque, dividindo as 200 pessoas que adoeceram pelo total de pessoas no grupo (20 mil), o resultado é 1%. Para que a redução do risco absoluto atinja os 20%, com uma vacina de eficácia 100% seria necessário que das 20 mil pessoas que receberam placebo 4 mil ficassem doentes. A redução de risco absoluto depende sempre do número de eventos que ocorrem — neste caso, as pessoas que ficam doentes.

A Organização Mundial de Saúde partilhou uma série de artigos especiais sobre as vacinas, que estão disponíveis a qualquer momento para consulta e que explicam todas as fases pelas quais as vacinas passaram até que fossem aprovadas pelas autoridades de medicamento responsáveis, sendo que, no caso da Europa, o regulador é a Agência Europeia do Medicamento.

Conclusão

Não é verdade que, conforme insinua a publicação, a eficácia das vacinas se situe em cerca de 1%. Essas percentagens dizem respeito à redução do risco absoluto e não à redução do risco relativo, aquela que é utilizada comummente e que traduz a redução do risco de infeção independentemente do meio de transmissão.

Os especialistas em bioestatística ouvidos pela Reuters explicam ainda que a redução do risco relativo (que dá percentagens de eficácia mais altas, maioritariamente acima dos 90% — exceto na AstraZeneca) “é mais significativa” uma vez que não está dependente do número de eventos que se registam em determinado estudo. Um estudo, elaborado com dados dos profissionais de saúde, do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos mostra que o risco de infeção caiu 90% duas semanas depois da vacinação completa (com as duas doses) no caso das vacinas da Pfizer ou Moderna.

A redução de risco relativa e a redução do risco absoluta não se contrariam, são complementares, mas na publicação é usada uma para desmentir a outra, algo que está errado.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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