No dia 18 de Dezembro comemorou-se o Dia Internacional das Migrações. Em Portugal foi publicado o relatório estatístico anual do Observatório das Migrações que revela dados muito relevantes, dos quais destaco dois:
- A Segurança Social beneficiou 802 milhões de euros com as prestações de imigrantes. Em 2020 verifica-se um saldo das contribuições para a Segurança Social superior em +110,7% por comparação ao saldo do início da década, em 2011. De referir que há registo de mais contribuintes para a segurança social do que de titulares de autorização de residência no país, discrepância que pode ser explicada por situações de imigrantes já inscritos e a contribuir para a segurança social de Portugal, mas ainda a aguardar por regularização ou título de residência no país, e
- A natalidade dos estrangeiros é muito superior à dos Portugueses. O relatório refere que em 2019 e 2020, 13 em cada 100 nados-vivos foram de mãe estrangeira, quando apenas 6 em cada 100 residentes em Portugal eram estrangeiros. Os nados-vivos de mães com nacionalidade estrangeira e residência em Portugal mais do que duplicaram a sua proporção no total dos nascimentos verificados no país no início da década.
Infelizmente, apesar de os dados estatísticos serem claros quanto à relevância dos imigrantes em Portugal, a realidade das recentes decisões políticas migratórias em Portugal envergonha a ficção. Nunca o mais experiente dos guionistas teria imaginação para transformar o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) numa verdadeira manta de retalhos. A cronologia do guião é espantosa.
Primeiro acto: Em Maio foi anunciada a morte do SEF e a criação do Serviço de Estrangeiros e Asilo (“SEA”).
Na madrugada do dia 6 de Novembro, apesar da insónia, o Presidente da República promulga a reestruturação do SEF não deixando, porém, de suscitar algumas questões pertinentes, das quais destaco: como será concretizada a coordenação entre a Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (“APMA”) e as diversas entidades policiais e estas entre si.
Segundo acto: Apesar das dúvidas, a 12 de Novembro foi publicada a reestruturação do sistema português de controlo de fronteiras, a reformulação do regime das forças e serviços que exercem a atividade de segurança interna e a reafectação de competências e recursos do SEF.
Por fim, o terceiro acto: O diploma protela por mais 60 dias a publicação da regulamentação que concretizará esta reforma.
Enfim, em apenas 7 meses, o SEF passou a SEA, de SEA passou a APMA, e de APMA a ver vamos…
Caro Leitor, podemos ficar descansados eles sabem o que fazem.
Ficam, porém, por responder duas questões de fundo que devem ser a chave para reestruturação do SEF que por agora resulta num esquartejamento de competências por diferentes forças policiais. As 2 questões para os próximos 6 meses que deveriam ter sido motor da reforma são:
Primeiro: As fronteiras importam? Pelos vistos sim. No dia 26 de Novembro, não contentes com a complexidade da trama criada, o Partido Socialista adia a extinção do SEF por mais seis meses com a justificação da evolução da situação epidemiológica.
A volatilidade da pandemia não vai acabar nos próximos 6 meses. A gestão das fronteiras exige foco e coordenação, não vejo como a dispersão do SEF por 3 forças de segurança possa ser benéfico nem em tempos de pandemia nem no pós-pandemia. E o Governo percebeu isso agora, lamentavelmente tarde e depois de publicar a Lei. Uma fronteira define a autonomia e a soberania de um Estado.
Segundo: a questão demográfica. Desde 2010, Portugal tem vindo a perder população por via natural e migratória. Isto significa que, não apenas morrem mais pessoas do que nascem, como saem do país mais pessoas do que entram. Contudo, se desde 2019, o aumento da população estrangeira em Portugal permitiu que o país compensasse o saldo natural negativo. A população residente em Portugal aumentou. Temos 662.095 estrangeiros residentes em Portugal, mais 12,2% do que em 2019. Esta população é fundamental para a sustentabilidade das contas públicas e da nossa segurança social. Temos uma população extremamente envelhecida. As políticas de natalidade demoram mais de 20 anos a ter resultado, uma política migratória pode estancar ou suavizar a nossa crise demográfica.
Agravado pelas medidas escolhidas para fazer face à pandemia, o caos que se vive há anos no SEF, com a falta de agendamentos, os longos tempos de espera no âmbito da análise dos pedidos e de atendimento presencial transmite um sinal de desorganização e insegurança aos estrangeiros que vivem, trabalham e investem em Portugal.
Uma reforma no SEF, deve promover um melhor funcionamento dos serviços e não dispersar a experiência adquirida e a gestão dos processos entre o SEF e o Instituto dos Registos e Notariado, I.P. (IRN). Se a segurança é fundamental, porque se consideram as renovações dos títulos de residência meros actos administrativos que podem ser processados por um IRN assoberbado que, actualmente, mal consegue gerir o volume de trabalho que tem?
Conclusão: em tempo de guerra não se limpam armas, por mais sujas que estejam.
Que o adiamento da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) até maio de 2022 sirva para analisarmos a necessidade de uma eventual reforma do Serviço de Fronteiras com a profundidade que merece.