Desde a substituição de Joe Biden por Kamala Harris, a campanha presidencial de Trump parece francamente desorientada. Desde logo por continuar a dedicar demasiado tempo a Biden, mas também pelo enfoque numa sucessão de ataques pessoais contra Kamala Harris que só tenderão a beneficiar a candidata Democrata. Da mesma forma que os processos judiciais lançados contra Trump ajudaram à sua vitimização e foram muito provavelmente uma ajuda decisiva para derrotar Ron DeSantis nas primárias do Partido Republicano (os mais cínicos dirão mesmo que foi esse o objetivo principal da ofensiva judicial), os repetidos ataques pessoais contra Kamala facilitam também um processo de vitimização com amplo potencial eleitoral para os Democratas, em especial junto do eleitorado feminino.

Alguns desses ataques são simplesmente absurdos, como as acusações ou sugestões de que Kamala Harris não é “verdadeiramente” ou “suficientemente” negra. Com um pai de origem jamaicana e uma mãe de origem indiana, Kamala tem, como muitos milhões de eleitores nos EUA, origens multirraciais. Uma característica que aliás partilha também com os filhos do candidato Republicano a Vice-Presidente JD Vance, casado com Usha Chilukuri, de origem indiana (para desespero de alguns felizmente ultra-minoritários verdadeiros racistas, que são incapazes de o apoiar por essa razão).

Como é igualmente absurdo continuar a dedicar tanto tempo e atenção a atacar Biden ao mesmo tempo que se alega que Kamala beneficiou de um alegado golpe interno no Partido Democrata e é uma candidata ilegítima. Quem passou os últimos anos — como Trump fez e bem — a denunciar que Biden não reunia condições para exercer o cargo de Presidente dos EUA (e portanto menos ainda para ser candidato a um segundo mandato), não pode agora vir lamentar não ser esse mesmo Biden o candidato.

A desorientação tem sido tão notória que a campanha de Trump parece ter sido apanhada de surpresa pela substituição de Biden por Kamala. Uma surpresa que é estranha dado o estado de Biden, que a própria campanha de Trump repetidamente denunciou. É como se a máquina de Trump estivesse montada e afinada para enfrentar Biden e ainda não tenha conseguido ajustar-se ao novo cenário.

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Para recuperar uma dinâmica favorável de campanha, Trump precisa de rapidamente deixar de se focar em Biden e de reduzir drasticamente os ataques pessoais contra Kamala Harris, focando-se nas diferenças políticas entre os dois e na falta de escrutínio crítico à candidata presidencial Democrata. Como bem explicou Peter Navarro“He needs votes, and the current rally formula is simply not sufficiently focused on the very stark policy differences — policy differences — between him and Kamala Harris that will swing voters in key battleground states (…) Instead, when Trump attacks Harris personally rather than on policy, Harris’s support among swing voters rises, particularly among women.

Kamala Harris é uma candidata com muitas fragilidades — desde o seu radicalismo woke até ao facto de ter sido uma das Vice-Presidentes mais impopulares da história dos EUA — mas não será através de ataques e insultos pessoais que Trump as conseguirá explorar. Se desejam realmente ter hipóteses de vencer em Novembro, os Republicanos precisam de se focar nas alternativas políticas que oferecem e no contraste com os Democratas em áreas como o combate à criminalidade, a imigração, a reabilitação urbana das grandes cidades, a educação, a economia e a política externa. Precisam também de insistir na absoluta necessidade de sujeitar Kamala Harris a maior escrutínio, como tem feito já por algumas vezes JD Vance assinalando que a candidata Democrata foge sistematicamente a expor-se em entrevistas que a possam obrigar a explicar as suas posições.

O regresso de Trump ao X e a conversa com Elon Musk são dois sinais de que a sua campanha está consciente das dificuldades que atravessa e da necessidade de fazer alguma coisa para inverter a tendência favorável aos Democratas, procurando recuperar alguma da dinâmica dos dias seguintes ao atentado que teve o candidato Republicano como alvo. Mas mesmo na (muito amigável) conversa com Musk, Trump não pareceu muito interessado em aproveitar a oportunidade para ajustar o rumo da sua campanha. Estando perante alguém — como é o caso de Elon Musk — que declarou ter apoiado Obama no passado e ter sido levado a apoiar Trump pela sua perceção de radicalização extrema do Partido Democrata, Trump teria todo o interesse em explorar essa linha argumentativa. Como deveria ter tido interesse em aproveitar as deixas de Musk para delinear políticas consistentes e racionais de controlo da imigração e de contenção da despesa pública nos EUA. No entanto, e não obstante o contexto amigável, Trump optou por não se comprometer com políticas concretas nesse sentido, repetindo antes slogans eleitorais e reforçando os insultos pessoais contra Biden e Kamala.

Com dois candidatos impopulares como são Trump e Kamala e com os media genericamente predispostos a dar um tratamento bem mais favorável à campanha Democrata, os Republicanos precisam de ajustar a sua estratégia — e de o fazer rapidamente.

Uma nota final para o Comissário Europeu Thierry Breton, que achou por bem chantagear publicamente Elon Musk por causa da emissão de uma conversa com um candidato à presidência dos EUA, confirmando que a UE vai neste momento por um caminho muito perigoso. Estiveram muito bem nas suas reacções os deputados nacionais da IL Bernardo Blanco e Mário Amorim Lopes. Sendo Thierry Breton um membro independente do Partido ALDE (o mesmo da IL), resta esperar que os eurodeputados eleitos pela IL — João Cotrim Figueiredo e Ana Martins — saibam igualmente reagir em conformidade e honrar o legado liberal de defesa da liberdade de expressão contra as crescentes ameaças censórias do poder político e das burocracias da UE.