Nem foi Donald Trump que se lhes referiu, quem juntou as palavras e as disse em voz alta — Proud Boys —, foi Joe Biden, durante o debate desta terça-feira, e depois de o presidente dos Estados Unidos se fazer desentendido.

“Está disposto, esta noite, a condenar os grupos de milícia e de supremacistas brancos e de lhes dizer que têm de parar?”, perguntou o moderador Chris Wallace a um desconcertante Trump que, depois de retorquir que “quase toda a violência que vê” atualmente no país “vem da esquerda”, se manteve impassível e chegou mesmo a pedir-lhe exemplos: “Dê-me um nome, dê-me um nome, quem é que quer que eu condene?”.

À deixa atirada pelo democrata, Trump respondeu com mais achas para a fogueira que arde há meses nos Estados Unidos, com batalhas campais entre grupos da extrema-direita e da extrema-esquerda, e catapultou ainda mais para a fama o grupo fundado em 2016 pelo canadiano Gavin McInnes. “Proud Boys, afastem-se e mantenham-se a postos”, pediu o ainda presidente dos Estados Unidos; “Estamos à espera, senhor”, responderam vários membros do grupo nas plataformas virtuais que ainda não lhes foram vedadas.

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Nunca tinha ouvido falar? Eis cinco coisas que tem de saber sobre os Proud Boys.

“Misóginos, islamofóbicos, transfóbicos e anti-imigrantes”

A descrição é da Liga Anti-Difamação (ADL, na sigla em inglês), uma organização não governamental judaica com sede nos Estados Unidos cujo mote é a luta contra o anti-semitismo e o ódio, citada pelo Wall Street Journal. Os membros dos Proud Boys — todos do sexo masculino — são “misóginos, islamofóbicos, transfóbicos e anti-imigração”.

Também são violentos, a prová-lo estão as inúmeras notícias recentes sobre os confrontos em que se têm envolvido com manifestantes do movimento Black Lives Matter, que protesta contra a violência policial nos Estados Unidos.

“Armados com spray para ursos [um aerossol capaz de parar animais selvagens e agressivos], de tacos de baseball, de pistolas de paintball e, no caso de um dos membros, de uma arma de fogo, os Proud Boys envolveram-se em vários atos de violência contra os manifestantes e os membros da comunicação social”, descreveu a ADL, sobre confrontos em Portland.

Banidos por Twitter, Facebook, Instagram e YouTube, os membros dos Proud Boys comunicam-se e manifestam-se agora através de plataformas como o Telegram e o Parler.

Gavin McInnes, o fundador anti-semita

Foi em 2016, durante a campanha presidencial que então opunha Donald Trump e Hillary Clinton, que Gavin McInnes, ex-hipster de Brooklyn (descrição do New York Times, já há dois anos) tornado anti-semita confesso, resolveu formar o grupo de extrema-direita.

“Este movimento são pessoas normais que tentam viver as suas vidas a serem atacadas por lunáticos doentes mentais”, disse em 2018 àquele jornal o escritor, jornalista e ativista político, agora com 50 anos, nascido no Canadá.

Anti-Sharia law rally in New York City

Gavin McInnes em 2017, numa manifestação contra a lei islâmica, em Nova Iorque

Não é preciso sequer recorrer às ações, o que não faltam são outras palavras proferidas por McInnes, co-fundador da Vice Media, capazes de traduzir o que, no seu léxico, significa “normalidade”: assume que é islamofóbico, sexista e anti-semita (mas, de acordo com a Newsweek, o vídeo que gravou em 2017 com o título “dez coisas que odeio nos judeus” foi entretanto apagado da Internet).

“Trouxemos estradas e infraestruturas para a Índia e eles continuam a utilizá-las como casas de banho. Os nossos criminosos construíram boas estradas na Austrália, mas os aborígenes continuam a usá-las como cama”, disse um dia McInnes, que garante não ser racista, não ter ligações ao movimento alt-right nem tão pouco defender os valores da supremacia branca.

Em dezembro de 2018, dois meses depois de membros dos Proud Boys terem sido detidos em Nova Iorque, na sequência de confrontos com elementos do grupo de extrema-esquerda Antifa, justamente depois de um comício seu, McInnes decidiu abandonar o grupo.

“Estou oficialmente a dissociar-me dos Proud Boys, em todas as capacidades, para sempre, desisto”, disse num vídeo entretanto partilhado publicamente. “A minha equipa jurídica e as forças da lei dizem-me que este gesto poderá ajudar a aliviar a sentença deles… Não somos um grupo extremista e não temos ligações a nacionalistas brancos.”

Enrique Tarrio, um afro-cubano a viver na Florida, foi entretanto escolhido para assegurar a liderança do grupo.

Sinalizados pelo FBI

Desde 2018 que os Proud Boys foram classificados pelo FBI como um “grupo extremista com ligações ao nacionalismo branco”.

De acordo com um documento revelado pelo Guardian na altura, no verão desse ano a polícia federal americana emitiu um comunicado a avisar as polícias locais de que o grupo estava “a recrutar ativamente na região do Noroeste Pacífico”.

“Membros dos Proud Boys contribuíram para a recente escalada de violência em comícios políticos realizados em campus universitários, e em cidades como Charlottesville, na Virgínia, Portland, no Oregon, e Seattle, em Washington”, alertava ainda o documento.

Praxe e juramento

“Sou um orgulhoso chauvinista ocidental, recuso-me a pedir desculpa por criar o mundo moderno.” De acordo com o Guardian, é nesta frase que consiste o juramento que todos os novos membros dos Proud Boys têm de fazer, uma vez ultrapassado o “violento” processo de praxes, como rito de adesão ao grupo.

Apesar de ninguém conseguir perceber quantos são os Proud Boys ao todo (McInnes chegou a atirar para os 10 mil em todo o mundo), o jornal britânico sugere que não passem de algumas centenas — bem menos do que a sua reputação, agora ampliada no primeiro confronto Trump-Biden poderia fazer crer. Ainda assim, o “fenómeno” não será exclusivo dos Estados Unidos, onde foram criados — no Reino Unido, na Austrália e no Canadá, terra natal do fundador McInnes, também existem Proud Boys.

O “uniforme” Fred Perry e o hino tirado de Aladino

Pólo Fred Perry preto, com riscas amarelas na gola e nas mangas. Eis o uniforme adotado pelos Proud Boys, uma escolha que, de acordo com a Bloomberg, já levou a marca, fundada há 68 anos pelo tenista, três vezes campeão de Wimbledon e outras tantas do U.S. Open, a interromper as vendas do modelo.

Desde setembro de 2019, há mais de um ano, que não há pólos como os adotados pelos Proud Boys à venda, pelo menos nos Estados Unidos e no Canadá. A marca tenciona manter as coisas assim, pelo menos até a organização de extrema-direita acabar.

Como hino, os Proud Boys têm uma música do Aladino, da Disney — aliás, foi à música, “Proud of Your Boy”, que ouviu em 2015, num espetáculo na escola da filha, que McInnes foi buscar inspiração para o nome do grupo. Curiosamente, já veio apontar o jornal judaico Forward, a música terá sido escrita nada menos do que por um judeu. Gay.