Caitlin Clark é um fenómeno tão espontâneo que não foi encontrado pelos melhores satélites da NASA. Contudo, é um bom ponto de partida para desmistificarmos algumas teorias feministas e progressistas que merecem a sua revisão.
Antes de mais, convém explicar aos mais desatentos quem é Caitlin Clark. A Caitlin Clark é um fenómeno que tem instalado uma vasta polémica nas redes sociais pelo seu talento único para jogar basquetebol. Normalmente, parece que talento e polémica não são os melhores sinónimos, mas é isso que torna Caitlin Clark um caso de estudo. A par disso, pode finalmente ser o Michael Jordan que a WNBA tanto aguardava. Para quem não sabe, a WNBA é a principal liga de basquetebol feminino americana e correlata à NBA. Todavia, ao contrário da NBA, a WNBA nem sempre foi uma liga expressiva e, quando os seus vídeos atingiam a ‘viralidade’ no YouTube, tinha mais a ver com a caricatura de momentos bizarros do que pelo valor da liga propriamente dito. Hoje, sob comando de Caitlin, a liga tem ganho o respeito e o acompanhamento atento de fãs e críticos de basquetebol.
Apesar deste aumento significativo de simpatizantes e receitas, acompanhar o aumento salarial das atletas parece não ser um processo tão linear. E quem é que não está contente com este fenómeno positivo? Só podem ser os homens, não é, esses sexistas, com agendas que pretendem arruinar a progressão das mulheres… Mas não! Afinal, são as próprias mulheres. Ah… Não estava à espera?
Curiosamente, as mulheres da liga, sejam as veteranas, as estrelas ou as rookies, têm tecido comentários de desdém, alimentando polémica atrás de polémica sobre Caitlin Clark. Em primeiro lugar, com a criação de uma rival. Até aí, tudo bem. Toda a jornada da heroína necessita de uma arqui-inimiga, ou de outro modo é a jornada da solitária. A rival selecionada já é uma velha conhecida de Clark, pois esta rivalidade já advém do período universitário, onde Angel Reese também se destacava. O que é curioso é que, apesar dos números bem menos expressivos de Angel Reese na WNBA, ela foi durante muito tempo levada ao colo pelas suas colegas de liga e analistas femininas como a grande revelação do ano enquanto rookie.
Em contraste, muitos homens (como o antigo All-Star Paul Pierce) têm destacado as qualidades de Caitlin, claramente superior em talento, e têm alegado que esta polémica só pode ser justificada pelo facto de Caitlin fugir ao arquétipo de atleta de elite que a liga procurava. O facto de Caitlin ser branca, heterossexual e aparentemente não dominante do ponto de vista atlético coloca-a numa posição de desvantagem perante as agendas ideológicas que se têm colado à liga como parasitas.
E porque é que esta história é particularmente interessante? Porque, normalmente, a tendência feminista é culpar os homens pelo menosprezo em relação ao mérito das mulheres e inclusivamente à diferença salarial. Contudo, esquecem-se de uma lei universal a qualquer negócio: o negócio aumenta o valor consoante a procura. Por isso é que a casa e pavilhão da equipa de Caitlin (Indiana Fever) tem atingido a lotação máxima, e os bilhetes da linha da frente passaram dos singelos 300 euros para 2000 euros. O mesmo ocorre quando Caitlin visita outras cidades. A própria cidade onde o clube de Caitlin joga (Indianapolis) vira azul ou vermelha (mediante a escolha do equipamento), ostentando o número 22 sempre que a equipa joga em casa. Esses foram os primeiros passos que a NBA deu após a grande revolução do franchising em termos de marketing e direitos de transmissão televisiva após a chegada de Michael Jordan.
Talvez as pessoas não saibam isto, mas, nos anos 80, antes da ascensão de Michael Jordan e da explosão de popularidade da NBA, os salários dos jogadores eram relativamente modestos em comparação com os padrões atuais. A liga estava a ganhar popularidade, mas ainda não tinha atingido o sucesso comercial global. Em 1984 (ano de entrada de Jordan na NBA), a média salarial na NBA era de cerca de 330.000 dólares por ano. Durante essa época, poucos jogadores ultrapassavam o milhão de dólares em salário anual, e as receitas televisivas e de merchandising estavam longe dos níveis que atingiriam nos anos 90. Com o surgimento de Michael Jordan como o principal jogador da liga e o impacto do “Dream Team” nas Olimpíadas de 1992, a NBA começou a ver um crescimento exponencial das suas receitas, refletido também nos salários dos jogadores. De 1992 a 1993 (pico da popularidade de Jordan), a média salarial na NBA era de cerca de 1,5 milhões de dólares por ano. De 1997 a 1998 (última época de Jordan com os Chicago Bulls), a média salarial subiu para cerca de 2,4 milhões de dólares por ano. Curiosamente, Michael Jordan tornou-se o jogador mais bem pago da história da NBA até então, com um contrato de 33 milhões de dólares numa única época (1997-1998), um número astronómico na época.
O marketing entrou em ação nesta fase. O sucesso de Jordan, aliado ao marketing da Nike, transformou-o num ícone global. A parceria com a Nike na criação da linha de ténis Air Jordan foi revolucionária e ajudou a NBA a ganhar notoriedade nos mercados internacionais. A NBA aproveitou o embalo e, numa jogada de mestre, juntou Jordan a outras estrelas, como Magic Johnson e Larry Bird, para expandir o seu apelo global. O Dream Team de 1992 foi uma das melhores jogadas de sempre, desportiva, de branding e marketing, pois ajudou a popularizar a NBA em todo o mundo.
Dessa forma, a liga negociou contratos cada vez mais lucrativos com as grandes redes de televisão, como a NBC, ESPN e TNT. Estes acordos aumentaram a exposição da liga e, ao mesmo tempo, geraram receitas substanciais. Além disso, com o crescente interesse global, as transmissões da NBA começaram a ser vendidas para mercados fora dos EUA, criando uma base de fãs global.
É desta forma que se faz negócio e se expande uma ideia, arte e paixão. É preciso criar histórias, mas proteger os talentos ao mesmo tempo. Toda a grande marca sabe escolher as suas lendas, tal como a FIFA fez com Messi. A polémica alimenta a jornada do herói, é um facto. Por isso, espero que a Caitlin, através da sua inteligência, mestria e elegância, consiga resistir às faltas flagrantes que lhe têm tentado aplicar.
Em suma, não é com bandeirinhas ideológicas que vão revolucionar um desporto, nomeadamente no seu aspeto salarial, mas sim apoiando, assistindo, comprando e fazendo parte do movimento. Não posso alegar que determinada marca é boa e que deveria ter mais cota de mercado devido ao seu cuidado ecossustentável, se continuar a comprar as tais Air Forces, as Smith ou as UP. Digo isto porque, no outro dia, uma mulher alegava um profundo diferencial de pagamento entre Caitlin Clark e James Harden (jogador da NBA). Todavia, apesar de saber onde jogava James Harden, revelava um profundo desconhecimento da posição de jogo de Caitlin, da sua equipa e do seu verdadeiro papel na liga. Na minha opinião, esta desonestidade ideológica é algo que também tem de mudar.
Por fim, acredito que seja difícil ser uma mulher talentosa e ver outra mulher chegar com ainda mais talento e jovialidade, devorando a liga e, potencialmente, os escassos recursos. Talvez seja uma posição incómoda, mas tudo na vida tem de dar os seus passos, sendo que a construção de uma marca e de uma posição leva sempre o seu tempo.