Da primeira vez em que os restaurantes pediram certificado de vacinação, houve um restaurante que mo pediu. Informei a funcionária que, embora vacinado, não tinha certificado. Ela informou-me que era fácil consegui-lo, já que bastava descarregar uma “app”. Informei-a de que sabia disso, e que não tinha a “app” nem o certificado por achar grotesco exibir um comprovativo sanitário a estranhos. Ela soltou um “Ah…” e ficou a olhar para mim. Eu virei costas a um lugar que frequentava com alguma assiduidade. Acho que cada estabelecimento devia possuir o direito de vedar a entrada a não certificados, não vacinados, chineses, transsexuais, crianças, budistas ou à pandilha que entendesse. E eu possuo o direito de não pôr os pés em estabelecimentos assim – durante e após a vigência de qualquer decisão tomada por imbecis, para imbecis acatarem.

Na quarta-feira passada e sem grande alarido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enterrou o sacrossanto certificado e liquidou à paulada o que restava da credibilidade das vacinas. Citando os jornais, “a OMS atribuiu o aumento de contágios na Europa com o coronavírus à ‘falsa sensação de segurança’ transmitida pelas vacinas”, as quais, “ao prevenirem a doença grave e a morte”, “não previnem por completo a transmissão”. A OMS acrescentou “a importância de se manter medidas de proteção, como o uso de máscaras, a distância física e a ventilação de espaços fechados”.

Se as vacinas não servem para dispensar as “medidas de protecção”, servem para quê? Para evitar a doença grave e a morte. Então as vacinas permitem que levemos uma vida normal? Não permitem. Porquê? Porque continuará a haver casos e mortes ocasionais “de” e “com” Covid. Mas casos e mortes ocasionais havia em resultado da gripe comum, não era? Era, mas a Covid não é uma gripe comum. Porquê? Porque a OMS o diz e porque os telejornais nunca abriram com o número diário de infectados com gripe. Então a histeria da Covid vai durar para sempre? No que depender da OMS, aparentemente sim.

E no que depender de certos governos, aparentemente também. Na quinta-feira, o nosso governo, que Deus o guarde, assumiu às claras o negacionismo e anunciou o regresso a restrições, repressões e discriminações piores que as de há um ano num país cuja população entretanto se vacinou quase na totalidade. Absurdo? Sensato, repetem os acólitos do governo, hoje derramados por diversos partidos, funções e especialidades. Infelizmente, fora das televisões e colunas avençadas, nenhuma das “medidas” do dr. Costa resiste ao escrutínio da racionalidade: para alegria desse homem simples, nenhuma sofre escrutínio nenhum.

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Apagam-se da história a “imunidade de grupo”, a “vitória sobre o vírus”, a “guerra” do vice-almirante, a “libertação”. Voltam os certificados para restaurantes (para distinguir os 98% de vacinados dos dez moços que não o foram), voltam as máscaras obrigatórias (para provar que o certificado é irrelevante), volta a lengalenga do Natal (“salvo” à custa de testes sem validade noutras situações) e volta a testagem aos turistas (se vierem de avião: por terra não há teste nem problema). Os catraios caminham para as primeiras doses da vacina para uma doença de que não padecem para impedir contágios, que a vacina não impede, a adultos que a vacina, em geral, impede de adoecerem. Os velhinhos vão na terceira dose. E não tarda a população em peso será alertada para o carácter decisivo da quarta, da quinta e da décima oitava doses. E nada mudará nada, dado que – repitam comigo – a vacina não “previne por completo a transmissão”. A ideia, pelos vistos, é andarmos até ao fim dos tempos a alternar entre estados de emergência e estados de calamidade. Até ao fim dos tempos ou até que, reduzidos à inevitável miséria, os cidadãos percebam o que são emergências e calamidades a sério.

O mais insultuoso disto tudo é que as vacinas, pelo menos parcialmente, parecem funcionar. O que não funciona são as cabeças dos indivíduos incapazes de admitir o relativo sucesso das vacinas e tirar as ilações óbvias: “esquecer” a Covid, suspender loucuras e retornar a uma existência decente. A decência é uma ilusão, as loucuras são imparáveis. E são estes senhores, alguns no poder ou a roçar-se nele, que dizem seguir a ciência. A ciência jamais se viu tão invocada por mentecaptos, ou por oportunistas disfarçados de mentecaptos.

Experimentem argumentar com um. Pensando bem, não experimentem: é escusado e deprimente. Na melhor das hipóteses, o sujeito lembrará que, mesmo com a ajuda das vacinas, continua a morrer-se por causa da Covid. Descontando a leviandade com que se culpa a Covid por falecimentos sortidos, é verdade. E depois? Com e sem Covid, sempre se morreu e sempre se morrerá. As pessoas morrem. Aliás, é particularmente cruel que os media “lamentem” diariamente as 10 ou 20 pessoas que a Covid talvez mate e desprezem os restantes 300 e tal portugueses mortos no mesmo dia por outras chatices. É porque a Covid é uma doença infecciosa? Houve doenças infecciosas com mortalidade idêntica ou superior à Covid sem que se decretasse o Apocaplise ou sobrasse delas grande rasto. A “espanhola” do pós-Grande Guerra. As gripes asiáticas de 1958 e de 1968/69. A própria Sida. E se comparar as restrições da Covid aos guetos judaicos é um exagero desagradável, transformar a Covid num fenómeno inédito e num assunto totalitário é exagero maior e mais perigoso.

Dizia o actor Morgan Freeman que para acabar com o racismo basta não se falar dele. Desgraçadamente, falar da Covid é aquilo que muitos não param de fazer. Incluindo eu. A diferença é que o faço por cansaço, e muitos fazem-no por interesse. Ou interesses, todos indignos de respeito e de obediência.