Numa democracia madura e estável, uma oradora numa conferência não suscita os receios que Marine Le Pen suscitou esta semana em Portugal. Quem teme que Le Pen, nos minutos que lhe fossem concedidos, ameaçasse a saúde do nosso regime tem evidentemente pouca fé no nosso regime – e no bom-senso dos portugueses que a ouvissem. Quero deixar claro: onde Le Pen é eurocética eu sou europeísta; onde Le Pen é protecionista eu sou liberal; onde Le Pen é contra a NATO eu sou atlântista. Ironicamente, aqueles que quiseram impedi-la de falar na Web Summit não podem dizer o mesmo. Partilham – e este boicote demonstrou-o – a sua aversão à diferença de opinião. O Bloco de Esquerda tem muito mais a ver com Marine Le Pen do que aqueles a quem é indiferente que Marine Le Pen cá esteja. São ambos profundamente populistas e contra a visão aberta do mercado e da sociedade que a Web Summit promove. E é por isso que é tão importante ouvi-los: para lhes podermos responder.

Estranhei como tanta esquerda se demitiu desse combate. No lugar de desafios para um debate público, apelou-se imediatamente ao silenciar. “O fascismo proíbe-se”, clamou um deputado do PS. A estupidez também? Como é que o primeiro instinto socialista e bloquista é calar e não debater? Têm falta de argumentos ou medo da semelhança entre os seus argumentos e os de Le Pen? Como justificação para o desconvite evocam, imagine-se, o “paradoxo da tolerância” de Karl Popper. Desta vez, não estranhei; tive memória. É verdade que o filósofo advertia para o risco de tolerar os intolerantes – no sentido em que estes ameaçam a sobrevivência dessa mesma tolerância – mas é também verdade que a esquerda não se preocupou nada com a tolerância aos intolerantes quando formou governo apoiada por um partido defensor da União Soviética. Popper, pelos vistos, só merece ser recordado quando Le Pen vem a Portugal – não quando se brinda a Lenine na Assembleia da República.

A esquerda, no entanto, celebra. Marine Le Pen não vem. E a esquerda celebra porque a esquerda não percebe que perdeu; não percebe que quem ganhou foi Marine Le Pen. Em vez de confrontada, pode vitimizar-se; em vez de passar despercebida, como Farage no ano passado, o seu nome foi notícia durante dias a fio. Sugiro, nessa senda, que os senhores da Web Summit convidem Catarina Martins para a vaga agora livre. Depois desta semana, notar-se-iam menos diferenças. A esquerda não foi melhor do que Le Pen.

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