Resistamos à chuva de acusações mediáticas e chamemos a atenção para a recente entrevista do primeiro-ministro («Expresso», 28 de Fevereiro passado). O silêncio da comunicação social e dos comentadores é tanto mais surpreendente quanto é raro que Passos Coelho dê longas entrevistas ou faça discursos à nação como é costume dos chefes do governo abusarem. Ora, acontece que esta entrevista de um primeiro-ministro parcimonioso como ele fornece respostas muito claras, incluindo os «nãos», sobre os problemas mais importantes que o país enfrentou desde 2011 e os que irá enfrentar a seguir às próximas eleições.

Como tal, seria normal que estivéssemos todos a discutir a entrevista – a começar pelo líder da oposição, tanto mais que está fora do parlamento – mas a normalidade não é apreciada. Atrevo-me contudo a falar dela. A atitude dos entrevistadores liderados por Ricardo Costa é abertamente adversarial, como anunciam na primeira frase: «Ao fim de quatro anos de mão pesada a governar»… Ora, ainda não faz quatro anos que Passos Coelho é primeiro-ministro (PM) e o qualificativo «mão pesada» fica com o «Expresso»…

Ao ataque inicial, segue-se logo o caso grego, mas o entrevistado nunca desarma. Responde taco a taco e, quando não quer responder, não responde. Como fará até ao fim, o PM esclarece: «Não fiz mais do que constatar a realidade». Depois de colunas de argumentos syrizistas e de Passos recusar esse «filme em que o PM quer fazer mal aos portugueses e é subserviente em relação aos estrangeiros», um dos jornalistas insiste: «Tem noção que algumas medidas que aplicou ao país foram brutais?». O PM responde-lhe frontalmente: «Quer voltar à bancarrota de 2011?», clarificando: «O mais importante de tudo é garantir que nunca mais se volte a repetir essa experiência».

E perante a pergunta se «votar no PS é regressar às políticas que nos levaram ao desastre?», o PM confirma: «Não há razão nenhuma para pensar que não seria assim», martelando: «Se há algum corte com o passado, se há alguma coisa de diferente, ainda não se ouviu»! Ante o fogo permanente, não se desconcerta: «Não foi a Europa que criou um problema a Portugal… Enquanto persistir essa visão estaremos sempre a apontar soluções erradas». Quanto à pergunta com que António Costa devia ser confrontado, Passos diz que lutará pela maioria absoluta nas próximas eleições, em princípio em coligação com o CDS, mas não rejeita a possibilidade de um «bloco central», reconhecendo a necessidade de maiorias alargadas para promover reformas dignas desse nome.

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O PM discute tudo e não esconde nada; só não responde ao que considera fútil ou inoportuno. Se há algo que de facto contornou, foi a famosa «reforma do Estado». Talvez até porque sabe que nunca haverá uma verdadeira reforma do sistema político e eleitoral sem que o PSD e o PS se entendam, coisa que ele próprio adivinha que não irá acontecer tão cedo, provavelmente jamais, pois todos partidos actuais são produtos inamovíveis do actual regime e, como tal, defendê-lo-ão com unhas e dentes. É aí que reside, como já tenho dito, a raiz da crise portuguesa e do risco de ela continuar.

No plano económico, Passos não precisou de muito para virar os argumentos dos jornalistas, perguntando-lhes: «Alguém quer diminuir o défice excessivo por obsessão? Devemos defender défices excessivos por razões ideológicas? Já viram o absurdo desta formulação?». E remata: «Quando um país não tem acesso a financiamento, não há keynesianismo nem monetarismo que valham. O que há é a bancarrota»!

Com a experiência de primeiro-ministro, explica a seguir que não é com «rótulos» que se governa, mas sim com objetivos de amplo espectro: «Uma sociedade mais aberta, uma economia menos protegida, e um sector financeiro menos acomodado ao statu quo vigente, que financiava grandes obras mesmo quando elas eram decepcionantes do ponto de vista do crescimento, com grande impacto no endividamento do país». A mensagem é clara.

Perante o quadro social dantesco pintado pelos jornalistas, Passos procura tranquilizar o eleitorado, afirmando que «a ideia da destruição do «estado social» nunca existiu em Portugal e não se perspectiva que venha a existir». Isso não quer dizer, acrescento eu, que as reformas sociais, laborais e económicas não devam continuar, nomeadamente no sistema de pensões e nas empresas ditas públicas, como a RTP e a TAP, que mais parecem estar ao serviço dos funcionários do que dos utentes, que a actual coligação prometeu privatizar parcialmente.

A fechar, o primeiro-ministro tem razão quando, retorquindo uma vez mais às alegações dramáticas dos entrevistadores, interpela directamente o eleitorado: «Pergunto: é agora, quando ultrapassámos os maiores problemas, que vamos ficar desmoralizados, derrotados e deprimidos? Penso que seria irónico e doentio, e espero que isso não aconteça».

Passos Coelho assume as medidas que tomou e por que razão as tomou, dando a entender que continuará pela mesma via, pois esta não está terminada. É aquilo a que se chama uma boa entrevista de um candidato à reeleição, com árdua experiência adquirida, que não se verga a tiradas ideológicas e não perde de vista o essencial do que aprendeu à custa dele e à nossa.