A minha primeira reacção à demissão de Marta Temida foi de pura surpresa e estupefacção. Não estava à espera. A normalização dos problemas da Saúde tem destas coisas. Ficamos de tal modo habituados a ouvir notícias sobre problemas graves nas urgências e no acesso a cuidados básicos que perdemos a sensibilidade e a capacidade de nos surpreender. Esta demissão é complexa e, em minha opinião, a substituição da ministra dificilmente anuncia amanhãs que cantam para a Saúde.

O consulado de Marta Temido à frente da Saúde fica indelevelmente marcado pela pandemia. Nas reacções à sua demissão, de resto, vemos muitas pessoas próximas da área do governo a agradecer a Temido o seu serviço à pátria durante um dos períodos mais difíceis da nossa democracia. Sejamos claros. A pandemia foi, sem qualquer dúvida, um dos momentos mais difíceis das últimas décadas e os governantes foram abnegados, pondo em risco a sua saúde física e mental e abdicando, na prática, da vida familiar durante os últimos anos. Enquanto nós, comuns cidadãos, “apenas” tínhamos que ficar em casa e esperar que a borrasca passasse, o governo teve de manter o país a funcionar e assegurar um esforço titânico para responder à crise sanitária, económica e social. Temido fez tudo o que conseguiu e chega, acredito, ao fim do mandato exausta física e psicologicamente. Todavia, não podemos confinar a nossa avaliação ao trabalho de Marta Temido durante a pandemia a uma espécie de agradecimento vagamente lamechas e acrítico apenas por ter permanecido no cargo. As perguntas difíceis são estas: num contrafactual, a Saúde em Portugal estaria melhor hoje se Marta Temida não tivesse sido Ministra da Saúde durante a pandemia e o pós-pandemia? Será que Marta Temida dever-se-ia ter demitido durante a pandemia, como muitos congéneres Europeus, quando percebeu que manifestamente não era capaz?

Nunca teremos a resposta a estas perguntas. No entanto, vale a pena olhar para o último relatório da OCDE “Health at a Glance” que compara Portugal aos restantes países mais desenvolvidos do mundo. Para além de qualquer efeito retórico ou bravata ideológica, os sistemas de saúde servem, acima de tudo, para aumentar o bem-estar das populações. Assim, os resultados produzidos pelos sistemas de saúde são uma das maneiras mais eficazes para media o seu bom funcionamento. Olhemos para dois indicadores. Em primeiro lugar, o relatório mostra-nos (página 40) que Portugal foi o 11º país da União Europeia com maior número de mortos por Covid entre Janeiro de 2020 e Outubro de 2021. Em segundo lugar, e mais importante, o relatório calcula (página 48) o excesso de mortalidade, isto é, o número de pessoas que morreu e que, na ausência de Covid-19, baseado nos números pré-2020, tinham uma expectativa de sobreviver. Aqui, as notícias são ainda mais tristes. Portugal é o 7º pior país da União Europeia, com 2000 mortos por milhão de habitantes. O relatório tem muito mais indicadores que dão uma imagem clara da falência do sistema de saúde em Portugal.

Ao contrário da propaganda do regime, propalada não só pelo governo, mas também co-adjuvada pelo Professor Marcelo, jornalistas amigos e demais agremiações que dependem da boa vontade do Dr. Costa para conseguirem sobreviver, o combate à pandemia em Portugal foi uma tragédia, como o relatório da OCDE bem atesta. Nem vale a pena falar sobre o pós-pandemia, com todas as consequências que vemos diariamente pela televisão. Infelizmente, a anestesia a que os Portugueses se auto condenaram nos últimos anos faz com que o eleitor médio seja muito pouco exigente com os políticos.

Não é por acaso que, ao contrário de outros países europeus, Portugal foi dos poucos cuja titular da área da saúde se manteve desde o primeiro dia da pandemia. Na Alemanha, na Áustria, na República Checa ou em Espanha, para dar apenas alguns exemplos, os ministros da saúde demitiram-se durante a pandemia, devido à exigência da opinião pública e aos maus resultados que iam apresentando. Em Portugal, pelo contrário, criou-se uma espécie de união nacional na qual quem se atrevesse a criticar Temido ou o governo era automaticamente apodado de antipatriota.

Termino este texto com uma última nota. A responsabilidade do caos na Saúde não é apenas da ministra agora cessante. Pelo contrário, a culpa principal é de António Costa. Em 2022, está a chegar a factura de um governo cujo único objectivo é garantir a sobrevivência da sua elite política, sem qualquer ideia para o país ou intenção reformista. A degradação dos serviços públicos é a face mais visível de um governo que está em gestão há 7 anos, fazendo os mínimos olímpicos para sobreviver. Os Portugueses preferem manter o poucochinho que têm do que arriscar a mudança e pensar que, talvez, daqui a uma década possamos estar num país com futuro. A área da Saúde é apenas um sintoma de um problema muito mais vasto.

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