Cinquenta anos depois do 25 de Abril de 1974 e as sucessivas eleições que tiveram lugar desde então até hoje, a composição do parlamento votado há dias teve um resultado absolutamente inédito que mostra quanto a natureza da população eleitora se foi alterando desde as primeiras votações partidárias. Esta enorme alteração deve-se fundamentalmente ao volume considerável de deputados eleitos pelo partido CHEGA (50/230), o qual ficou a seguir aos dois partidos estabelecidos ao longo do tempo mas com a capacidade de apoiar sozinho um ou outro dos dois candidatos tradicionais.
A maior novidade resultante do actual processo eleitoral foi, efectivamente, a redução significativa dos deputados eleitos pelos dois maiores partidos tradicionais: aqueles que designarei como «conservadores» (80 deputados em 230) e os «socialistas» (78), pois é disso que se tem tratado desde as primeiras eleições. Tais partidos emergiram antes ou imediatamente após a liberalização do regime ditatorial, tendo surgido a partir de 1976 um número significativo de deputados do final do regime de Marcelo Caetano, como por exemplo Mota Amaral, ou membros da Câmara Corporativa como os falecidos Freitas Ferraz ou a futura primeira-ministra Lurdes Pintasilgo… O passado fala por si 50 anos depois!
Em compensação, a maioria dos candidatos que se apresentaram nas primeiras eleições surgidas após o 25 de Abril deram lugar ao Partido socialista, fundado no estrangeiro pelo refugiado Mário Soares um ano antes da queda do regime marcelista. Simultaneamente, surgiram e desapareceram uma quantidade de pequenos partidos oriundos da implantação da democracia. Estes, contudo, não têm deixado de vir a perder representantes ao longo do tempo, como é o caso do PCP e de outras organizações menores, as quais continuam a ter dificuldade em se implantar devido, desde logo, à crescente queda da proporcionalidade do sistema eleitoral imposta pelos dois grandes blocos existentes até há pouco.
Por seu turno, o surgimento crescente do CHEGA resulta manifestamente da profunda agitação interna e externa de inúmeros países, entre os quais os da União Europeia, nomeadamente perante a abertura de combates militares como o ataque da Rússia à Ucrânia e dos movimentos terroristas árabes que atacaram Israel.
Na realidade, se é certo que a crise financeira tem sido em boa medida provocada por essas guerras, não é menos exacto que há bastante tempo que os sucessivos governos socialistas, desde o fim do século passado até hoje (Guterres, Sócrates e Costa), não só desbarataram em larga medida as dádivas financeiras da UE como fizeram crescer os custos sócio-económicos da adesão à moeda única, pressionando cada vez mais a sobrevivência de países como Portugal desde o século XXI. O próprio financiamento europeu de países como Portugal só fazem aumentar a inflação e a dívida!
Os prolongados governos socialistas prosseguidos no século XXI foram um duplo desastre sócio-económico e, como é conhecido, se bem que sem resolução jurídica, o surgimento de inúmeros agentes políticos acusados pela lei. Na maioria dos casos, esses agentes têm ficado sem julgamento e de forma geral sem condenação como no caso de Sócrates. É esta, sem sombra de dúvida, a causa da retracção de votos tanto do partido socialista como da própria «Aliança Democrática» conservadora em favor do CHEGA.
Quanto a este novo partido, conseguiu actualmente obter uma representação parlamentar de 50 deputados que nunca havia alcançado anteriormente, afastando inclusivamente candidatos socialistas com altos cargos. Por ora, do ponto de vista propriamente parlamentar, o CHEGA tem-se mantido na rectaguarda de qualquer mudança ideológica e partidária de peso.
Ainda há dias, numa longa entrevista facultada por um canal de televisão privado aliado ao PS recém relegado do poder, o jornalista permitiu que o novo leader socialista se apresentasse como tendo um peso parlamentar superior à AD devido aos seus mini-partidos próximos (apenas 14 deputados distribuídos por 4 partidos), enquanto a Aliança Democrática (AD), detentora em princípio o poder parlamentar com 80 deputados, poderia chamar a si pontualmente os 50 deputados do CHEGA além dos 8 da Iniciativa Liberal…
É com essa última perspectiva que os eleitores se confrontam quando o CHEGA se ofereceu publicamente para dar um apoio eventual à AD de forma a esta sustentar a primazia parlamentar do seu programa. À hora a que escrevo, a AD ainda não respondeu à proposta do CHEGA perante a imediata ameaça de o parido mais votado ser derrubado pelo PS e «compinchas». É certo que o líder da AD se recusou firmemente a qualquer contacto partidário com o CHEGA antes da votação, mas será que isso significa que o partido conservador – chamemos-lhe assim – se renderá sem luta ao PS recém derrotado?
Resta-nos a todos pesar uma decisão a respeito da proposta do CHEGA se houver vontade política por parte do PSD-CDS de ponderar as causas e consequências da longa crise provocada, única e exclusivamente, pelos oito anos de dominação socialista com os terríveis resultados que se sabe. Para não voltar a falar da forma como o anterior primeiro-ministro foi forçado a demitir-se!