Passei uns dias de férias em Londres, onde vivi alguns anos. Aproveitei para desligar da política nacional e internacional, mas não conseguir evitar voltar a ligar-me à política britânica. Apesar das diferenças algo se pode retirar dela para a Europa em geral e para Portugal em particular, que os populistas são bons nos slogans mas maus nos resultados. Veja-se as promessas por cumprir quanto à saída da Grã-Bretanha da União Europeia (UE) em termos de crescimento económico ou controlo da imigração.
Recuperar controlo?
O meu canto de Londres continua, felizmente, igual em muitos aspetos de que gosto, dos museus a mercearias, de cinemas a livrarias, sem esquecer o bom e barato restaurante japonês, A Lebre e a Tartaruga. Nas Docklands e noutras zonas junto ao rio Tamisa os arranha-céus não param de crescer, mas este crescimento não chega para disfarçar o crescimento anémico da economia britânica desde 2016, sempre abaixo da zona euro, próxima do zero em 2023. Em suma, a Londres pós-Brexit continua a ser um enorme polo de atração para turistas, bilionários e para imigrantes.
Os números de imigração em 2022 tiveram mesmo de ser revistos em alta, passando de 606.000 para 745.000. Até junho de 2023 o número estimado de imigrantes já ia em 672.000. Nunca na história britânica os números foram tão elevados! Com a Grã-Bretanha dentro da União Europeia por regra ficavam aquém dos 200.000, triplicaram depois de Boris Johnson “assumir o controlo”. Recordo que a promessa com que Boris Johnson ganhou as eleições de 2019 foi Get Brexit Done. Grandes slogans, mas na prática, o Brexit, com o fim da livre circulação para a Grã-Bretanha de países europeus mais pobres, redizu o número de imigrantes europeus, mas criou no mercado britânico um grave problema de escassez de trabalhadores em setores vitais – saúde, lares, turismo, e resultou no crescimento exponencial do número de imigrantes, sobretudo de fora da Europa.
Desesperados por recuperar o controlo da agenda política, os Conservadores, no seu quinto líder desde 2016, apostaram num esquema bizarro de deportação de imigrantes ilegais para o Ruanda, rejeitado pelo Supremo Tribunal britânico. Depois disso, o governo de Rishi Sunak, um filho de imigrantes, alterou alguns aspetos do acordo com o Ruanda, mas ainda não conseguiu começar a executá-lo. Este esquema, além de elevados custos financeiros e reputacionais, parece pouco mais do que uma manobra de diversão, pois grande parte destas centenas de milhares de imigrantes são trabalhadores legais – inclusive portugueses – que respondem a necessidades laborais que não encontram outra solução.
O regresso dos Trabalhistas moderados
As sondagens dão consistentemente uma grande vantagem, de mais de 15 pontos percentuais, ao Partido Trabalhista. As sondagens também mostram que uma clara maioria dos britânicos consideram que a saída da União Europeia foi um erro custoso.
Quer isto dizer que Sir Keir Starmer o líder do Partido Trabalhista tem vitória garantida? Não. As eleições britânicas têm de ter lugar até janeiro de 2025, e o mais provável é que decorram na segunda metade de 2024, uma eternidade em política. No entanto, para já não vejo sinais de que os Conservadores britânicos estejam a recuperar a credibilidade ou a coesão necessária para vencerem. E é claro que o moderado Starmer tornou os Trabalhistas novamente competitivos, voltando ao centro-esquerda, que foi sendo abandonado depois de Tony Blair. A opção de tentar transformar Labour num partido de esquerda cada vez mais radical teve resultados eleitorais desastrosos, em especial com o extremista Jeremy Corbyn, que nunca viu um ditador antiamericano de que não gostasse. A dúvida parece ser a amplitude da vitória dos Trabalhistas.
A confirmar-se a vitória de Starmer, isso significará uma rápida e fácil reaproximação à União Europeia? Dificilmente. Parece duvidoso que um Primeiro-Ministro Starmer investisse o seu capital político em negociações complexas para alterar profundamente a relação com Bruxelas. O divórcio foi doloroso e custoso para os dois lados, não há grande vontade de revisitar o assunto. Mas, provavelmente, haverá maior disposição para cooperar, sobretudo se Trump regressar à Casa Branca, assustando igualmente Londres e outras capitais europeias.
Um grande ano eleitoral
Do que podemos ter a certeza é que 2024 será um grande ano eleitoral. Não teremos eleições apenas na Grã-Bretanha ou em Portugal. Será um ano com um número recorde de eleições, mais de 70 a nível global. Elas envolverão mais de metade da população global. Elas afetarão países fundamentais, desde a mais poderosa das democracias liberais, os EUA, até à mais populosa, a Índia. Também teremos eleições na Rússia, no México, na Venezuela, sem esquecer Taiwan daqui a poucos dias, bem como para o Parlamento Europeu em junho.
Há aqui um paradoxo: a democracia pluralista e liberal não está ameaçada por extremistas de esquerda e direita? Sim, os ataques iliberais estão bem documentos, por exemplo, nos relatórios anuais da Freedom House, com a proliferação de fraudes eleitorais, golpes de Estado e outras restrições das liberdades, inclusive de voto. Mas hoje em dia, politicamente, toda a gente tem de parecer democrática. Mesmo autocratas, como Putin ou Maduro, têm de dar-se ao trabalho de tentar criar uma fachada de apoio popular. Será isso um sinal da força última das democracias ou da facilidade com que são manipuladas, esvaziadas e destruídas a partir de dentro? O ano de 2024 será um grande teste a esta questão decisiva.