Amanhã, 9 de Maio, a União Europeia (UE) celebra o seu sexagésimo oitavo aniversário. Foi no dia 9 de Maio de 1950 que o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman, fez na sala do relógio do Quai d’Orsay o discurso que lançou o projecto de integração europeia.

Passaram 68 anos. E qualquer que seja o ângulo por que sejam avaliados, face ao cepticismo inicial e às múltiplas tentativas de fazer retroceder o projecto, uma coisa é inegável:

A UE existe, um projecto de liberdade. A UE contribuiu para 68 anos de paz na Europa, desde logo entre os Estados que a compõem. A UE foi e é um extraordinário instrumento de melhoria da vida dos seus cidadãos, no espaço económico do Mundo ainda hoje com o PIB mais elevado – onde mais riqueza é criada anualmente -, contribuindo para reduzir as desigualdades no continente. A UE constitui um factor de identidade complementar ao nacional, tantas vezes são os europeus identificados fora do seu continente, já não como alemães, franceses, portugueses ou croatas, que não deixam nem deixarão de ser, mas como “europeus”.

Difícil é perceber a razão da animosidade contra ela: pelas redes sociais, pela pena de comentadores, em discursos e afirmações nacionalistas e nativistas, escorre fel, vituperando-a como o vilão anti-nacional por excelência. Não é. A União, pelo contrário, salvou a Europa da guerra civil em que mergulhou durante um terço do século passado e ajudou a consolidar a democracia onde ela mal era conhecida, como nos países de leste, na Grécia, em Portugal…

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Quando a ameaça da ruptura nacional ameaça uns atrás dos outros os países europeus, é do projecto europeu, com o seu equilíbrio entre intergovernamentalismo e supranacionalidade, soberania nacional e interdependência, que emerge o suplemento de alma, e conceitos vitais como a subsidiariedade, a partilha de interesses e de soberania, alicerces do softpower e resposta colectiva às ameaças contemporâneas.

A verdade é que a pulsão do nativismo e do nacionalismo exclusivista ameaçam até a coesão de Estados construídos em bases frágeis há menos tempo de que muitos julgam. A Itália, 160 anos de independência e exigências autonómicas; a Córsega, ruptura anunciada com o muito mais velho Estado francês; o Reino Unido, cuja “união” já foi mais sólida; a própria Alemanha, que há 140 anos nasceu da fusão de 25 Estados sob o domínio da elite prussiana, os “junker”, e quase todos os Estados-nação europeus (com a excepção portuguesa?), encontram na integração europeia o contraponto e a válvula de escape das tensões independentistas.

Europa, velho sonho dos europeus para acabar com o dilaceramento interno, um sonho feito realidade e de que alguns, em nome de princípios que o humanismo europeu rejeita, querem fazer um pesadelo. Ora não há maior inimigo da integração europeia do que a desinformação. As célebres “fake news” têm feito da UE um dos seus alvos predilectos.

Elas são, acreditam os cidadãos europeus, uma ameaça aos seus países e ao regime democrático em geral. Em Fevereiro do corrente ano (eurobarómetro 464), perguntados sobre se as “fake news” eram um verdadeiro problema, só 14% dos europeus inquiridos considerou que não; para os restantes 85% são um problema real para os seus países e para a democracia (82% em Portugal). No programa de trabalho da Comissão para 2018, a desinformação é uma prioridade.

Em Março, o relatório de um grupo de peritos identificou cinco pilares para contrariar a desinformação no espaço público: maior transparência das notícias on-line, com partilha dos dados sobre os quais a sua circulação assenta; promoção da literacia nos media; empoderamento de utentes e jornalistas na luta contra a desinformação; salvaguarda da diversidade e sustentabilidade do novo ecossistema noticioso; promover a pesquisa permanente sobre o seu impacto na Europa.

O Mundo divide-se hoje entre globalistas e nacionalistas. Mais do que as diferenças ideológicas, é essa a grande fractura. E as “notícias falsas”, como sempre sucedeu com as mentiras, os exageros e a criação de mitos, servem os que querem regressar ao passado ou pôr em causa as conquistas para um futuro melhor.
Sobre a União Europeia há um velhíssimo método a que as novas tecnologias e as mentiras difundidas pelos novos media vieram dar vida: caricatura-se e, por muito diferente que seja o original da caricatura, critica-se a caricatura sem piedade. Resulta quase sempre.

Há muito que a Comissão europeia se queixa da forma como muitas medidas tomadas pela União são percebidas pela opinião pública, que a acusa (em eco amplificado pelas redes sociais) de atentar contra as soberanias e especificidades nacionais, caricatura que serve para justificar falhanços próprios ou reivindicar sucessos alheios. Lê-se num relatório da Comissão de 1998 que “raramente os Estados membros desmentem (essas) alegações (…), os resultados tangíveis em benefício dos cidadãos quase nunca são explicitados”. E conclui: “a desinformação sobre as actividades comunitárias está na origem de mal entendidos. Nem sempre são dados aos cidadãos os elementos necessários para compreenderem quem faz o quê, quem deve fazer o quê e ainda qual a utilidade de realizar uma acção a nível da União”.

Inverte-se a caricatura evocando uma antiga máxima do debate público sobre a integração europeia: o que de positivo advém para a vida dos cidadãos das políticas públicas europeias é sempre reivindicado pelos governos nacionais; o que quer que seja que corra mal, não pode senão ser responsabilidade das instituições europeias, dos “burocratas” de Bruxelas, mesmo quando as decisões são tomadas… pelos chefes dos governos nacionais ou seus ministros.

Um exemplo final. Quando governantes (e cidades) por toda a Europa criticam a proposta apresentada pela Comissão para o próximo quadro comunitário, ao reduzir em 6% os fundos de coesão, estão cheios de razão. Esses mesmos governantes (e cidadãos) exigem aliás que a União se dote também de recursos adicionais para desenvolver novas políticas em áreas fundamentais como a imigração, a segurança, a juventude, as tecnologias. E são os mesmos governantes (e partidos) que recusam aumentar  as contribuições nacionais, sem as quais não pode haver recursos suficientes para manter as verbas para a coesão ou lançar novas políticas.

As “fake news”, no caso da União Europeia, não são novidade. Há muito que esboçam o monstro caricatural em torno do qual se erigem todo o tipo de mitos sobre a integração europeia. E contudo, ela ainda é a melhor esperança para o futuro dos europeus, habitantes de um continente desafiado pelas ondas irredutíveis da globalização, em perda demográfica e em risco de se tornar o belo e irrelevante museu do Mundo.

Pela minha parte, recuso-me a retrogradar.