O Sri Lanka continua a estar no centro das atenções. Tem circulado nas redes sociais vídeos de manifestantes a invadir o palácio presidencial do país. Aconteceu este mês: a 9 de julho, o Presidente do Sri Lanka fugiu da sua residência oficial, minutos antes de esta ter sido invadida por manifestantes em fúria. Também a residência oficial e particular do primeiro-ministro foi atacada por manifestantes. O presidente, Gotabaya Rajapaksa, acabou por anunciar a renúncia no mesmo dia.

Presidente do Sri Lanka anuncia renúncia após invasão de residência oficial

A crise que o Sri Lanka atravessa é descrita como a mais grave desde 1948, por alguns meios de comunicação internacionais, como o jornal britânico The Guardian.

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As imagens que vieram a público da cadeia de televisão Sirasa mostravam, no início do mês, manifestantes em fúria a invadirem o palácio presidencial, até esse momento fortemente protegido pelos militares. O vídeo é já conhecido, a explicação que está a circular no Facebook nem por isso.

Povo arrombou portão do escritório do primeiro-ministro e exige a sua renúncia. Povo cansado da política comunista. Presidente renunciou e fugiu para as Maldivas. China colocou um primeiro-ministro provisório no lugar.”

O vídeo partilhado nesta publicação mostra manifestantes a trepar paredes da residência oficial do Presidente do país, com a bandeira nacional às costas, e é descrito como “a revolta dos mansos no Sri Lanka”. Nos comentários nesta página brasileira há de tudo um pouco, desde felicitações pela revolta popular a mensagens dirigidas aos apoiantes de Lula da Silva (ex-presidente e candidato presidencial) e aos partidos de esquerda, do Partido dos Trabalhadores (PT) ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Publicação no Facebook sobre a revolta no Sri Lanka

Publicação no Facebook sobre a revolta no Sri Lanka

A teoria que circula nas redes sociais defende que o que motivou a revolução no Sri Lanka foi o cansaço com a “política comunista” alegadamente praticada pelo poder político no país. Vai mais longe e acusa a China de colocar um “primeiro-ministro provisório no lugar”.

Revolta no Sri Lanka contra “política comunista”?

O povo do Sri Lanka culpa o Governo do antigo presidente, Gotabaya Rajapaksa, pela pior crise económica desde 1948, ano em que conquistou a sua independência do Reino Unido.

Como a cadeia de televisão britânica BBC explica, durante os últimos meses a população tem enfrentado cortes de energia diários e dificuldades no acesso a combustível, comida e medicamentos. As dificuldades são associadas aos governos da mesma família, Rajapaksa, que tem dominado a ilha desde 2009.

O vídeo utilizado nesta publicação pode ser verdadeiro, mas a justificação para a revolta popular no Sri Lanka — um alegado cansaço relativamente à “política comunista” seguida no país — não tem fundamento. Na verdade, Gotabaya Rajapaksa foi eleito presidente do país em 2015 enquanto candidato do partido Sri Lanka Podujana Peramuna (SLPP), fundado por um dos seus irmãos.

Conhecido como o “partido dos Rajapaksas”, o SLPP é hoje descrito por politólogos asiáticos como Jayadeva Uyangoda como um partido populista de direita, conservador, que “favorece autoritarismos”.

O partido do ex-Presidente Gotabaya Rajapaksa resultou de uma cisão com o Partido da Liberdade do Sri Lanka (SLFP), de centro-esquerda, o que leva outra politóloga, Deshika Elapata, a descrever o atual Sri Lanka Podujana Peramuna como um partido “socialmente de direita, e economicamente de esquerda, baseado no nacionalismo e na social-democracia”.

Também as acusações de que terá sido a China a escolher o chefe de Estado provisório do Sri Lanka não têm sustentação. Ranil Wickremesinghe foi eleito pelo Parlamento do país, como prevê a Constituição do Sri Lanka. Também ele é alvo da contestação popular.

Ranil Wickeremesinghe é o novo Presidente do Sri Lanka

Das palavras de ordem que alimentaram os protestos nos últimos meses não constam críticas a uma ingerência de Pequim na política interna do país nem a referência a um sistema demasiado inclinado para a esquerda. Mas há outros dados relevante que ajuda a desconstruir a ideia de que os manifestantes saíram às ruas saturados com a “política comunista” alegadamente seguida pelo poder político no Sri Lanka. Num artigo em que analisa o momento atual do país, a Aljazeera explica que uma das exigências de quem saiu à rua passa por garantir que o governo interino começa a trabalhar numa nova Constituição que reforce a soberania popular, num processo ratificado por um referendo.

Além disso, explica-se no mesmo artigo, sem uma estrutura organizada na liderança dos protestos, tem cabido à União de Estudantes Inter-Universitária (considerado o braço estudantil do Partido Frente Socialista) e à União da Juventude Socialista a dinamização do movimento.

Depois da tempestade vem a bonança?

Depois de mais de 100 dias de protestos terem culminado na fuga do país do antigo presidente, hoje o Sri Lanka já tem um novo chefe de Estado, Ranil Wickremesinghe, e um novo primeiro-ministro, Dinesh Gunawardena.

Os nomes mudam, mas os protestos continuam. O novo Presidente é o antigo primeiro-ministro e o novo chefe de Governo é um aliado de longa data da família política dos Rajapaksa, do antigo Chefe de Estado que foi obrigado a fugir do país.

À agência espanhola Efe, os manifestantes asseguram que os protestos não vão ficar por aqui. “Não era isto que queríamos. Vamos manter o nosso protesto”. É o mesmo cenário descrito por emigrantes do Sri Lanka ao Observador, que continuam céticos em relação ao novo Governo. “É o mesmo sistema corrupto. Nada mudou”

Emigrantes do Sri Lanka céticos em relação a novo governo. “É o mesmo sistema corrupto. Nada mudou”

Conclusão

O Sri Lanka atravessa a mais grave crise económica e política desde 1948. Uma publicação no Facebook aponta responsabilidades à “política comunista” que se segue no país. Mas não é verdade. Cortes de energia diários, falta de combustível, comida e medicamentos por causa da inflação são a justificação para os protestos.

O partido que elegeu o presidente que foi obrigado a fugir do país, Gotabya Rajapaksa, apresentado como o responsável pelo atual estado da nação, é na verdade um partido de direita, conservador, que “favorece autoritarismos”. As acusações de que terá sido a China a escolher o chefe de Estado provisório, Ranil Wickremesinghe, são igualmente falsas, uma vez que o ex-primeiro-ministro foi eleito pelo Parlamento para ser o novo presidente do Sri Lanka.

Os protestos não estão ligados a uma estrutura organizada mas tem cabido aos movimentos estudantis a dinamização dos protestos. Movimentos e organizações fortemente ligados a partidos e forças sociais de esquerda.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.

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