Querem saber como é que chegamos a um estado de obsolescência total? Leiam o artigo académico que Catherine Moury, Elisabetta de Giorgi e Pedro Pita Barros acabam de publicar na South European Society and Politics. Esta excelente contribuição deveria ser de leitura obrigatória para qualquer pessoa que analise a situação do país na pandemia porque a situação a que a máquina do Estado chegou explica a sua incapacidade de trabalhar face a um evento desta magnitude. No artigo, intitulado How to combine public spending with fiscal rigour? ‘Austerity by stealth’ in post-bailout Portugal (2015-2019), os autores combinam entrevistas com actores políticos com dados da OCDE e da União Europeia sobre a evolução das políticas públicas que nos permite ter uma ideia fiel de até onde o Governo do Dr. Costa, do Sr. César e do Doutor Centeno, nos levou. Vamos por partes.
- Os autores mostram que, em 2012, Vítor Gaspar fez um “enorme aumento de impostos”, de todos conhecido, de resto, e que, no fundamental, esses impostos foram mantidos. Apenas com uma pequena diferença. Durante a intervenção externa, os impostos eram recolhidos de forma clara e progressiva, isto é, directamente no rendimento dos Portugueses e de forma proporcional aos seus rendimentos. Com a entrada em cena do governo de “esquerda”, os impostos são agora cobrados indirectamente, tornado-se, naturalmente, mais regressivos.
- Para além da recolha de impostos, neste trabalho académico é demonstrado que os cortes no investimento público têm a sua origem no período entre 2010 e 2013. Foram feitos, portanto, durante o período da troika. O mais interessante, porém, é que o nível de investimento nos indicadores analisados (saúde, educação e investimento público) manteve-se (nominalmente) inalterado até 2019. Tendo-se mantido inalterado nominalmente até 2019, a subida do PIB graças ao turismo e às exportações (receituário económico que o PS rejeitava em 2015) faz com que, em termos reais, o investimento tenha caído ainda mais.
- O último aspecto que gostaria de salientar num trabalho académico riquíssimo tem que ver com saúde, área, de resto, tão importante nos dias que correm. Em 2012, o governo de Passos Coelho fez um corte 14.5 pontos percentuais em saúde, depois de Sócrates ter atingido o pico de gastos em saúde em 2010. Os cortes de Passos e da direita não são novidade para ninguém. Sabemos bem do espírito malévolo de quem pastoreou Portugal entre 2011 e 2015. O mais interessante é que, depois desse corte, o nível de investimento em saúde nunca mais subiu. Querem exemplos? Usando dados da União Europeia e da OCDE, fontes à prova de bala e de malabarismos estatísticos, os autores mostram que no tempo da troika havia cerca de 30.9 milhões de dívidas a fornecedores acumulados por mês no SNS, enquanto que, durante o governo Costa, esse valor subiu para 39.2 milhões. Isto parecerá pouco tangível ao Português médio, até porque é meramente uma medida de gestão. O que já será mais óbvio é a subida explosiva do tempo de espera por cirurgias tão bem documento neste trabalho. No período 2012-2015, um doente que necessitasse de um bypass esperava, em média, 1950 dias pela cirurgia. Entre 2016 e 2018, esse doente espera cerca de 2050 dias. Mais, um doente que necessite de uma histerectomia esperava 550 dias no tempo da troika, agora espera 700 dias. E os exemplos continuam, como o aumento dos copagamentos no governo Costa.
Este era o panorama do país no momento da chegada da pandemia. Um país mal preparado e que nunca recuperou de forma sustentada dos cortes feitos durante a intervenção externa. Houve néscios que acreditaram que as vacas voavam durante o milagre do Dr. Costa. Outros, como o camarada Jerónimo, queriam apenas assegurar que partes do seu eleitorado não perdia para sempre benefícios que haviam adquirido em tempos idos. Outros ainda, como o Doutor Louçã (ex-revolucionário e agora membro do Conselho de Estado e consultor do Banco de Portugal), grande economista português apesar de estar apenas em 87º lugar no ranking dos economistas Portugueses medido em termos de actividade científica, queriam apenas garantir que o seu partido não ia para o caixote do lixo da história, exauridas que estão as causas ditas fracturantes. O governo do Dr. Costa, e a sua elite, estava prestes a ficar sem futuro histórico. A bazuca europeia traz todo um novo élan e motivação para continuar a governar.