É ensurdecedor o ruído de fundo produzido há uma dezena de dias por toda a imprensa escrita, sonora e audiovisual acerca das contribuições de Pedro Passos Coelho (PPC) à segurança social, bastante antes de o cidadão ser primeiro-ministro e entretanto prescritas. A falta de pagamento atempado, além de se dever em boa parte à confusão que então reinava na legislação e nos serviços da Segurança Social, como muitos cidadãos puderam testemunhar eles próprios, tinha de resto a sanção automática da perda de tempo para a reforma, pois tanto quanto se consegue perceber, no meio do labirinto burocrático português, não se trata de um imposto mas sim de uma contribuição com retribuição específica no futuro.

O primeiro-ministro penitenciou-se imediatamente e pagou a factura que lhe foi apresentada a seu pedido. Com ironia, até podia ter alegado, a par do seu pedido de desculpa, que o peso da bancarrota e do memorando com a «troika» herdados do governo do PS, então sob a chefia férrea e pouco transparente de quem sabemos, pode ter contribuído para PPC não regularizar a situação logo que ascendeu a primeiro-ministro e recebeu o encargo de tirar o país do atoleiro despesista dos governos socialistas.

Seja como for, trata-se de mais uma tentativa de «assassínio de carácter» contra o primeiro-ministro, desencadeada pelas mesmas centrais de contra-informação do costume, vindas em boa parte da anterior situação e agora acompanhadas pela cansativa falange de ressentidos do PSD, sem mais atributos do que o acesso ilimitado à comunicação social, especialmente a do Grupo Impresa, por razões fáceis de adivinhar, mas não só. A opinião pública já está habituada à propaganda em vez da política desde o tempo de Sócrates.

Destinada com toda a probabilidade a falhar outra vez, esta nova campanha de intoxicação surge, como por acaso, para compensar as sondagens desapontadoras do PS e, desde logo, a «gaffe» cometida dias antes pelo líder da oposição, quando admitiu em discurso público aquilo que o eleitorado já sabia pertinentemente, ou seja, que a situação do país é bem menos má do que em 2011 e, por certo, bastante melhor, felizmente, do que a oposição e a falange dos ressentidos têm apregoado desde o primeiro ao último dia.

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Este tipo de campanhas sem real conteúdo político nem sequência de propostas concretas só pode, como é evidente, prejudicar objectivamente a população portuguesa perante os credores e a opinião pública internacionais. Se tal viesse apenas de grupos politicamente inimputáveis como o PCP, o BE e os mini-Podemos que se preparam para as próximas eleições, entendia-se e não tinha efeitos tão deletérios, sobretudo se a comunicação social não promovesse os porta-vozes desses grupos muito para além daquilo que representam no país.

Vindo, porém, a campanha de um PS desgastado pelos anos de ruína económica e pelas lutas internas, este ruído de fundo persistente só pode causar mais desgaste a todos os partidos. Provavelmente, não acrescenta um voto que seja ao PS mas, ao mesmo tempo, a campanha dá uma imagem deplorável do sistema político a um eleitorado cuja tendência para a abstenção crítica é bem conhecida há décadas.

É difícil não pensar que é isso que estas campanhas visam, não só a ala esquerda do parlamento, como aparentemente também o próprio PS. É sabido, com efeito, que os partidos sem responsabilidades de governo têm tudo a ganhar com elevadas taxas de abstenção como aconteceu nas últimas eleições europeias, permitindo-lhes atingir percentagens de voto que, obviamente, não possuem no conjunto da população e, em especial, no eleitorado mais velho e porventura até no mais pobre.

Perante um clima partidário agónico, como se as políticas consentidas à actual coligação e ao maior partido da oposição pudessem ser muito diferentes, como se vê de resto na Grécia para desespero dos eleitores levados ao engano pelo Syriza, é neste sentido muito preciso que o PS se comporta como um partido politicamente irresponsável, sem programa e sem querer sequer imaginar o que teria de fazer se, por azar das abstenções, chegasse ao poder perante um parlamento sem maioria duradoura e uma presidência da República sem poderes de dissolução durante um ano inteiro.

É uma situação dessas que pretendem António Costa e as pessoas que parecem acompanhá-lo de mais perto? Para o país? Para quem? Em pleno ruído, António Costa declara perentoriamente que não fará governo com o PSD, como se isso não tivesse já acontecido em Portugal e com vantagens. Quer então dizer que se aliará com os grupos à sua esquerda no hemiciclo? Também não tem coragem de o afirmar, recusando assim ao eleitorado o direito de conhecer as opções com que será confrontado depois das eleições.

Espero que, ao fechar este texto, o ruído tenha amainado e seja possível discutir, com um mínimo de seriedade, as afirmações contidas na entrevista do primeiro-ministro que nem António Costa nem qualquer comentador registaram até agora. Nos sete meses que faltam para as legislativas, não sobra tempo para aquilo que interessa ao país, desde a reforma constitucional e partidária até às reformas sociais e económicas. É isso que os eleitores, para não desertarem em massa para a abstenção, hão-de querer conhecer, sem tergiversações nem fraseado ideológico.