Raros foram os momentos, nos últimos anos, em que pudemos assistir a uma agremiação da direita portuguesa ao redor de uma causa sólida e universalmente percetível. Raros foram os momentos, nos últimos anos, em que pudemos assistir a um Governo de direita em Portugal.
O dia 10 de novembro não se conformou com o esquecimento que subjaz a referida tradição, resolvendo juntar a assinatura de 54 personalidades num abaixo-assinado que defende clareza na separação entre a direita moderada e a iliberal; um abismo higiénico entre o “não-socialismo” e as derivas autoritárias. A mensagem é, de facto, clara. E a altura em que esta nos chega ensurdecedoramente clara o é.
Por um lado, nada haveria a apontar ao abaixo assinado, não fosse o seu sentido de oportunidade. Por outro, nada haveria para apontar, não fosse, de igual forma, o timing. Naturalmente, que estas 54 ilustres figuras, muitas das quais admiro e sigo politicamente, dificilmente militariam, de forma concomitante, no lado errado da história. Mas admirar é, também, ter a liberdade de discordar: no dia 10 de novembro, a direita moderada, conservadora e liberal deu um tiro no próprio pé.
Primeiro, é de realçar que este tiro deixará bem quente o chão para quem queira por perto dançar. A campanha acusatória do espaço socialista e da esquerda radical já começou e tão cedo não se saciará. A todos aqueles que ocupam uma posição de destaque na direita moderada portuguesa – aquela moderação que, para os honestos, não suscita dúvidas –, e que optaram por não se imiscuir no abaixo-assinado, ser-lhes-á atirada uma arma de arremesso assaz simples: “por que motivo não tinham, então, assinado?”. O já tão pródigo termo “fascista” expandirá a sua ação venéfica no debate político nacional.
Segundo, representa um atropelo a Rui Rio, finalmente acordado para o papel de líder da oposição e respetiva responsabilidade na construção de uma alternativa ao socialismo que nos (des)governa. O líder do PSD encontra-se a sofrer as consequências da sua docilidade para com o mando de António Costa. Sistematicamente apelando a um centrão que já não existe, a um eleitorado que não é (nem nunca será) seu, Rio estendeu o tapete para que um espaço orgânico da direita fosse batizado pela extrema-esquerda como “extremado”.
E que espaço é esse? Um entendimento, balizado por princípios invioláveis, que inclua parcialmente um partido como o Chega. Um entendimento inoculado de acordos latos a nível nacional (e assim vai sendo apresentado). Se a disparatada verbomania xenófoba de André Ventura me indigna? Sem dúvida! Se as tiradas inflamadas de Ascenso Simões o fazem também? Pois claro! Embaraça, igualmente, ver ainda no Parlamento personagens como Hortense Martins. No entanto, uma coisa é certa, o Chega é o maior trunfo político da esquerda desde a “austeridade”, o escudo para evitar qualquer espécie de Governo à direita, pelo que é imprescindível que o PSD não caia na esparrela: António Costa arrumou com o tabuleiro de damas que fora a política nacional até 2015, pousando sobre a mesa um tabuleiro de xadrez. É hora de o PSD escolher a cor, e jogar.
Terceiro, urge à direita libertar-se da imagem de cão a tentar morder a própria cauda. No dia em que o PCP vota contra, novamente, o voto de congratulação pela queda do muro de Berlim, o que resolve a direita portuguesa fazer? Unir-se para repreender uma alternativa de Governo, da sua esfera política, nos Açores. Quatro dias depois do PCP e BE festejarem nas suas redes sociais a celebração dos 103 anos da sangrenta, catastrófica Revolução de Outubro, o que resolve a direita portuguesa fazer? Unir-se para repreender uma alternativa de Governo, da sua esfera política, nos Açores. País tão dominado este, que leva alguma direita a sentir-se na obrigação de assinalar virtudes para que não se sinta monstruosa aos olhos da esquerda.
A direita portuguesa não tem, por mais anémica que se encontre, de se justificar perante presumíveis vitórias. Rui Rio não tem de justificar, vezes sem conta, que não está a dar palco a neonazis. A direita portuguesa deve, isso sim, uma explicação aos portugueses. Aos portugueses que apenas conseguiu governar por breves períodos de tempo nos últimos 20 anos. Aos portugueses que vivem nos Açores, região mais pobre e com menor distribuição de riqueza do país, dominada pelo socialismo há 24 anos.
A coligação de direita deve provar que apresenta uma solução estável para a região, capaz de a desenvolver, pois só assim a própria será legítima. Se tal não acontecer, cá estaremos a exigir, brevemente, explicações. Até lá, justifiquem-se as derrotas, não as vitórias.