Cheira a pântano. A governação socialista acumula erros e falhas, está em decadência acelerada. É cada vez mais contestada, cada vez menos consistente internamente, cada vez mais fechada sobre si própria (o que, por exemplo, se observou na última remodelação: já não recruta de fora, promove assessores a secretários de Estado). Na teoria, os seus dias deveriam estar contados. Contudo, as sondagens apontam para uma espécie de bloqueio: apesar de todas as suas falhas, as intenções de voto no PS mantêm-se estáveis, o que paralelamente significa que a alternativa liderada pelo PSD não consegue cativar além do núcleo duro dos seus eleitores. Eis o problema: uma democracia sem horizonte de alternância de poder é como água que não flui — estagna, apodrece. Torna-se num pântano.

À direita, isto lança duas questões. A primeira é perceber-se o porquê de não haver adesão popular ao discurso e às propostas do PSD e do bloco de partidos à sua direita. Ora, só o facto de colocarmos a questão leva-nos a parte da resposta: mas que propostas são essas? Eu, sinceramente, não as sei identificar. Atenção, não se trata de desconsiderar algumas boas iniciativas que existem sectorialmente, resultado do bom trabalho de deputados ou gabinetes de estudo. A questão é de horizonte estratégico: não se sabe que rumo e que valores defende a direita partidária que lhe permitisse apresentar uma opção alternativa de governação, tal como não se conhece uma visão de futuro que os seus partidos ofereçam à população portuguesa — isto, claro, que não seja a mera remoção dos socialistas do poder.

Pela sua dimensão e peso histórico, a responsabilidade de ser o motor dessa alternativa repousa nos ombros do PSD. É o que é: não haverá governo alternativo ao PS sem a liderança do PSD. Mas o partido tem-se embrulhado em aproximações aos socialistas, tornando-se indistinguível em demasiados temas. À sua volta, ninguém poderia agarrar o lugar vazio. A Iniciativa Liberal tem algumas ideias interessantes mas, como partido recém-nascido, falta-lhe consistência. O CDS-PP está perdido no seu labirinto. O Chega envenena o debate público com as piores soluções para os actuais desafios sociais. No curto prazo, eis um beco sem saída.

A segunda questão que a chegada do pântano coloca é a das lideranças. Da mesma forma que a geringonça só foi possível porque António Costa liderava o PS, qualquer projecto de governação à direita carece de uma figura política agregadora, capaz de transmitir às pessoas confiança num novo rumo. Rui Rio já demonstrou não ser esse líder. E nenhuma outra figura do presente do PSD, ou à direita entre os restantes partidos, aparenta ter o que é preciso para comandar uma federação partidária e mobilizar o eleitorado desse espaço político. Ou seja, se é certo que não será Rui Rio a levar essa missão a bom porto, é incerto quem possa fazê-lo. Eis um outro beco sem saída.

O futuro da direita voltou a ser tema com a Convenção do MEL, na qual a deputada Cecília Meireles argumentou que “a direita tem de sair muito rapidamente do divã e começar a discutir o país”. Tem razão. Mas, receio, discutir o país e definir um rumo será apenas lidar com a primeira questão — a do discurso. Ora, a segunda questão é possivelmente ainda mais importante: sem liderança agregadora, não haverá quem queira ouvir o discurso e, portanto, não haverá caminho para o poder. Naturalmente, esta segunda questão extravasa o âmbito do evento do MEL, que já teve o mérito de agitar algumas ideias (e em que também participei). Mas que ninguém tenha ilusões: o futuro próximo da direita (e do pântano político nacional) decidir-se-á em Janeiro de 2022 — nas eleições internas do PSD.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR