A direita democrática, moderada, pragmática e útil aos portugueses é uma nêspera. A outra é um kunami. Comecemos por esta última, para crescermos em importância.
Há uns anos os Gato Fedorento fizeram uma rábula inesquecível passada num mercado. Aí, um vendedor de fruta, perante um cliente insatisfeito e estupefacto com as explicações, insistia que as ameixas podres que lhe tinha vendido eram na verdade kunami, e que eram óptimos. Hoje, em Portugal, há uma nova direita e uma direita nova que está para o país e para os seus desafios urgentes, e para os portugueses e para as suas necessidades reais, como o kunami está para a ameixa: velha e podre.
Portugal foi governado pelo PS em 18 dos últimos 25 anos. Em quatro dos sete que o PSD e o CDS governaram, o país cumpriu um memorando de entendimento negociado pelo PS do Sr. Sócrates, depois deste ter conduzido o país à bancarrota duplicando o total da dívida pública em apenas sete anos. Sobre a situação actual do país, graças aos socialismos que nos têm governado, e comparando com os restantes países da zona euro, o retrato está feito aqui.
Óptima oportunidade, portanto, para a direita, agregando todo o espaço não socialista, apresentar uma visão de futuro, construtiva, reformista e aspiracional, certo? Errado. O que esta direita kunami faz é propor-se derrubar o Sistema e fundar a IV República, introduzir a castração química no sistema penal, segregar ciganos, mostrar-se complacente com Orban, e construir um discurso reactivo, reacionário e rancoroso. Ser a anti-esquerda. Alimentando-se do medo, que estimula, e fomentando a polarização extremada e moralista, que representa. É combate cultural o que quer, não propostas de governo. Romper, destruir e dividir é próprio deste combate. Sintetizar, moderar e alinhar é próprio do governo de que o país necessita.
Nestes tempos em que a esquerda radical e a direita kunami, gémeos siameses filhos das ideologias, estão tão empenhadas em destruir a ordem democrata e liberal, onde fica e com quem fica a sua defesa? Quem defende a separação dos poderes, a comunicação social livre, a sociedade civil forte e independente do Estado, os corpos intermédios competentes e activos? A mitigação dos poderes? Os checks and balances? As liberdades políticas, na boa tradição de a cada um o direito de procurar a sua felicidade e fazer as suas escolhas livremente em função disso?
Sobre Portugal no Mundo, quem é que defende o Atlântico? Quem é que pergunta à geringonça se está disposta a contribuir com respostas úteis aos desafios que a velha aliança atlântica tem pela frente? Quem é que tem um discurso de participação indiscutível e responsável no processo de construção de uma Europa de Nações? Com uma posição que vá além da pedinchice mendicante e incongruente, que grita soberania para consumo interno, e mutualização da dívida e verbas a fundo perdido para uso externo e consumo também interno. Quem é que defende a língua portuguesa e a lusofonia, na sua máxima expressão e potencial? Na defesa da Cultura, mas também no aproveitamento dos seus mercados.
Na vida dos cidadãos, quem é que faz a defesa da mobilidade social ascendente – o tal elevador social – para todos, independentemente dos seus lugares de origem? Quem é que dá aso e defende as aspirações das pessoas e das famílias? Quem é que defende a Economia Social de Mercado, essa herança inalienável da Democracia-Cristã europeia? Com a protecção dos mais vulneráveis, mas de forma indissociável da liberdade económica e do mercado aberto.
E isto como? Com políticas reformistas. Na fiscalidade; mais simples e menos penalizadora. Na saúde; com a defesa do serviço nacional de saúde, seguramente, mas inserido num sistema nacional de saúde, mais abrangente, eficaz e eficiente, onde as complementaridades com o sector privado e social estejam ao serviço da sociedade. Sem complexos ideológicos. Na justiça; porque não é possível proteger os cidadãos e as empresas sem um sistema de justiça célere. Porque para lá da protecção dos direitos, não há promoção do crescimento económico e do investimento sem um sistema de justiça eficaz, peça essencial da confiança. Na Educação; com mais livre escolha, com mais complementaridade também, com mais avaliação, mais eficiência e menos ideologia. Na Economia; com menos Estado e melhor Estado, menos burocracia, maior facilidade na criação de empresas, e menos oneração da iniciativa. No mundo do trabalho; com respostas mais flexíveis e actuais aos enormes desafios que o presente já lhe coloca e que o futuro colocará mais veementemente.
Onde anda, nos partidos, quem defenda isto com o mesmo empenho com que mergulha na espuma dos dias?
Este deveria ser o mantra de uma direita democrática, moderada, pragmática e útil aos portugueses. Mas esta tem optado por ser uma nêspera. E porquê uma nêspera, pergunta o leitor. Porque me lembrei de Mário Henrique Leiria, nos seus Contos do Gin Tónico. Era uma vez uma nêspera, [que] estava na cama, deitada, muito calada, a ver o que acontecia, chegou a Velha e disse, olha uma nêspera, e zás comeu-a. É o que acontece às nêsperas, que ficam deitadas, caladas, a esperar o que acontece.
Post scriptum – Há quem me diga, contrariando, que os resultados do CDS nas últimas eleições demonstram o contrário, imputando os 4% de Assunção Cristas a este caminho que aqui defendo. Isso poderá ser outro artigo, mas será difícil entender que o CDS de 2019, justa ou injustamente entretido com passadeiras, VOX, casas de banho e outros assuntos semelhantes, possa sequer ser exemplo do que aqui defendo; pelo contrário, esse trajecto só o confirma. Mas repito, isso poderá ser assunto para outro artigo.