|
|
|
|
Além das presidenciais, em que mais se vota no dia das eleições? |
Quando olhei à minha volta naquela sala de estar, só uma pessoa estava satisfeita com os resultados das eleições. Para explicar este cenário terei de fazer uma breve nota autobiográfica: em 2008/09, vivi um ano no estado norte-americano do Maine, mais propriamente na vila de Kennebunk, onde fiz o 12.º ano enquanto vivi com uma família de acolhimento. E, aproveitando que estava nos EUA alguns anos depois, durante as eleições de 2016, fui até lá para rever família e amigos. Em Kennebunk, Hillary Clinton ganhou com 57,5% e Donald Trump ficou-se pelos 36,1% — e, portanto, entre os amigos e conhecidos com quem me juntei no final da noite 13 de novembro de 2016 não havia grande felicidade com os resultados das eleições em todo o país, que deram a vitória a Trump. |
Menos o C. (fico-me pela inicial, já perceberá porquê), que se dizia “bastante feliz” com os resultados. Perguntei-lhe, então, se tinha votado em Donald Trump. “Não, achas? Votei na Hillary”, respondeu-me. E, antes que eu lhe fizesse a pergunta seguinte, ele lá tratou de me explicar afinal porque é que estava tão contente com os resultados quando a candidata dele tinha perdido: “Eu estou feliz com os resultados porque a erva passou a ser legal no Maine e eu já estou preparado para abrir um negócio, até já me despedi do meu trabalho”. |
E tinha toda a razão: ao mesmo tempo que Donald Trump foi eleito Presidente dos EUA, o consumo generalizado de marijuana foi aprovado por 50,26% contra 49,74% dos cidadãos do estado do Maine e, assim que a lei fosse posta em prática (não foi fácil, e só em 2018 é que isso veio a acontecer), a sua venda seria regulada e taxada a 10%. E o C. viu a aí uma hipótese para pôr em prática o seu músculo empreendedor. |
Onde é que quero chegar com esta breve introdução? Aqui: no próximo dia 3 de novembro, além do Presidente, os norte-americanos também vão votar em muitas outras eleições a nível estadual e municipal. E ali vota-se praticamente tudo o que remete para cargos públicos — e se digo “praticamente tudo” não é por acaso. |
Se não acreditar, veja pelos seus próprios olhos o boletim de voto que os eleitores do condado de Snohomish, no estado de Washington, vão receber quando forem votar a 3 de novembro. Se achava que a votação ali ia ser apenas uma, enganou-se e não foi por pouco. É que são 47 — para lá da eleição presidencial, todas as restantes votações dizem respeito a temas estaduais ou do próprio condado de Snohomish. |
As perguntas vão da eleição dos congressistas que o estado pretende enviar para Washington D.C. à proposta de se cobrar 1,5 dólares a cada 1000 do valor da casa de cada cidadão, dinheiro esse que será utilizado para financiar as atividades dos bombeiros. Pelo meio, vota-se para eleger um sem-fim de cargos estaduais (governador, senadores, tesoureiro, juízes para os tribunais Supremo e da Relação), além de um referendo sobre o ensino de educação sexual. A nível do condado, vota-se para eleger o county councillor (comparável a autarca) do 4.º distrito de Snohomish. E só não se vota para o xerife porque isso já foi no ano passado — ganhou Adam Fortney, que derrotou o próprio chefe ao conquistar 56% dos votos. |
Por isso, creio que por esta altura já esteja claro que a 3 de novembro não se escolhe apenas entre Donald Trump e Joe Biden — muito longe disso. Mas o que falta explicar é que estas votações podem ser locais no plano imediato mas, a médio-longo prazo, também podem ter efeitos nacionais. E isso acontece de duas maneiras. |
A primeira maneira tem a ver com os mapas eleitorais dentro de cada estado. Nos EUA, é aos legisladores de cada estado que cabe a tarefa de definir os círculos eleitorais dentro daqueles territórios. É aqui que entra uma técnica chamada gerrymandering, em que o desenho desses círculos é feito não por critérios meramente geográficos mas acima de tudo eleitoralistas. Dessa forma, os legisladores de cada estado podem desenhar círculos eleitorais no mapa de maneira a conseguirem os melhores resultados possíveis — o que passa por dividir blocos de votos que não lhes são favoráveis e criar os maiores aglomerados possíveis nos sítios onde sabem que podem ganhar. |
Ora, isto é particularmente importante nestas eleições porque os dados dos próximos censos populacionais nos EUA serão divulgados em 2021 e, como é costume, estes novos dados abrem a possibilidade de um redesenho dos círculos eleitorais — o que pode ter um impacto nas eleições para a Câmara dos Representantes, câmara essa que controla os cordões da bolsa dos fundos públicos nos EUA, como se viu durante o último shutdown. |
Há ainda uma segunda maneira como as votações além das presidenciais que ocorrem no dia 3 de novembro podem ter um efeito a nível nacional. Aqui, regresso ao Maine para explicar porquê. |
Nestas eleições, entre os 100 lugares no Senado há 35 que vão a jogo, naquela que é a câmara alta dos EUA. Aqui, os republicanos têm todo o interesse em manter a atual maioria de 53-47 e os democratas têm toda a esperança de conseguir reverter o statu quo. E o Maine é precisamente um dos sítios que está em disputa: mais em particular o lugar da senadora Susan Collins, reconhecida como a senadora republicana mais moderada e, por isso, nem sempre favorável a Donald Trump. Nestas eleições, Susan Collins, que é senadora desde 1997, pode muito bem vir a deixar de sê-lo — as sondagens de setembro põem-na entre 4 a 12 pontos percentuais atrás da democrata Sara Gideon. |
Além do Maine, há outros estados que escolhem senadores e que podem ser decisivos. De acordo com a análise do RealClearPolitics, percebe-se como a corrida está renhida no Senado. Dos 35 lugares que vão a jogo, os democratas têm 2 prováveis e 4 possíveis (dos quais um é roubado aos republicanos, no Colorado). Entre os republicanos, há 6 prováveis (entre os quais um roubado aos democratas, no Alabama) e 2 possíveis. Pelo meio, a cinzento, há os Toss Ups, ou seja, aqueles que estão renhidos. São 8 e vão decidir isto tudo: sete são republicanos e apenas um é democrata, o que deixa claro quem é que tem mais a perder aqui. |
Por entre todos os defeitos que o sistema eleitoral dos EUA possa ter, é esta uma das suas virtudes. O condado de Snohomish fica a 4.474 quilómetros de Washington D.C. — e da vila de Kennebunk até lá são outros 830. Mas, no fundo, quando chega a altura de votar, de uma maneira ou de outra, as escolhas que se fazem naqueles sítios aparentemente tão distantes do centro de poder podem muito bem vir a moldar o que nele se faz e como se faz. |
E, nos casos em que essas decisões não afetam Washington D.C., ao menos podem ter consequências bem diretas nas vidas das pessoas que lá vivem. Há quatro anos, o C. despediu-se do trabalho para abrir um negócio de venda legal de marijuana no Maine. Desde então, perdi o contacto com ele. Mas, enquanto preparava esta newsletter, perguntei a um amigo que o conhece melhor se o C. sempre tinha ido para a frente com o negócio. “Não sei bem”, disse-me. “Apesar de sermos próximos nem lhe pergunto, porque acho que ele começou o negócio mas ilegalmente e por isso é melhor eu nem saber nada.” |
Ou seja, ao que parece, esta história já deixou de ser um caso de democracia e política estadual e pode muito bem agora ser um caso de polícia. E, se em Kennebunk os cidadãos chegarem à conclusão de que a polícia não está a fazer o que lhe compete, então têm bom remédio: da próxima vez, votem noutro xerife. |
O que aconteceu esta semana |
|
- Trump testa positivo à Covid-19 e é internado em hospital militar
|
Donald Trump foi internado no Hospital Militar Walter Reed, no estado do Maryland, depois de ter testado positivo à Covid-19 na sexta-feira, 2 de outubro. Internado desde sábado, o Presidente dos EUA tem aparecido a público em diferentes ocasiões: em vídeos publicados nas suas redes sociais (um antes de ser levado para o hospital e em dois outros durante o internamento) e também no banco de trás de um carro, do qual acenou durante um curto passeio aos fãs que se juntaram em seu apoio em frente ao hospital. Já esta segunda-feira, ao final da tarde, anunciou no Twitter que ia sair do hospital às 18h30 locais (23h30 de Lisboa) e garantiu: “Sinto-me melhor [agora] do que há 20 anos!”. |
Do estado de saúde de Donald Trump nos últimos dias, sabe-se que foram registadas duas quebras dos níveis de oxigénio do Presidente, na sequência de dificuldades respiratórias. A quebra mais recente foi no sábado. Desde que foi hospitalizado, Donald Trump está a ser tratado com dexametasona (um esteroide que tem sido aplicado a doentes graves, junto dos quais tem demonstrado bons resultados), além do antivírico remdesivir. |
Ao longo deste processo, tem sido posta em causa a veracidade da informação divulgada pelo médico da Casa Branca, Sean Conley. Numa primeira conferência de imprensa, o médico não deu a informação de que Donald Trump tinha recebido oxigénio suplementar e que estava a ser tratado com dexametasona. Na segunda conferência de imprensa, quando já tinha sido noticiado que Donald Trump tinha tido duas quebras de oxigénio e que estava a ser tratado com um fármaco usado em doentes graves, Sean Conley defendeu-se dizendo que apenas quis “refletir a atitude otimista da equipa, e do Presidente, ao longo da sua doença” e acrescentou: “Não quis dar nenhuma informação que pudesse alterar o curso da doença noutra direção. E, ao fazê-lo, passou-se a ideia de que estávamos a tentar esconder alguma coisa, o que não era necessariamente verdade. O que é matéria de facto é que ele está a ir muito bem”. |
Donald Trump terá continuado a trabalhar enquanto esteve internado, afastando assim o cenário de poder suspender funções e delegá-las no vice-Presidente, Mike Pence. O número dois da administração de Donald Trump foi testado várias vezes para a Covid-19 e deu negativo. No entanto, várias pessoas próximas de Trump ficaram infetadas — entre outras, a primeira-dama, Melania Trump; dois senadores republicanos; a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany; a ex-conselheira de Donald Trump Kellyanne Conway; e o ex-governador de Nova Jérsia, Chris Christie, que ajudou o Presidente na preparação do debate de terça-feira passada. |
|
- Infeções entre senadores republicanos põem em causa a nomeação da juíza Amy Coney Barrett
|
A confirmação pelo Senado de Amy Coney Barrett como juíza do Supremo Tribunal era uma certeza há uma semana mas, agora, esse processo pode ter pela frente um futuro menos linear. A incerteza surge porque dois senadores republicanos que fazem parte da comissão de assuntos judiciários do Senado (Mike Lee, do Utah, e Thom Tillis, da Carolina do Norte) terem testado positivo após terem estado presentes na cerimónia em que Donald Trump anunciou Amy Coney Barrett para preencher a atual vaga naquele tribunal. Além disso, há um terceiro senador republicano (Ron Johnson, do Wisconsin) infetado, além de outros dois membros da comissão de assuntos judiciários estarem em quarentena depois de terem estado com senadores infetados: os republicanos Ted Cruz (Texas) e Ben Sasse (Nebraska). |
Perante estas baixas, os republicanos têm alguns desafios pela frente. Primeiro, o facto de não ser permitido votar à distância ou por procuração no Senado, ao contrário do que acontece na Câmara dos Representantes. Depois, o facto de já haver democratas que veem aqui uma possibilidade de adiar as votações até haver um novo equilíbrio no Senado, que pode vir a ter maioria democrata depois de os atuais mandatos terminarem a 3 de janeiro de 2021. |
O primeiro desafio para os republicanos será o de garantir que os 12 republicanos da comissão de assuntos judiciários do Senado (que é composta por 22 membros) estão fisicamente presentes na votação para enviar o nome daquela juíza para o Senado. Com o objetivo de adiar essa votação em plenário (que os republicanos estão a planear para 22 de outubro), a senadora democrata Dianne Feinstein (Califórnia) escreveu uma carta ao republicano e líder da comissão, Lindsey Graman (Carolina do Sul), dizendo-lhe que iniciar os trabalhos para aquela nomeação seriam uma “ameaça à saúde e segurança de todos os que forem chamados a trabalhar”. Existe, porém, a hipótese de a votação ser levada diretamente para o plenário do Senado, se essa for a decisão do líder da maioria republicana e presidente do Senado, Mitch McConnell. |
O segundo e maior desafio é mesmo no plenário do Senado. Atualmente, há 53 republicanos eleitos naquela câmara. Porém, com pelo menos três deles infetados, estes passam a ser 50 — ou seja, um a menos do que o necessário para atingir um quorum de 51. Estas contas podem levar a que os senadores democratas saiam da sala, à exceção de um, que poderá referir que há falta de quorum (condição obrigatória para haver qualquer votação) e assim provocar o adiamento daquela sessão. Nesse caso, com esses números, o senador democrata que fizesse essa menção teria de abandonar imediatamente a sala e esconder-se — um cenário que parece rocambolesco, mas que já aconteceu no passado e acabou com a polícia do Capitólio a procurar um senador republicano fugido. |
|
- Trump e Biden enfrentaram-se em debate violento
|
Na madrugada de terça para quarta-feira, Donald Trump e Joe Biden encontraram-se em Cleveland, no estado do Ohio, para o primeiro de três debates entre os candidatos presidenciais. Foi consensualmente o debate mais agressivo de que há registo numa campanha presidencial, depois de ao longo de 90 minutos os dois candidatos terem trocado acusações e também vários tipos de insultos. |
O debate, que foi moderado pelo jornalista da Fox News Chris Wallace, incluiu temas como a pandemia, o Supremo Tribunal, as tensões raciais e a integridade das eleições. Quando instado a condenar grupos de supremacistas brancos, Donald Trump dirigiu-se especificamente a um deles, os Proud Boys, e disse “Stand down and stand by” (traduzível para “recuem mas fiquem a postos”) e acrescentou que “alguém tem de fazer alguma coisa quanto aos antifa e à esquerda”. Já Joe Biden não quis responder se apoiava a possibilidade de, caso venha a ser Presidente juntamente com uma maioria democrata no Senado, alterar as regras de nomeação dos juízes do Supremo Tribunal de maneira a conseguir uma maioria progressista naquele órgão de justiça. |
No final, as sondagens de análise ao debate deram a vitória a Joe Biden, mas com pouca vantagem. A registar ficam também os números das interrupções daquele debate: segundo o Washington Post, 93 ao todo (ou seja, mais do que uma por minuto), das quais 71 foram de Donald Trump e 22 de Joe Biden. A Slate, que não contou as interrupções de Joe Biden, fez outra conta para Donald Trump: 128 interrupções. Além disso, fixou em 25 o número de pedidos de Chris Wallace para que um dos candidatos deixasse o outro falar. |